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Mordeduras de Aranha

As mordeduras de aranha são uma causa rara de morbilidade e mortalidade. Quase todas as aranhas são venenosas, mas a maioria não tem a capacidade de penetrar na pele para o envenenamento. As aranhas reclusas castanhas e as viúvas negras são as causas mais comuns de reações sistémicas graves nos Estados Unidos. A aranha reclusa castanha contém um veneno necrotizante que pode levar a uma ferida dolorosa, bolhosa e necrótica, que se pode complicar com febre, mialgias, hemólise, crises epiléticas e insuficiência renal. As aranhas viúvas negras têm um veneno neurotóxico que pode causar cãibras e rigidez muscular (que muitas vezes se manifestam como dor abdominal grave), instabilidade dos sinais vitais, lacrimejo e sialorreia, ptose e dificuldade respiratória. O diagnóstico é clínico. O tratamento inclui os cuidados da ferida, o tratamento da dor, os cuidados de suporte para os sintomas sistémicos, antissoro para as mordeduras das viúvas negras e desbridamento tardio do tecido necrótico nas mordeduras de reclusas castanhas.

Última atualização: Jun 28, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Epidemiologia e Espécies

Epidemiologia

  • As mordeduras de aranha raramente são uma causa de morbilidade ou mortalidade graves.
  • < 3 mortes por ano nos Estados Unidos da América
  • Os sintomas graves e a morte são mais prováveis de ocorrer nas crianças.

Espécies clinicamente relevantes

Nos Estados Unidos, as mordeduras das seguintes espécies de aranha podem resultar em sintomas sistémicos graves:

Aranha reclusa castanha:

  • Encontrada no centro e sul dos Estados Unidos
  • Ocupa áreas secas e isoladas, incluindo:
    • Caves
    • Sótãos
    • Pilhas de madeira
    • Outras áreas escuras e não perturbadas
Aranha reclusa castanha

A aranha reclusa castanha Loxosceles reclusa, altamente venenosa:
Notar a marca característica em forma de violino visível no cefalotórax dorsal.

Imagem: “1125” de Margaret Parsons. Licença: Domínio Público

Aranha viúva negra:

  • Encontrada em todo o mundo, incluindo no sul e oeste dos Estados Unidos.
  • Prefere habitats ao ar livre (raramente encontrada em espaços interiores):
    • Pilhas de lenha
    • Garagens
    • Equipamento de jardinagem
    • Lixo
    • Mobiliário de exterior
Aranha viúva negra fémea

Uma aranha viúva negra fêmea, Latrodectus mactans, no processo de tecer a sua teia num ramo de árvore:
Notar a ampulheta vermelha característica localizada na sua superfície abdominal inferior, que pode variar em coloração desde o amarelado até tons de laranja e vermelho. O corpo da fêmea é brilhante, de cor negra.

Imagem: “20260”, de James Gathany. Licença: Domínio Público

Patofisiologia

Aranha reclusa castanha

  • Veneno necrotizante
  • Citotóxico e hemolítico
  • Componentes:
    • Esfingomielinase D ou fosfolipase D:
      • Destruição de eritrócitos (hemólise) mediada pelo complemento
      • Destruição tecidular/necrose
      • Falência renal
    • Toxinas inseticidas
    • Proteases → degradação de:
      • Colagénio
      • Fibronectina
      • Fibrinogénio
      • Elastina

Aranha viúva negra

  • Veneno neurotóxico
  • Afeta a transmissão neuromuscular e a função autonómica
  • A alfa-latrotoxina é a toxina primária:
    • Liga-se irreversivelmente a recetores nos neurónios pré-sináticos
    • Provoca um influxo de iões de cálcio
    • Resulta na libertação de:
      • Acetilcolina
      • Dopamina
      • Noradrenalina
      • Adrenalina
      • Glutamato

Apresentação Clínica

Aranha reclusa castanha

  • Loxoscelismo: manifestações locais e sistémicas de uma mordedura de aranha reclusa
  • Local da mordedura:
    • Eritema
    • Pode notar-se 2 pequenas feridas puntiformes.
    • O centro da mordedura fica mais pálido.
    • Bolha central com equimose circundante
    • A bolha enche-se de sangue e rebenta.
    • Ulceração (lesão necrótica de 1–2 cm) e formação de escara
  • Sintomas localizados:
    • Pode ser indolor inicialmente.
    • Desenvolve-se uma dor grave em toda a extremidade 30-60 minutos depois.
    • Prurido
  • Sintomas sistémicos:
    • Febre e calafrios
    • Náuseas e vómitos
    • Artralgias e mialgias
    • Exantema morbilliforme generalizado
    • Icterícia e colúria (pela hemólise)
  • Complicações:
    • Crise epilética
    • Hipotensão
    • Coagulação intravascular disseminada
    • Trombocitopenia
    • Hemólise
    • Rabdomiólise
    • Insuficiência renal

