Reação de Hipersensibilidade Tipo IV

A reação de hipersensibilidade tipo IV, ou hipersensibilidade tardia, é uma resposta mediada por células à exposição a antigénios. A reação envolve linfócitos T, e não anticorpos, e desenvolve-se ao longo de vários dias. Os linfócitos T previamente sensibilizados iniciam a defesa imunitária, conduzindo a danos teciduais. É ativado um processo mediado por citocinas por linfócitos T auxiliares, enquanto os linfócitos T citotóxicos libertam citotoxinas diretamente nas células infetadas ou disfuncionais, levando a lise celular. As manifestações clínicas decorrem do sistema envolvido, pelo que os testes de diagnóstico dependem da história clínica e dos achados ao exame objetivo. O tratamento inclui o controlo da resposta imunológica com glucocorticoides e terapêutica imunossupressora, com a gestão concomitante das complicações associadas à doença.

Última atualização: Jan 5, 2025

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

  • Reação de hipersensibilidade
    • Uma resposta imunológica exagerada dirigida a agentes patogénicos ambientais que deviam ser tratados como inofensivos
    • Os tipos I, II e III representam reações imediatas que ocorrem em 24 horas.
    • A reação de tipo IV desenvolve-se ao longo de vários dias.
  • Reação de hipersensibilidade tipo IV
    • Reação de hipersensibilidade mediada por células
    • Ao contrário das outras reações de hipersensibilidade, que são mediadas por anticorpos (Abs, pela sigla em inglês), o tipo IV envolve linfócitos T efetores específicos para determinados antigénios.
    • Não ocorre até 24–72 horas após a exposição num indivíduo sensibilizado (portanto, hipersensibilidade tardia)
    • O atraso deve-se ao tempo necessário para a diferenciação dos linfócitos T, a secreção de citocinas e quimiocinas e a acumulação de leucócitos no local.

Fisiopatologia

Função do linfócito T

  • As reações de hipersensibilidade tipo IV não envolvem anticorpos.
  • Em vez disso, estão envolvidos linfócitos T. Tipos principais:
    • Linfócitos T auxiliares (Th, pela sigla em inglês)
      • Linfócitos T/Th CD4+
      • Modulam a resposta imunológica através da secreção de citocinas que ativam os linfócitos B, outros linfócitos T e fagócitos
    • Linfócitos T citotóxicos
      • Linfócitos T/T citotóxicos (Tc) CD8+
      • Matam as células diretamente ou utilizam citocinas numa resposta imunológica

Patogénese

Fase de sensibilização

  • Captação, processamento e apresentação do antigénio (Ag)
  • Células dendríticas/macrófagos (células apresentadoras de antigénios [APCs, pela sigla em inglês]) reconhecem o Ag → apresentam-no aos linfócitos Th e os linfócitos T tornam-se “primed”, do inglês

Fase da efetuação

  • Mediada por citocinas
    • O Ag (na superfície das APCs) é reconhecido pelos linfócitos Th “primed” → as APCs produzem interleucina (IL-12), o que induz a diferenciação para linfócitos Th1
    • Os linfócitos Th1 produzem
      • IL-2: aumenta a produção de linfócitos Th1 de linfócitos T
      • Interferão-gama (IFNγ, pela sigla em inglês): recruta macrófagos
      • Fator de necrose tumoral (TNF, pela sigla em inglês): aumenta a permeabilidade vascular e recruta mais leucócitos
    • Libertação de mediadores inflamatórios → dano celular, depois lesão tecidual
    • Estimulação persistente por antigénios → formação de granulomas
      • Uma vez que o Ag não pôde ser fagocitado, o sistema imunitário tenta “vedar” a área.
      • Os macrófagos tornam-se alongados (epitélioides) e podem fundir-se (célula gigante de Langhans).
      • Mais linfócitos são recrutados, com os fibroblastos a formar uma “walled off-ball formation”, do inglês.
  • Citotoxicidade celular direta: linfócitos T CD8+/T citotóxicos libertam citotoxinas → morte das células alvo → lesão tecidular

