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Obstrução do Intestino Delgado

A obstrução do intestino delgado (OID) corresponde à interrupção da passagem do conteúdo intraluminal através do intestino delgado, e é classificada como mecânica (devido à obstrução física) ou funcional (devido à disfunção da motilidade normal). Nos países ocidentais, a causa mais frequente de OID são as aderências pós-cirúrgicas. Habitualmente, a obstrução do intestino delgado manifesta-se com náuseas, vómitos, dor abdominal, distensão e obstipação. O diagnóstico é estabelecido através de exames de imagem. Até 80% dos casos resolvem com tratamento de suporte (repouso intestinal, hidratação intravenosa (IV) e descompressão nasogástrica). No entanto, nos casos persistentes ou complicados, é necessário cirurgia.

Última atualização: Jan 18, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

A obstrução do intestino delgado (OID) corresponde à interrupção da passagem do conteúdo intraluminal através do intestino delgado (duodeno, jejuno ou íleo).

Epidemiologia

  • A idade média de início é de 64 anos.
  • A incidência é semelhante em homens e mulheres
  • É responsável por 2%–4% das idas ao Serviço de Urgência nos Estados Unidos
  • Corresponde a 80% das obstruções intestinais mecânicas

Etiologia

  • Mecânica:
    • Aderências (pós-cirúrgicas):
      • É a causa mais frequente nos países ocidentais
      • Cirurgia aberta: aumenta em 4 vezes o risco de OID dentro de 5 anos
    • Neoplasias
    • Hérnias
    • Doença de Crohn (estenoses ou aderências inflamatórias)
    • Litíase biliar (íleo biliar)
    • Volvo
    • Invaginação intestinal
    • Ingestão de corpo estranho
  • Funcional (também conhecida como íleo paralítico ou adinâmico):
    • Cirurgia
    • Peritonite
    • Trauma
    • Isquemia intestinal
    • Medicamentos (opioides, bloqueadores dos canais de cálcio, diuréticos)
    • Desequilíbrio eletrolítico

Mnemónicas

  • As 3 causas mais comuns de OID: ABC
    • AdhesionsAderências
    • Bulge — Protuberância (hérnias)
    • Cancer — Neoplasia
  • Causas de OID: SHAVING
    • StrictureRestrição mecânica
    • Hernia — Hérnia
    • Adhesions — Aderências
    • Volvulus — Volvo
    • Intussusception/Inflammatory bowel disease — Invaginação intestinal/ doença inflamatória intestinal
    • Neoplasma — Neoplasia
    • Gallstones — Litíase biliar
  • Causas de íleo paralítico ou adinâmico (5 Ps):
    • Postoperative — Pós-operatório
    • Peritonitis, pancreatitis — Peritonite, pancreatite
    • Potassium (low), Parkinson’s medication, painkillers — Potássio (baixo), medicamentos anti-Parkinsónicos, analgésicos
    • Pelvic and spinal fracturesFraturas pélvicas e da coluna vertebral
    • Parturition — Parto

Fisiopatologia

Classificação

  • Por etiologia:
    • Mecânica: resulta da compressão intrínseca (neoplasias) ou extrínseca (aderências, hérnias)
    • Funcional (íleo paralítico):
      • Resultada do compromisso da motilidade
      • Pode ser limitado ao intestino delgado ou afetar também o cólon
  • Por grau de obstrução:
    • Completo: ausência da passagem de conteúdo luminal para além do local da obstrução
    • Parcial: Ocorre a passagem de algum conteúdo intestinal.
    • Ansa fechada:
      • O segmento do intestino é obstruído proximal e distalmente.
      • Observado no volvo
      • Os gases e fluidos não conseguem sair → ↑ pressão intraluminal, ↑ risco de estrangulamento
      • Podem ocorrer, de forma rápida, isquemia, necrose e perfuração.
  • Por complicação associada:
    • Simples: obstrução sem isquemia
    • Complicada: a circulação está comprometida, associando-se a isquemia, enfarte e/ou perfuração.

