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Traumatismo Cranioencefálico

O traumatismo cranioencefálico ocorre quando forças externas são direcionadas ao crânio e às estruturas cerebrais, resultando em danos cranianos, cerebrais e das estruturas intracranianas. As lesões cranioencefálicas podem ser classificadas como abertas (penetrantes) ou fechadas (contusas); primárias (desde o trauma inicial) ou secundárias (lesão cerebral indireta); e variam de ligeiros a graves e fatais. Na maioria dos casos, são ligeiros, mas a apresentação pode variar de uma concussão ligeira a um estado de coma, dependendo da gravidade da agressão. O tratamento varia de vigilância a monitorização em cuidados intensivos e intervenções neurocirúrgicas. O prognóstico é favorável nas lesões ligeiras, mas os traumas graves podem resultar em morte ou danos permanentes.

Última atualização: Oct 6, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

O traumatismo cranioencefálico é uma lesão no crânio, cérebro e/ou em estruturas intracranianas.

Epidemiologia

  • 2,8 milhões de pessoas por ano sofrem lesões cranioencefálicas nos Estados Unidos.
  • 75% dos casos são considerados ligeiros.
  • A lesão fatal mais comum
  • Distribuição bimodal de idade, com maior incidência em crianças, adultos jovens e idosos
  • Mais comum em homens do que mulheres

Etiologia

  • Quedas (causa mais comum em idosos)
  • Acidentes de veículos motorizados
  • Acidentes de trabalho
  • Desportos
  • Agressão física

Classificação de Gravidade

Escala de Coma de Glasgow (GCS)

  • O exame GCS tem em conta o nível de consciência após um traumatismo cranioencefálico.
  • Os pacientes recebem uma pontuação para a melhor resposta de cada parâmetro.
  • Adicionam-se as pontuações de cada parâmetro, de forma a atingir uma pontuação total de 3–15.
  • ↑ o número → melhor o prognóstico
  • Pontuação ≤ 9:
    • Indica coma
    • O paciente requer intubação endotraqueal para proteção da via aérea
Tabela: Escala de Coma de Glasgow
Parâmetro Resposta Pontuação
Abertura ocular Abertura espontânea 4
Abertura ao comando verbal 3
Abertura à dor 2
Sem abertura ocular 1
Resposta verbal Orientado e apropriado 5
Desorientado, mas responde 4
Palavras sem sentido 3
Sons incompreensíveis (gemido) 2
Ausente 1
Resposta motora Cumpre ordens 6
Localiza o estímulo doloroso 5
Movimento de retirada a estímulos dolorosos 4
Postura de flexão 3
Postura de extensão 2
Flacidez 1

Escala de gravidade de lesão cerebral traumática (LCT)

  • LCT ligeira:
    • GCS de 13-15
    • Mecanismo não grave
    • Perda de consciência de 0-30 minutos
    • Amnésia transitória, < 24 horas
  • LCT moderada:
    • GCS de 9-12
    • Perda de consciência por > 30 minutos e < 24 horas
    • Cefaleias
    • Vómitos
    • Amnésia por > 24 horas e < 7 dias
    • Alteração do estado mental no momento da lesão
  • LCT grave:
    • GCS < 9
    • Perda de consciência prolongada (> 24 horas)
    • Défices neurológicos
    • Amnésia > 7 dias
Tabela: Classificação da gravidade da LCT
Critério Ligeira Moderada Grave
Imagem estrutural Normal Normal ou anormal Normal ou anormal
PDC 0-30 minutos > 30 minutos e < 24 horas > 24 horas
ADC Por algum tempo, até 24 horas > 24 horas, gravidade com base em outros critérios
APT 0-1 dia > 1 e < 7 dias > 7 dias
GCS 13-15 9-12 < 9
PDC: perda de consciência
ADC: alteração da consciência/do estado mental
APT: amnésia pós-traumática
GSC: Escala de Coma de Glasgow (melhor pontuação nas primeiras 24 horas)

