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Reações Transfusionais

As complicações associadas à transfusão ocorrem durante ou após a administração de um produto sanguíneo. Estas complicações podem ser classificadas em imunológicas ou não imunológicas, e como agudas ou tardias. As reações não imunológicas são causadas pela transmissão de doenças através dos produtos sanguíneos e as reações imunológicas são mediadas por antigénio-anticorpo. Os sintomas podem incluir prurido ligeiro, arrepios e urticária, até febre alta, dispneia grave, icterícia, hipotensão ou hemoglobinúria. As reações graves podem ser fatais.

Última atualização: Jul 5, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Reações Hemolíticas

Reação transfusional hemolítica aguda

  • Definição: reação transfusional hemolítica que ocorre durante a transfusão ou dentro de 24 horas após a transfusão
  • Etiologia:
    • Reação de hipersensibilidade tipo II → apresenta como alvo as hemácias transfundidas
    • A incompatibilidade do grupo sanguíneo ABO causa hemólise intravascular.
    • Os anticorpos do próprio hospedeiro (imunoglobulina G (IgG)) detetam e ligam-se a antigénios nas hemácias do dador, causando hemólise extravascular.
  • Sinais e sintomas:
    • Início durante a transfusão ou até 1 hora após
    • Taquicardia
    • Taquipneia
    • Hipotensão
    • Dor no flanco
    • Sintomas de coagulação intravascular disseminada (ou seja, hemorragia das mucosas, hemorragia do local de punção)
    • Hemoglobinúria devido à hemólise intravascular
    • Icterícia devido à hemólise extravascular (escleras e pele com tom amarelado)
    • Febre e arrepios
  • Tratamento:
    • Interrupção imediata da transfusão
    • Repetição da tipagem e prova cruzada (crossmatch) para identificação e registo da causa de forma a prevenir reações futuras.
    • Cuidados de suporte:
      • Fluidoterapia EV para ajudar na diurese
      • Hipotensão controlada com fluidos EV e vasopressores
      • No caso de coagulação intravascular disseminada (CID): realizar estudos da coagulação e administrar plasma fresco congelado (PFC) e plaquetas.
  • Complicações:
    • A hemoglobinúria pode provocar necrose tubular renal e insuficiência renal.
    • CID: a hemólise grave pode provocar a acumulação de citocinas no sangue → hipercoagulação → microtrombos e hemorragia → compromisso da perfusão de órgãos e necrose tecidual → falência orgânica multissistémica
Sintomas de reação hemolítica

Sinais e sintomas de reações transfusionais hemolíticas agudas

Imagem: “Main symptoms of acute hemolytic reaction” por Mikael Häggström. Licença: Public Domain, edição por Lecturio.

Reação transfusional hemolítica tardia

  • Definição: reação transfusional hemolítica que ocorre mais de 24 horas após a transfusão
  • Etiologia:
    • Ocorre em pacientes sensibilizados para antigénios eritrocitários específicos (transfusões prévias, gravidez ou transplantes)
    • A reexposição estimula a produção rápida de anticorpos, causando hemólise extravascular.
  • Sinais e sintomas:
    • Pode começar dias ou semanas após a transfusão
    • Febre e arrepios
    • Icterícia
    • Anemia
    • Hemoglobinúria
  • Tratamento:
    • Não requer tratamento a não ser que haja evidência de hemólise rápida:
      • Tratamento de suporte através do tratamento sintomático
      • Hidratação num cenário de hemólise rápida para proteger os rins
    • Devem ser realizados testes serológicos para evitar reações futuras.