Apresentação clínica

Dermatite de contacto alérgica

  • Etiologia: hera venenosa (antigénio: uroshiol), níquel, perfume, sabão, látex
  • Pico de reação em 48-72 horas
  • Erupção pruriginosa, pode ser papular e/ou vesicular
  • Pode espalhar-se para outras partes do corpo através da transferência de antigénios pelo toque

Tuberculina

  • Injeção intradérmica de tuberculina, um derivado proteico purificado (PPD, pela sigla em inglês) do bacilo da tuberculose
  • Reação localizada tipo IV no local da inoculação em 24–72 horas
  • Visto grosseiramente como um nódulo firme e edemaciado
  • A reação é geralmente mínima e de curta duração

Doenças granulomatosas

  • O tempo máximo de reação é de 21–28 dias
  • Exemplos:
    • Infeções originam uma presença persistente de Ag
      • Tuberculose (Mycobacterium tuberculosis): sintomas pulmonares (pode ter manifestações extratorácicas)
      • Lepra/doença de Hansen (M. leprae): lesões cutâneas crónicas e perda sensorial
    • Sarcoidose
      • Agente etiológico pouco claro, provável infeção ou ambiente
      • Sintomas pulmonares (também tem manifestações extratorácicas)
    • Doença de Crohn (colite granulomatosa)
      • Dor abdominal, diarreia com ou sem hemorragia e perda ponderal
      • Pode levar a fístulas e a abcessos intestinais

Miocardite autoimune

  • Doença inflamatória do músculo cardíaco
  • Decorre maioritariamente de infeção viral cardiotrópica, especialmente com o vírus de Coxsackie B3
  • Apresentação clínica: infeção respiratória superior recente, mialgias, insuficiência cardíaca

Diabetes mellitus tipo I

  • Os linfócitos T medeiam a destruição das células beta nas ilhotas pancreáticas/ilhotas de Langerhans
  • Apresentação clínica: perda ponderal, poliúria, polidipsia, polifagia, infeções frequentes
  • Cetoacidose diabética:
    • Complicação potencialmente fatal
    • Pode ser a primeira apresentação da doença nalguns pacientes

Hipersensibilidade a medicamentos

  • Apresentação tardia, normalmente 48-72 horas após a exposição ao medicamento
  • A reação de hipersensibilidade medicamentosa tardia mais perigosa:
    • Síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica (SJS/TEN, pela sigla em inglês):
      • Dermatite bolhosa grave, febre; sinal de Nikolsky
      • Potencialmente fatal
      • Medicamentos comuns: alopurinol, antiepiléticos, sulfonamidas (antibióticos)
    • Exantema medicamentoso com eosinofilia e sintomas sistémicos/síndrome de hipersensibilidade induzida por medicamentos (DRESS/DiHS, pela sigla em inglês):
      • Erupção cutânea, febre e falência de múltiplos órgãos
      • Fígado: órgão mais comummente envolvido
      • Com origem em vários medicamentos antiepiléticos

Síndrome de Guillain-Barré

  • Pós-infeção (muitas vezes por Campylobacter jejuni ou doença viral)
  • Uma doença respiratória superior ou gastrointestinal precede o início dos sintomas em 3–4 semanas.
  • Reações imunológicas dirigidas contra a cápsula de C. jejuni:
    • Reação cruzada com o gangliosídio na mielina (mimetismo molecular) → dano neuronal
  • Polineuropatia inflamatória desmielinizante aguda (AIDP, pela sigla em inglês):
    • Apresentação clínica mais comum
    • Parésia simétrica inicial das extremidades que se desenvolve numa paralisia ascendente
  • Em 25% dos pacientes, parésia dos músculos respiratórios → insuficiência respiratória
Doença Antigénio alvo Efeitos
Dermatite de contacto alérgica Produtos químicos ambientais, como o urushiol (da hera venenosa e do carvalho venenoso), metais (por exemplo, níquel), medicação tópica Necrose epidérmica, inflamação, exantema e flitenas
Miocardite autoimune Proteína da miosina de cadeia pesada Cardiomiopatia
Diabetes mellitus tipo I Proteínas das células beta pancreáticas (possivelmente insulina, glutamato descarboxilase) Insulite, destruição de células beta
Granulomas Vários, dependendo da doença subjacente Lesão “walled-off” com macrófagos e outras células
Algumas neuropatias periféricas Antigénio celular de Schwann Neurite, paralisia
Tireoidite de Hashimoto Antigénio da tiroglobulina Hipotiroidismo, bócio duro, timite folicular
Doenças inflamatórias intestinais Microbiota entérica e/ou autoantigénios Hiperativação dos linfócitos T, libertação de citocinas, recrutamento de macrófagos e de outras células do sistema imunitário, inflamação
Esclerose múltipla Antigénios da mielina (por exemplo, proteína básica de mielina) Destruição da mielina, inflamação
Artrite reumatóide Possivelmente colagénio e/ou proteínas citrulinadas do próprio organismo Artrite crónica, inflamação, destruição da cartilagem articular e do osso
Reação da tuberculina (teste de Mantoux) Tuberculina A induração e o eritema ao redor do local de injeção indicam exposição anterior
A case of steven-johnson syndrome after antibiotic use showing erythematous rash with flaccid blisters