Fisiopatologia

Cronologia do evento

  • Primário:
    • Ocorre no momento da lesão
    • Lesões por golpe (do lado do impacto) e contragolpe (do lado oposto)
    • Lesões de aceleração-desaceleração (movimento cerebral abrupto e deformação dentro da caixa craniana; comum em colisões de veículos motorizados)
  • Secundário:
    • Lesões que ocorrem horas/dias/ semanas após o trauma
    • Resulta de uma resposta corporal ao trauma original
    • Mecanismos de lesão molecular (inflamação, apoptose, isquemia secundária)
    • Pode resultar em edema cerebral local ou difuso, hemorragia ou ↑ pressão intracraniana (PIC), distúrbios eletrolíticos
    • Pode levar ao coma e à morte

Tipos

  • Aberto (penetrante):
    • Lesão que envolve a penetração do crânio, dura-máter e fratura da calote craniana
    • Ocorre lesão direta do tecido cerebral por fragmentos ósseos, ou outros objetos, como balas, facas, etc.
  • Fechado:
    • Mais comum do que lesões abertas
    • Crânio e dura-máter intactos
    • Ocorre danos cerebrais por mecanismo de aceleração-desaceleração.
    • Pode ser focal ou difuso
Golpe e traumatismo cranioencefálico

Lesão cranioencefálica por golpe e contragolpe

Imagem: “Contrecoup” por Patrick J. Lynch. Licença: CC BY 2.5

Tipos de Lesões

Fraturas cranianas

  • Ocorrem quando a força mecânica excede a integridade da calote craniana
  • Frequentemente associadas a lesões intra e extracranianas
  • A fratura do osso parietal é mais comum.

Fraturas lineares:

  • Fraturas cranianas mais comuns
  • O paciente apresenta edema envolvendo o local da fratura.
  • Raramente ocorrem sintomas neurológicos ou hemorragia intracraniana.
  • Geralmente não é necessária qualquer intervenção.

Fraturas cominutivas:

  • Complexas, com vários fragmentos ósseos
  • Associadas a uma força de impacto significativa
  • Frequentemente tornam-se fraturas deprimidas

Fraturas deprimidas:

  • Uma força significativa resulta no deslocamento para dentro de uma parte do crânio.
  • Podem ser fechadas ou abertas (com laceração craniana)
  • Ao exame objetivo, pode-se observar uma área significativamente deprimida
  • Podem lacerar a dura-máter, criar um ponto de entrada ao líquido cefalorraquidiano e causar uma infeção
  • A apresentação clínica depende da lesão cerebral subjacente.

Fraturas elevadas:

  • Elevação de um fragmento ósseo acima da calote craniana
  • Raras, geralmente envolvem os ossos frontais
  • Associadas ao impacto tangencial
  • Geralmente apresentam lesão cerebral subjacente significativa

Fraturas da base do crânio:

  • Incluem fraturas das seguintes estruturas:
    • Lâmina cribriforme do osso etmóide
    • Lâmina orbital do osso frontal
    • Osso temporal
    • Osso esfenóide
    • Osso occipital
  • Mais comum através de um osso temporal
  • Hematomas epidurais comuns (lesão da artéria e veia meníngeas médias)
  • A apresentação depende do grau de lesão cerebral, dos nervos cranianos e vasos:
    • Rinorreia ou otorreia (extravasamento de líquido cefalorraquidiano (LCR))
    • Hemotímpano (sangue posteriormente à membrana timpânica)
    • Olhos de guaxinim (equimoses periorbitais)
    • Sinal de Battle (equimose retroauricular ou na região mastóide)
    • Hemorragia subconjuntival
    • Náuseas e vómitos
    • Paralisia de nervos cranianos

Hemorragia intracraniana

Contusões cerebrais focais:

  • Lesões hemorrágicas mais comuns
  • Geralmente em regiões basais frontais e temporais
  • A rotura dos vasos intraparenquimatosos pode levar a hematomas intracerebrais de maior extensão.

