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Trombose Venosa Cerebral

A trombose venosa cerebral (TVC) corresponde à presença de um coágulo sanguíneo nas veias cerebrais ou seios durais, que afeta predominantemente os adultos mais jovens. Os fatores de risco incluem estados de hipercoagulação, infeções, traumatismo craniano, condições inflamatórias e fármacos. A TVC pode ter apresentações clínicas variadas. Os sintomas incluem dores de cabeça, défices neurológicos focais, convulsões e sinais gerais de aumento da PIC. Os doentes com suspeição deste diagnóstico devem ser submetido de forma urgente a neuroimagem com venografia por ressonância magnética cerebral. A anticoagulação é a base do tratamento. A TVC pode ser fatal durante a fase aguda; contudo, o resultado global a longo prazo é favorável nos doentes que sobrevivem.

Última atualização: May 15, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

A trombose venosa cerebral (TVC) corresponde à presença de um coágulo de sangue nas veias cerebrais ou nos seios durais.

Epidemiologia

  • Afeta uma população mais jovem do que o AVC isquémico (idade média, 35 anos)
  • Incidência anual: 1-2/100.000 habitantes
  • Mais comum nas mulheres (3:1)

Fatores de risco

  • Estados de hipercoagulação (genéticos ou adquiridos):
    • Síndrome antifosfolipídeo
    • Défice de proteína C ou S
    • Mutação do fator V de Leiden
    • Hiper-homocisteinemia
    • Gravidez e período periparto
    • Neoplasias malignas
    • Síndrome nefrótico
    • Hemoglobinúria paroxística noturna (HPN)
  • Infeções:
    • Localizadas na cabeça/ pescoço (e.g., a sinusite frontal pode espalhar-se através das veias emissárias e causar uma trombose do seio cavernoso).
    • Sistémicas (e.g., COVID-19)
  • Traumatismo craniano
  • Condições inflamatórias:
    • Lúpus eritematoso sistémico (LES)
    • Doença inflamatória intestinal
    • Granulomatose com poliangeíte
    • Doença de Behçet
  • Fármacos:
    • Contracetivos orais (fator de risco mais comum nas mulheres jovens)
    • Tamoxifeno
    • Corticoides
    • Eritropoietina
    • Quimioterapia
      • L-asparaginase
      • Cisplatina
      • Ácido all-trans retinoico
  • Outros:
    • Obesidade
    • Cardiopatia congénita

Fisiopatologia

  • Quando um coágulo obstrui o sistema venoso cerebral, pode causar sintomas através de 2 mecanismos principais:
    • ↓ absorção do LCR → ↑ pressão intracraniana (PIC)
    • Obstrução do fluxo sanguíneo do cérebro → enfartes cerebrais (AVC)
  • Causas de obstrução venosa:
    • ↑ Pressão venosa e ↓ pressão de perfusão capilar → ↓ fluxo sanguíneo cerebral
    • ↑ Pressão intravascular e ↓ perfusão cerebral → ↓ Falência da bomba Na+/K+ ATPase → entrada de água nas células → fuga de plasma sanguíneo para o espaço intersticial
  • Resulta em:
    • Rutura da barreira hemato-encefálica → edema vasogénico (dor de cabeça)
    • Enfarte venoso (AVC) e hemorragia

Apresentação clínica

A apresentação clínica pode variar significativamente. Alguns casos podem apresentar sinais isolados de aumento da PIC, enquanto outros podem apresentar sintomas isquémicos. O início dos sintomas também pode diferir (agudo, subagudo, crónico).