Um caso de um indivíduo com síndrome de Steven-Johnson após utilização de antibiótico que mostra uma erupção cutânea eritematosa com flictenas flácidas

Imagem: “Erythematous rash with flaccid blisters affecting the trunk” por Neila Fathallah et al. Licença: CC BY 4.0

Diagnóstico e Tratamento

Dermatite de contato alérgica

  • Diagnóstico: Teste de contato (patch test, em inglês)
    • O alergénio é colocado num penso, que depois é aplicado na pele (costas ou braço)
    • Faz-se a leitura após 2 dias e no dia 4 ou 5
    • Resultado positivo: eritema, pápulas, vesículas
  • Tratamento:
    • Evitar alergénios
    • Anti-histamínicos, glucocorticoides tópicos/sistémicos, dependendo da gravidade
    • Inibidores da calcineurina (e.g., tacrolimus) como agentes poupadores de esteroides para casos crónicos

Tuberculose

  • Diagnóstico:
    • Teste de tuberculina positivo
    • Radiografia do tórax: infiltração focal no(s) lobo(s) superior(es)
    • Exame direto da expetoração com a coloração de Ziehl-Neelsen para bacilos ácido-álcool resistentes (BAAR) e cultura de micobactérias
    • Testes moleculares
  • Tratamento: isoniazida, rifampicina, etambutol, pirazinamida (regime terapêutico basal)

Lepra ou doença de Hansen

  • Diagnóstico:
    • Biópsia de pele, esfregaço de pele (pesquisa de BAAR)
    • Reação em cadeia da polimerase (PCR, pela sigla em inglês)
  • Tratamento:
    • Primeira linha: dapsona, rifampicina, clofazimina

Sarcoidose

  • Diagnóstico:
    • Teste de tuberculina negativo
    • Radiografia de tórax: inicialmente com adenopatia hilar bilateral, posteriormente com opacidades reticulares
    • Biópsia (transbrônquica ou pulmão/nódulo linfático): granuloma não caseoso
  • Tratamento:
    • Dependendo dos sintomas, o tratamento pode variar de observação atenta apenas (“esperoterapia”) até à utilização de esteroides e de terapêutica imunossupressora.

Doença de Crohn

  • Diagnóstico:
    • Avaliação do trânsito gastrointestinal com fluoroscopia e ingestão de bário: pode mostrar sinal do cordel/da corda (estenose do lúmen do intestino)
    • Ileocolonoscopia com biópsia: segmentos de intestino normal interrompidos por áreas extensas com doença; reto poupado
    • Patologia: ulcerações focais, com granulomas observados em 30%
  • Tratamento:
    • Doença moderada: glucocorticoides, aminossalicilatos
    • Doença moderada a grave:
      • Imunomoduladores (e.g., azatioprina, metotrexato, vedolizumab)
      • Inibidor do fator de necrose tumoral alfa (TNF alfa, pela sigla em inglês) (e.g., infliximab, adalimumab)
      • Inibidores da Janus kinase (JAK) (e.g., upadacitinib)
    • Cirurgia aquando perfuração intestinal, obstrução, fístula entérica refratária