Hemorragia extra-axial:

  • Hematoma epidural:
    • Resulta da rotura da artéria meníngea média
    • Condição potencialmente fatal
    • Expansão rápida da coleção de sangue no espaço potencial entre o crânio e a dura-máter
    • Perda inicial de consciência marcada por intervalo lúcido (recuperação neurológica temporária)
    • A tomografia computadorizada (TC) mostra coleção de sangue biconvexa e hiperdensa que não ultrapassa as linhas de sutura.
    • Geralmente requer cirurgia emergente
  • Hematoma subdural:
    • Coleção de sangue entre a dura-máter e a membrana aracnóide, devido à rotura das veias-ponte
    • A TC mostra coleção de sangue em forma de crescente que ultrapassa as linhas de sutura.
  • Hemorragia subaracnoideia:
    • Resulta da rotura de pequenos vasos piais
    • Normalmente em fissuras sylvianas e cisternas interpedunculares
    • Pode se estender numa hemorragia intraventricular

Lesão axonal difusa (LAD)

  • Associada a lesão de aceleração-desaceleração com movimento irrestrito da cabeça
  • As forças rotacionais afetam as áreas cerebrais com diferentes densidades (junção de matéria cinzenta-branca).
  • Os sintomas podem ser ligeiros, mas geralmente são graves.
  • Os pacientes com LAD grave apresentam perda de consciência, que persiste até o estado vegetativo (90% dos casos).
  • A TC ou a ressonância magnética (RM) mostra inúmeras hemorragias pontilhadas minúsculas com desfoque da interface cinzenta-branca.
  • Causa mais significativa de morbidade em pacientes com LCT, pois resulta num estado vegetativo

Concussão

  • LCT ligeira
  • Pontuação GCS 13-15
  • Geralmente sem anormalidades visíveis na TC
  • Considerada um distúrbio funcional e não anatómico
  • Resultados de contusões corticais ligeiras nos lados do golpe ou contragolpe
  • Lesão axonal ligeira
  • Os primeiros sintomas de concussão incluem:
    • Cefaleias
    • Tonturas
    • Desorientação
    • Amnésia para o evento traumático
    • Náuseas e vómitos
  • Síndrome pós-concussão:
    • Os sintomas persistem semanas a meses após a lesão.
    • Cefaleia, tonturas, deficiência cognitiva e sintomas psicológicos
    • Pode ser resultado de lesão secundária:
      • Libertação de neurotransmissores excitatórios
      • Geração de radicais livres

Diagnóstico

História clínica e exame objetivo

  • Perda de consciência relatada e a sua duração
  • Estado mental (avaliação GCS)
  • Lacerações do couro cabeludo, fraturas palpáveis
  • Sinais de fraturas da base do crânio:
    • Oto-/rinorreia
    • Equimoses (periorbitais, periauriculares)
    • Hemorragia conjuntival, sangue posteriomente às membranas timpânicas
  • Exame neurológico

Canadian CT Head Rule (CCHR)

O CCHR é usado para determinar a necessidade de TC em pacientes adultos no serviço de urgência com traumatismos cranianos ligeiros. A sua sensibilidade é de cerca de 100% na identificação de traumas cerebrais clinicamente significativos (i.e., traumas que requerem intervenção neurocirúrgica).

Requisitos:

  • Nenhum dos critérios de exclusão foi cumprido.
  • Pelo menos 1 dos critérios de inclusão está presente.

Critérios de inclusão:

  • Perda de consciência
  • Amnésia para o evento de traumatismo craniano
  • Desorientação testemunhada
  • GCS 13-15

Critérios de exclusão:

  • Idade <16 anos
  • Anticoagulantes
  • Convulsão após lesão

Fatores de alto risco:

  • GCS <15 2 horas pós-lesão
  • Suspeita de fratura craniana exposta
  • Sinal de fratura na base do crânio
  • Mais de dois episódios de vómitos
  • Idade > 65 anos

Fatores de risco médio:

  • Amnésia pós-evento > 30 minutos
  • Mecanismo perigoso de lesão
  • Pedestre atropelado por veículo motorizado
  • Passageiro projetado do veículo motorizado
  • Queda de > 1 metro ou 5 degraus abaixo

Interpretação:

  • Se não houver fatores de risco, a TC cranioencefálica é desnecessária.
  • Se algum dos fatores de risco acima forem identificados, deve ser obtida uma TC cranioencefálica.