Aranha viúva negra

  • Latrodectismo: manifestações locais e sistémicas de uma mordedura de aranha viúva negra
  • Local da mordedura:
    • Podem observar-se 2 pequenas feridas puntiformes.
    • Eritema e edema em redor da mordedura
    • Desenvolve-se um clareamento central (aparência em alvo).
  • Sintomas locais:
    • Dor imediata, aguda e em picada
    • Ereção pilosa
    • Diaforese isolada
  • Sintomas sistémicos:
    • Sinais vitais (com os efeitos do veneno):
      • Hipertensão arterial
      • Taquicardia
      • Taquipneia
      • Hipertermia
    • Dor grave em cãibra e rigidez dos grandes grupos musculares:
      • Abdómen (mimetizando um abdómen agudo cirúrgico)
      • Dorso
      • Tórax anterior
      • Coxas
    • Cefaleias
    • Náuseas e vómitos
    • Sialorreia e lacrimejo
    • Ansiedade
    • Ptose
    • Edema facial e das extremidades
  • Complicações:
    • Dificuldade respiratória
    • Emergência hipertensiva
    • Rabdomiólise
    • Miocardite
    • Ileus

Diagnóstico

Diagnóstico

As mordeduras de aranha são um diagnóstico clínico.

  • Os doentes têm, muitas vezes, suspeitas falsas de mordedura de aranha, especialmente em regiões não endémicas.
  • É necessário testemunhar a mordedura e uma correta identificação da aranha para confirmação.
  • As infeções cutâneas por MRSA e outras doenças (por exemplo, vasculites) devem ser excluídas se os critérios acima não forem cumpridos.

Mnemónica

“NOT RECLUSE” pode ajudar a excluir o diagnóstico de uma mordedura de aranha reclusa castanha:

  • N: Lesões Numerosas não são típicas de uma mordedura de aranha.
  • O: Ocorrência (as mordeduras tendem a ocorrer quando se perturba uma aranha).
  • T: Timing (a maioria das mordeduras ocorre entre abril e outubro).
  • R: centro vermelho (“Red”) (as mordeduras de reclusas têm um centro pálido).
  • E: Lesões Elevadas não são típicas das mordeduras de aranha reclusa.
  • C: Lesões Crónicas são raras nas mordeduras de aranhas.
  • L: Lesões grandes são raras (a maior parte das lesões têm 2 cm ou são menores)
  • U: Ulceração demasiado precoce (se < 1 semana, considerar outras etiologias).
  • S: As lesões de mordedura com edema (“Swollen“) ocorrem geralmente apenas nos pés ou no rosto.
  • E: Não ocorrem lesões Exsudativas.

Tratamento

Medidas gerais

  • Limpeza da ferida
  • Elevação da extremidade afetada
  • Certificar que a imunização contra o tétano está atualizada.
  • Hospitalização e tratamento das manifestações sistémicas.

Medidas adicionais para as picadas da aranha reclusa castanha

  • Compressas frias:
    • A esfingomielinase D é dependente da temperatura.
    • Atrasa o processo de necrose
  • Controlo da dor:
    • AINEs
    • Opioides
  • A excisão cirúrgica das regiões necróticas deve ser adiada até estarem totalmente demarcadas.