Miocardite autoimune

  • Diagnóstico:
    • Suspeitar se existirem sinais de enfarte do miocárdio (alterações no eletrocardiograma [ECG], elevação de enzimas cardíacas), mas sem fatores de risco cardiovascular e com um angiograma coronário normal
    • Ecocardiograma: a disfunção sistólica é geralmente global
    • Ressonância magnética (RM) cardíaca: edema miocárdico (alta intensidade de sinal: necrose presente)
    • Biópsia endomiocárdica somente se os resultados mudarem o tratamento
  • Tratamento:
    • Tratar sequelas (insuficiência cardíaca, arritmia)

Diabetes mellitus tipo I

  • Diagnóstico: a avaliação analítica inclui hemoglobina A1c, painel metabólico
  • Tratamento: insulina

Hipersensibilidade a medicamentos

  • Diagnóstico:
    • Clínico; exame objetivo e antecedentes de exposição a medicamentos
    • O exantema medicamentoso com eosinofilia e sintomas sistémicos (DRESS, pela sigla em inglês) tem tipicamente um período mais longo entre a ingestão dos fármacos e o início dos sintomas
    • Biópsia de pele: dermatite de interface, alterações eczematosas (DRESS), necrose de queratinócitos, bolhas subepidérmicas (SJS)
  • Tratamento:
    • Evicção do medicamento agressor e cuidados de suporte
    • Glucocorticoides conforme necessário

Síndrome de Guillain-Barré

  • Diagnóstico:
    • Punção lombar: elevação do nível de proteínas no líquido cefalorraquidiano (proteinor­raquia)
    • Estudos electromiográficos e dos nervos: polineuropatia desmielinizante (diminuição da velocidade de condução nervosa nos nervos motores e sensoriais)
    • Provas de função respiratória: padrão restritivo
  • Tratamento:
    • Imunoglobulina intravenosa (IVIG, pela sigla em inglês), plasmaferese
    • Ventilação mecânica, se necessário

Referências

  1. Agrawal, A., & Singh, P. (2024). Immune complex-mediated diseases: Pathophysiology and management. Journal of Clinical Immunology, 44(2), 155-168.
  2. King, T., Flaherty, K., & Hollingsworth, H. (2024). Clinical manifestations and diagnosis of pulmonary sarcoidosis. UpToDate. Retrieved November 23, 2024, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-pulmonary-sarcoidosis
  3. Kumar, V., Abbas, A. K., & Aster, J. C. (2021). Robbins and Cotran Pathologic Basis of Disease (10th ed.). Elsevier.
  4. Pichler, W. J., Adkinson, N. F., & Feldweg, A. (2024). Drug hypersensitivity: Classification and clinical features. UpToDate. Retrieved November 23, 2024, from https://www.uptodate.com/contents/drug-hypersensitivity-classification-and-clinical-features
  5. Vaillant, A., Zulfiqar, H., & Ramphul, K. (2023). Delayed hypersensitivity reactions. StatPearls. Retrieved November 23, 2024, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK519023/
  6. Zeldin, R. K., & Schwartz, M. (2024). Immunology Made Ridiculously Simple. (4th ed.). MedMaster Inc.
  7. Ziegler, S. F., & Stoeckle, C. (2023). T cell biology and the pathogenesis of type IV hypersensitivity. Nature Reviews Immunology, 23(5), 321-334.
  8. Brod, B. A. (2023). Management of allergic contact dermatitis in adults. In J. Fowler & R. Corona (Eds.), UpToDate. Retrieved November 23, 2024, from https://www.uptodate.com/contents/management-of-allergic-contact-dermatitis-in-adults
  9. Cohen, S., & Reddy, V. (2024). Overview of the Janus kinase inhibitors for rheumatologic and other inflammatory disorders. In E. W. St Clair & S. M. Case (Eds.), UpToDate. Retrieved November 23, 2024, from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-the-janus-kinase-inhibitors-for-rheumatologic-and-other-inflammatory-disorders

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