Reação Não Hemolítica

Reação transfusional febril não hemolítica (RTFNH)

  • Definição: febre de 38ºC e/ou arrepios/calafrios a partir do fim da transfusão até 4 horas após a transfusão
  • Etiologia:
    • Reação de hipersensibilidade tipo II onde os anticorpos do hospedeiro apresentam como alvo os leucócitos do dador
    • A acumulação de citocinas (IL-1, IL-6, IL-8 e fator de necrose tumoral (TNF, pela sigla em inglês)) no sangue do dador durante o armazenamento produz uma reação imune no recetor.
  • Sinais e sintomas:
    • Início em 1 a 4 horas após a transfusão
    • Febre e arrepios
    • Cefaleia
    • Rubor (flushing)
    • Mal-estar geral
  • Tratamento:
    • Interrupção da transfusão
    • Hemograma para exclusão de reação hemolítica aguda (anemia, hiperbilirrubinemia, trombocitopenia)
    • Paracetamol para controlo da febre
    • Prevenção através da leucorredução de hemoderivados

Reações Alérgicas

  • Definição: reação de hipersensibilidade tipo 1 caracterizada por urticária e prurido em resposta à transfusão de um produto hemoderivado
  • Etiologia:
    • Reação de hipersensibilidade tipo I contra proteínas plasmáticas no sangue de dador
    • No caso de défice de IgA: os anticorpos IgG anti-IgA do recetor detetam a IgA na superfície das hemácias do sangue do dador, desencadeando uma libertação em massa de citocinas → anafilaxia
  • Sinais e sintomas:
    • Início durante a transfusão ou até 2 horas após
    • Reações alérgicas minor: urticária ou prurido
    • Reação potencialmente fatal (anafilaxia):
      • Hipotensão
      • Broncoespasmo, sibilos ou estridor
      • Náuseas e/ou vómitos
      • Choque
      • Paragem cardíaca e/ou respiratória
  • Tratamento:
    • Reações alérgicas minor: anti-histamínicos (e.g., difenidramina)
    • Anafilaxia:
      • Adrenalina
      • Estabilização hemodinâmica
      • Estabilização da via aérea

Outros Tipos de Reações Transfusionais

Lesão pulmonar aguda associada à transfusão (TRALI, pela sigla em inglês)

  • Etiologia:
    • Mecanismo de dois golpes (“two-hit”)
      • Antes da transfusão, condições pré-existentes (por exemplo, lesão endotelial) leva a sequestro de células endoteliais e a preparação de neutrófilos
      • Fatores já existentes no sangue transfundido (por exemplo, os anticorpos contra os antigénios do recetor ou lípidos bioativos) ativam os neutrófilos → libertação de citocinas, espécies reativas de oxigénio e enzimas proteolíticas que danificam o endotélio vascular
    • Causa edema pulmonar inflamatório (não-cardiogénico)
    • Pode levar a hipoxemia aguda
  • Sinais e sintomas:
    • Início durante a transfusão ou até 6 horas após
    • Desconforto respiratório ou dispneia
    • Hipotonia
    • Febre
    • Hipotensão (hipovolemia pela acumulação de fluido nos pulmões)
    • A radiografia revela infiltrados bilaterais sugestivos de edema pulmonar.
    • Se intubado, pode ver-se expectoração rosa e espumosa no tubo endotraqueal.
  • Tratamento:
    • Interrupção da transfusão
    • Tratamento de suporte
      • Ventilação assistida ou administração de oxigénio
      • Monitorização e ajuste dos parâmetros hemodinâmicos
      • Corticosteroides EV para ajudar na inflamação (controverso)
Radiografia de tórax de lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão

Radiografia de tórax de TRALI que revela infiltrados difusos bilaterais (esquerda); radiografia de tórax do mesmo indivíduo após o tratamento (direita)

Imagem: “Two chest X-rays” por Altaf Gauhar Haji et al. Licença: CC BY 2.0, edição por Lecturio.