Imagiologia

  • TC sem contraste (1ª linha):
    • Fraturas cranianas
    • Lesão da dura-máter
    • Desvio da linha média
    • Hemorragia (epidural, subdural, subaracnoideia, intracerebral)
    • Lesão axonal difusa (LAD)
  • Angiografia por TC: se houver suspeita de lesão vascular
  • RM:
    • Para diagnóstico tardio (> 48 horas após o trauma)
    • Pode avaliar a contusão e concussão melhor do que a TC

Tratamento

Tratamento inicial

  • Proteção da via aérea: intubação geralmente necessária em doentes com GCS < 9
  • Fluidoterapia de ressuscitação, oxigenoterapia
  • Avaliação e tratamento de lesões associadas
  • Terapia antifibrinolítica:
    • Em LCT moderadas (GCS 9-12)
    • Dentro das 3 horas após a lesão
    • Reduz a mortalidade

Concussão (LCT ligeira)

  • Sem tratamento específico
  • Observação por 4-6 horas ou TC sem contraste
  • Evitar narcóticos ou qualquer substância que possa alterar o estado mental do paciente.
  • Controlar a dor com fármacos de venda livre, como paracetamol ou ibuprofeno.
  • Os atletas devem se abster de desportos de contacto, até indicação contrária por um médico.

LCT moderada ou grave

Abordagem em cuidados intensivos (geralmente necessária):

  • Manter a euvolemia (fluidos intravenosos isotónicos).
  • Manter a pressão de perfusão cerebral:
    • Evitar hipotensão.
    • Monitorizar a PIC (se GCS < 9 ou evidência de hemorragia).
  • Ventilação mecânica
  • Corrigir coagulopatia
  • Manter a temperatura corporal ideal e os níveis normais de glicose
  • Profilaxia para convulsão

Controlo da PIC:

  • Elevação da cabeça
  • Hiperventilação
  • Sedação e analgesia
  • Drenagem do LCR: através de uma ventriculostomia
  • Terapia osmótica:
    • Solução salina hipertónica
    • Manitol

Cirurgia:

  • Craniectomia descompressiva para elevação refratária da PIC
  • Evacuação do hematoma:
    • Epidural: se > 30 cc de sangue
    • Subdural: se > 10 mm ou > 5 mm de desvio da linha média na TC
    • Intracerebral: se efeito de massa significativo
  • Encerramento da dura-máter, desbridamento, elevação:
    • Em fraturas cranianas deprimidas
    • Em lesões penetrantes

Referências

  1. Ian Stiell. Canadian CT Head Injury/Trauma Rule. Retrieved January 12, 2021, from https://www.mdcalc.com/canadian-ct-head-injury-trauma-rule
  2. Evans, R. (2018). Postconcussion syndrome. UpToDate. Retrieved January 12, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/postconcussion-syndrome
  3. Evans R.W., Whitlow C.T. (2019). Acute mild traumatic brain injury (concussion) in adults. UpToDate. Retrieved January 12, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/acute-mild-traumatic-brain-injury-concussion-in-adults
  4. Healy, Ellen & Walter, Kristen & Chard, Kathleen. (2015). Effectiveness of Cognitive Processing Therapy for PTSD Across Various Populations, Traumatic Events, and Co-occurring Conditions. https://doi.org/10.1007/978-3-319-08613-2_114-1 
  5. Heegard W. (2019). Skull fractures in adults. UpToDate. Retrieved January 12, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/skull-fractures-in-adults
  6. Rajajee, V. (2019). Management of acute moderate and severe traumatic brain injury. UpToDate. Retrieved January 12, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/management-of-acute-moderate-and-severe-traumatic-brain-injury
  7. Rajajee, V. (2020). Traumatic brain injury: Epidemiology, classification, and pathophysiology. UpToDate. Retrieved December 24, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/traumatic-brain-injury-epidemiology-classification-and-pathophysiology#H4 

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