Medidas adicionais para as mordeduras da aranha viúva negra

  • Controlo da dor:
    • Opioides
    • Benzodiazepinas para relaxamento muscular
  • Antissoro para o veneno da aranha viúva negra

Diagnóstico Diferencial

  • Picada de inseto: picadas de abelha, vespa e formiga podem causar envenenamento com edema localizado. Alguns doentes irão desenvolver uma reação alérgica grave, incluindo anafilaxia. Geralmente não apresentam manifestações neurológicas ou necrose tecidual. O diagnóstico é clínico. O tratamento inclui a remoção do ferrão (se presente), anti-histamínicos, controlo da dor e cuidados de emergência para a anafilaxia.
  • Picada de escorpião: a maioria das picadas de escorpião são inofensivas; no entanto, o escorpião da casca é venenoso. Os doentes apresentam dor e tumefação no local da picada. As manifestações sistémicas podem incluir espasmos musculares, diaforese, movimentos anormais do pescoço e da cabeça, taquicardia, hipertensão e dificuldade respiratória. O diagnóstico é clínico. O tratamento inclui cuidados de suporte, controlo da dor, benzodiazepinas para os espasmos musculares e o antissoro.
  • Celulite: infeção bacteriana comum da pele que afeta as camadas mais profundas da derme e do tecido subcutâneo. É causada, habitualmente, pelo Staphylococcus aureus e pelo Streptococcus pyogenes. A celulite apresenta-se como uma área eritematosa, edematosa, quente e dolorosa ao toque. Geralmente não apresenta bolhas, necrose e toxicidade sistémica. O diagnóstico é clínico, e o tratamento envolve antibióticos dirigidos ao organismo suspeito.
  • Fasceíte necrotizante: infeção potencialmente fatal que causa uma rápida destruição e necrose da fáscia e dos tecidos subcutâneos. Os doentes podem ter dor significativa e eritema rapidamente progressivo da área afetada. Também podem apresentar febre, hipotensão, alteração do estado mental e falência de multiorgânica. O diagnóstico é principalmente clínico. Esta infeção é uma emergência cirúrgica e requer desbridamento cirúrgico emergente, antibioterapia parentérica e monitorização hemodinâmica apertada.
  • Antrax: infeção causada pelo Bacillus anthracis. A infeção cutânea apresenta-se como uma pápula indolor e pruriginosa que aumenta para formar uma úlcera com uma escara preta. São comuns os sintomas sistémicos como a febre, adenopatia, mialgias e náuseas. Não são observadas complicações hematológicas, neurológicas ou renais. O diagnóstico requer a identificação do organismo em cultura, teste direto de anticorpos fluorescentes, ou PCR. Os antibióticos são usados como tratamento.
  • Isquemia mesentérica: interrupção do fluxo sanguíneo através das artérias mesentéricas resultando em isquemia do intestino. Os doentes apresentam-se com dores abdominais desproporcionais ao exame clínico. Um enfarte intestinal resulta em peritonite, hematoquézias e choque. O doente não apresenta lesões cutâneas. A tomografia computadorizada com angiografia é a modalidade diagnóstica de escolha. A abordagem é frequentemente cirúrgica e centra-se no restabelecimento do fluxo sanguíneo para os intestinos.
  • Hipocalcémia: baixa concentração plasmática de cálcio que pode dever-se a hipoparatiroidismo, deficiência de vitamina D, ou doença renal. Os doentes com hipocalcémia grave podem apresentar parestesias, cãibras musculares, tetania, hiperreflexia e convulsões. A lesão cutânea e os restantes sintomas sistémicos de uma mordedura de aranha viúva negra não serão observados. Os reduzidos níveis séricos de cálcio fornecem o diagnóstico, e o tratamento requer suplementação de cálcio e a correção da etiologia subjacente.

Referências

  1. Centers for Disease Control and Prevention. Venomous spiders. National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH). Reviewed May 31, 2018. https://www.cdc.gov/niosh/topics/spiders/
  2. Bush, S.P., Cohen, J.P., Green, S. (2020). Widow spider envenomation. In Alcock, J. (Ed.). Medscape. Retrieved March 24, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/772196-overview
  3. Arnold, T.C. (2018). Brown recluse spider envenomation. In Alcock, J. (Ed.). Medscape. Retrieved March 24, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/772295-overview
  4. Anoka, I.A., Robb, E.L., Baker, M.B. (2020). Brown recluse spider toxicity. StatPearls. Retrieved March 24, 2021, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK537045/
  5. Williams, M., Anderson, J., Nappe, T. (2020). Black widow spider toxicity. StatPearls. Retrieved March 24, 2021, from https://www.statpearls.com/ArticleLibrary/viewarticle/29298
  6. Barish, R.A., Arnold, T. (2020). Spider bites. MSD Manual Professional Version. Retrieved March 24, 2021, from https://www.msdmanuals.com/professional/injuries-poisoning/bites-and-stings/spider-bites

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