Doença do enxerto contra o hospedeiro (GvHD, pela sigla em inglês)

  • Etiologia:
    • Reação transfusional tardia
    • Os linfócitos T do dador apresentam como alvo os antigénios leucocitários humanos (HLA, pela sigla em inglês), expressos nos tecidos do recetor → reação inflamatória sistémica.
    • Órgãos mais frequentemente atingidos: medula óssea, pele, intestinos e fígado
    • Fatores de risco para desenvolver GvHD:
      • Doentes imunocomprometidos
      • Correspondência parcial dos HLA entre o dador e o recetor
    • Pode apresentar-se de forma aguda (< 100 dias após a transfusão/transplante) ou crónica (> 100 dias após a transfusão/transplante)
  • Sinais e sintomas:
    • Reação aguda
      • Início em 4-30 dias após a transfusão/transplante
      • Erupção maculopapular pruriginosa e dolorosa
      • Náuseas e/ou vómitos
      • Diarreia e cólicas abdominais
      • Icterícia
    • Reação crónica
      • Início em > 100 dias após a transfusão/transplante
      • Podem ocorrer todos os sintomas acima descritos (reação aguda).
      • Alterações cutâneas semelhantes à esclerodermia (alterações cutâneas liquenóides)
      • Xerostomia (boca seca) e xeroftalmia (olhos secos)
      • Diarreia sanguinolenta (enterite crónica semelhante à doença inflamatória intestinal (DII))
      • Perda de peso
      • Dores musculares e astenia
      • Bronquiolite obliterante (tosse crónica/persistente, sibilos e dispneia)
  • Diagnóstico:
    • O hemograma revela anemia, trombocitopenia e/ou leucopenia (reação aguda).
    • A espirometria pode revelar doença pulmonar obstrutiva (reação crónica).
    • Biópsia do tecido transplantado, lesão cutânea ou hepática para confirmação do diagnóstico
  • Tratamento:
    • 1.ª linha: corticosteroides
      • Tópicos se < 50% de envolvimento cutâneo
      • Sistémicos se > 50% de envolvimento cutâneo, gastrointestinal (GI), hepático
    • 2.ª linha: aumento da dose de corticosteroides + imunossupressor (e.g., ciclosporina)
    • O único tratamento curativo é o transplante de medula óssea.

Sobrecarga circulatória associada à transfusão (TACO, pela sigla em inglês)

  • Etiologia:
    • Volume de transfusão extenso
    • Taxa de infusão rápida
    • Doença renal ou cardiovascular subjacente
    • Baixo peso
    • Pacientes crianças ou idosos
  • Sinais e sintomas:
    • Início durante a transfusão ou até 6 horas após
    • Sinais de hipervolemia
      • Galope S3
      • Dispneia
      • Distensão venosa jugular
      • Hipertensão súbita
      • Taquicardia
      • Aumento da pressão de pulso
      • Tosse e/ou dispneia
    • A radiografia revela infiltrados bilaterais sugestivos de edema pulmonar.
  • Tratamento:
    • Diuréticos (único método para compensar o aumento de volume sanguíneo)
    • Suplementação com oxigénio ou ventilação assistida, se necessário

Referências

  1. Davenport RD. Pathophysiology of hemolytic transfusion reactions. Semin Hematol. 2005 Jul https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0037196305000594?via%3Dihub 
  2. Strobel E. Hemolytic Transfusion Reactions. Transfus Med Hemother. 2008;35(5):346-353. doi: 10.1159/000154811. Epub 2008 Sep 18. https://www.karger.com/Article/Abstract/154811 
  3. Popovsky MA, Moore SB. Diagnostic and pathogenetic considerations in transfusion-related acute lung injury. Transfusion. 1985 Nov-Dec https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1046/j.1537-2995.1985.25686071434.x?sid=nlm%3Apubmed 
  4. Vargas-Díez E, García-Díez A, Marín A, Fernández-Herrera J. Life-threatening graft-vs-host disease. Clin Dermatol. 2005 May-Jun https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0738081X04001038?via%3Dihub 
  5. Kopolovic I, Ostro J, Tsubota H, Lin Y, Cserti-Gazdewich CM, Messner HA, Keir AK, DenHollander N, Dzik WS, Callum J. A systematic review of transfusion-associated graft-versus-host disease. Blood. 2015 Jul 16 https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25931584/ 
  6. Schroeder ML. Transfusion-associated graft-versus-host disease. Br J Haematol. 2002 May https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1046/j.1365-2141.2002.03450.x?sid=nlm%3Apubmed 

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