Sinais e sintomas

  • Dor de cabeça:
    • Característica clínica mais comum
    • Pode ser difusa ou localizada frontalmente
    • O início é normalmente gradual, mas pode ser explosivo (“trovoada”)
    • Pior quando:
      • Deitado
      • Tosse
      • Espirros
      • Manobra de Valsalva
    • Pode ter associado vómitos ou diplopia
  • Papiledema: sinal de ↑ PIC
  • Défices neurológicos focais:
    • Paralisia de pares cranianos
    • Hemiparésia
    • Perda hemisensorial
    • Hemianópsia
  • Convulsão focal ou generalizada
  • Alteração do estado de consciência (encefalopatia)

Síndromes isoladas

  • A trombose do seio cavernoso apresenta-se com sintomas predominantemente oculares:
    • Dor orbital
    • Edema conjuntival
    • Proptose
    • Oculomotores paralíticos
  • Oclusão das veias corticais:
    • Défices motores e sensitivos
    • Convulsões
  • Oclusão do seio transverso esquerdo: afasia
  • Sistema venoso cerebral profundo (e.g., seio reto):
    • Sintomas graves
    • Coma
    • Défices motores bilaterais

Diagnóstico

Estão indicados estudos de imagem urgentes para aqueles que se apresentam com sinais de TVC. Os testes laboratoriais não desempenham qualquer papel no diagnóstico da TVC, mas podem ajudar a identificar a causa subjacente.

Estudos imagiológicos

  • TC cerebral:
    • Frequentemente normal
    • Podem visualizar-se veias (sinal da corda) ou seios (sinal do triângulo) hiperdensos e trombosados em 1/3 dos casos.
  • Venografia por ressonância magnética cerebral (VRM):
    • Teste mais sensível
    • Achados possíveis:
      • Edema cerebral difuso ou focal
      • Enfartes venosos parenquimatosos (em padrões não consistentes com os enfartes arteriais)
      • Enfarte venoso hemorrágico
  • Venografia TC (VTC):
    • Pode ser utilizada se a VRM não puder ser realizada
    • Pode apresentar um défice de preenchimento (sem fluxo sanguíneo)
    • Tem limitações devido a variações anatómicas
  • A angiografia de subtração digital cerebral pode ser considerada se a VRM ou VTC forem inconclusivas.

Exames laboratoriais

  • D-dímeros:
    • Podem estar ↑
    • Os níveis baixos não excluem o diagnóstico.
  • Hemograma → avaliar se:
    • Policitemia
    • Trombocitopenia
    • Infeção
  • Estudos da coagulação
  • Marcadores inflamatórios e hemoculturas
  • Perfil hepático
  • Proteína urinária → avaliar se síndrome nefrótica
  • Rastreio de trombofilia em casos de:
    • História anterior de trombose venosa
    • Idade jovem no início da doença
    • Nenhum outro fator de risco

Outras

  • Punção lombar:
    • Avaliar a pressão de abertura (> 25 cm H2O é alto)
    • Pode excluir a meningite
    • Os estudos do LCR são geralmente inespecíficos.
  • EEG (em caso de convulsões)

Tratamento

Tratamento agudo

  • Admissão na UCI de doentes com ↑ PIC:
    • Monitorização da PIC
    • Medidas para controlo do ↑ PIC:
      • Elevar a cabeceira da cama
      • Sedação ligeira, conforme necessário
      • Terapêutica osmótica com manitol ou soro fisiológico hipertónico
      • A hiperventilação (se entubada) como medida temporária é controversa.
  • Eliminar os fatores causais, se possível (e.g., os contracetivos orais).
  • Anticoagulação:
    • Heparina IV ou subcutânea de baixo peso molecular (HBPM)
    • Nota: Os indivíduos com enfarte venoso hemorrágico e TVC podem receber terapêutica anticoagulante.
  • Trombólise endovascular ou trombectomia mecânica se:
    • Sintomas a agravar apesar da terapêutica adequada, ou se
    • Contraindicações à anticoagulação
  • Anticonvulsivantes:
    • Indicação para profilaxia: convulsões conhecidas e lesão supratentorial
    • Duração ótima desconhecida
  • Antibióticos: se suspeita de infeção simultânea (e.g., meningite, mastoidite)
  • Glucocorticoides: se doença autoimune (e.g., vasculite, síndrome de Behçet, LES)

Tratamento de longo prazo

  • Anticoagulação:
    • Geral:
      • Duração: 3-12 meses
      • Opções: varfarina ou anticoagulante oral direto
    • Durante a gravidez e até 8 semanas pós-parto:
      • HBPM
      • Profilaxia com HBPM em gravidezes subsequentes
  • Descontinuar os contracetivos orais e a terapêutica hormonal da menopausa (excepto para as pílulas apenas de progestina).

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Diagnóstico diferencial

  • Hipertensão intracraniana idiopática: Também conhecida como pseudotumor cerebral, apresenta sinais de aumento da PIC (dor de cabeça, vómitos, papiledema) sem evidência de um alteração estrutural. Esta condição é mais comum nas mulheres em idade fértil, particularmente naquelas que têm excesso de peso. O diagnóstico é feito através de uma combinação de resultados do exames físicos, estudos de imagem e punção lombar. A diminuição da PIC é o objetivo principal do tratamento, muitas vezes com inibidores de anidrase carbónica.
  • Hemorragia subaracnoideia (HSA): hemorragia entre a aracnoide e a pia-máter devido à rutura de um aneurisma sacular. A HSA apresenta-se com uma dor de cabeça em “trovoada”, vómitos, rigidez do pescoço, défices neurológicos focais e convulsões. O diagnóstico baseia-se em estudos de imagem e na punção lombar. A HSA requer uma intervenção neurocirúrgica urgente para parar a hemorragia e tem uma elevada taxa de mortalidade quando não tratada.
  • Pré-eclâmpsia e eclâmpsia: A pré-eclâmpsia é uma hipertensão gestacional com proteinúria e/ou dano de órgãos alvo. A eclâmpsia corresponde à pré-eclâmpsia associada a convulsões. O tratamento é com anti-hipertensivos e sulfato de magnésio para profilaxia ou tratamento de convulsões. O tratamento definitivo é o parto.
  • Síndrome de vasoconstrição cerebral reversível: grupo de perturbações com estenose e dilatação reversível das artérias cerebrais. Caracteriza-se por dores de cabeça em “trovoada”. Podem também estar presentes défices neurológicos focais e convulsões. A neuroimagem mostra a redução focal das artérias no círculo de Willis. Estas alterações podem desaparecer espontaneamente. O tratamento centra-se nos cuidados de suporte, com resolução dos sintomas ao longo do tempo.

Referências

  1. ​​Ferro, J. M., Aguiar de Sousa, D. (2019). Cerebral venous thrombosis: an update. Current Neurology and Neuroscience Reports, 19(10). https://link.springer.com/article/10.1007/s11910-019-0988-x
  2. Ferro, J. M., Canhão, P. (2022).Etiology, clinical features, and diagnosis. UpToDate. Retrieved September 29, 2022, from https://www.uptodate.com/contents/cerebral-venous-thrombosis-etiology-clinical-features-and-diagnosis
  3. Ferro, J. M., Canhão, P. (2022). Cerebral venous thrombosis: treatment and prognosis. UpToDate. Retrieved September 29, 2022, from https://www.uptodate.com/contents/cerebral-venous-thrombosis-treatment-and-prognosis
  4. Singhal, A. (2022). Reversible cerebral vasoconstriction syndrome. UpToDate. Retrieved September 29, 2022, from https://www.uptodate.com/contents/reversible-cerebral-vasoconstriction-syndrome
  5. Capecchi, M., Abbattista, M., Martinelli, I. (2018). Cerebral venous sinus thrombosis. Journal of Thrombosis and Haemostasis, 16(10), 1918–1931. https://doi.org/10.1111/jth.14210
  6. McElveen, W., Keegan, A. (2018). Cerebral venous thrombosis. Medscape.Retrieved September 29, 2022, from https://emedicine.medscape.com/article/1162804-overview
  7. Zhang, Z., et al. (2019). Hyperventilation in neurological patients: from physiology to outcome evidence. Current Opinion in Anaesthesiology, 32(5), 568–573. DOI: 10.1097/ACO.0000000000000764

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