Fisiopatologia

  • Fase inicial:
    • A obstrução intrínseca ou a compressão extrínseca causam interrupção da passagem do conteúdo intestinal, levando a:
      • Acumulação do ar deglutido e do gás que resulta da fermentação bacteriana
      • Distensão intestinal progressiva (proximal ao local da obstrução) levando à redução da motilidade intestinal
      • Sequestro de fluido no lúmen intestinal
      • Perda da absorção intestinal normal
    • Os vómitos causam perda de fluidos e eletrólitos (Na, K, H, Cl) → seguida de hipovolemia e alcalose metabólica
  • Fase avançada:
    • Alterações na flora luminal → as bactérias decompõem o conteúdo estagnado, resultando num fluido fecaloide.
    • Edema persistente da parede intestinal → isquemia intestinal por compressão de vasos intramurais
    • Com isquemia → acumulação de ácido lático → acidose metabólica
    • O intestino em isquemia pode levar à translocação bacteriana, necrose e perfuração intestinal.
Hérnia inguinal estrangulada

Obstrução em ansa fechada causada por uma aderência de omento, onde é possível visualizar o intestino gangrenoso

Imagem: “Intra-operative photograph” do Departamento de Cirurgia, Hinchingbrooke Hospital, Hinchingbrooke Healthcare NHS Trust, Huntingdon, Cambridgeshire, Reino Unido. Licença: CC BY 2.0.

Apresentação Clínica

Sintomas

  • Obstrução aguda:
    • Dor abdominal:
      • Início súbito (na maioria das vezes difusa)
      • Frequentemente intermitente (em cólica)
      • Pode ser aliviada temporariamente pelo vómito
    • A dor intensa e constante pode indicar isquemia ou perfuração
    • Náuseas e vómitos biliares
    • Obstipação (incapacidade na passagem de gases ou fezes)
  • Obstrução crónica:
    • Os sintomas são, normalmente, mais ligeiros.
    • Cólica/desconforto abdominal pós-prandial
    • Náuseas/vómitos intermitentes
  • Obstrução em ansa fechada:
    • Dor abdominal intensa
    • A distensão abdominal pode ser mínima.
    • Pode não apresentar náuseas ou vómitos

Exame objetivo

  • Sinais de desidratação (característica principal da OID):
    • Taquicardia
    • Hipotensão (ortostática)
    • Débito urinário reduzido
  • Exame abdominal:
    • Inspeção: distensão abdominal
    • Auscultação:
      • Sons intestinais agudos (OID precoce)
      • Sons intestinais diminuídos/ausentes (OID tardia ou funcional)
    • Percussão: timpanismo ou hiper-ressonância; macicez se existir líquido abundante
    • Palpação:
      • Procurar a presença de hérnias e massas.
      • A dor à mínima palpação é indicativa de possível peritonite (sugere a presença de complicações como isquemia ou perfuração).
  • Toque retal:
    • Para excluir impactação fecal como a causa dos sintomas
    • A presença de sangue levantaria a suspeita de uma neoplasia.

Diagnóstico

História Clínica

  • Fatores de risco para aderências:
    • Cirurgias abdominais prévias (mais importante): ↑ risco de aderências
    • Condições inflamatórias (doença de Crohn, diverticulite)
    • Exposição a radiação
  • Outros fatores de risco para a OID mecânica:
    • História de hérnias
    • Ingestão de corpo estranho
    • Antecedentes de neoplasia
  • Fatores de risco para OID funcional:
    • Fármacos
    • Doença sistémica aguda ou crónica (por exemplo, pneumonia)
    • Trauma abdominal
Adesão pós-cirúrgica sbo

A causa mais comum de obstrução intestinal são as aderências que se podem desenvolver no pós-operatório.

Imagem de Kevin Pei, PD.

Estudos laboratoriais

  • Anomalias eletrolíticas (frequentemente observadas na obstrução com início agudo):
    • Hiponatrémia
    • Hipocaliemia
    • Nitrogénio ureico no sangue (BUN, pela sigla em inglês)/creatinina, elevados
    • Hipocloremia
    • Alcalose metabólica causada pelos vómitos (níveis elevados de bicarbonato)
    • Acidose metabólica em fases avançadas
  • Hemograma completo:
    • Hemoconcentração
    • Leucocitose:
      • Pode ser reativa
      • Pode indicar a presença de complicações
    • Anemia: segundo a etiologia associada (Crohn, neoplasia)
  • Outros:
    • Lactatos: Os níveis elevados são sensíveis para isquemia intestinal.
    • Hemoculturas: no contexto de bacteremia

Imagiologia

  • Raio-X (primeiro exame a ser solicitado):
    • A radiografia abdominal é realizada nas posições de decúbito dorsal e ereta, ou em decúbito lateral
    • Realizada com radiografia do tórax em pé
    • Achados:
      • Dilatação proximal do intestino delgado > 3 cm
      • Níveis hidroaéreos (com ansas de intestino delgado empilhadas) nas imagens verticais (sinal da escada)
      • Ausência de ar no cólon
      • Ausência de ar no abdómen (se todas as ansas do intestino delgado estiverem preenchidas com líquido)
      • Íleo paralítico: pode mostrar uma dilatação difusa do intestino delgado e do cólon
      • Ar livre em caso de perfuração (sob o diafragma)
  • Tomografia computorizada (TC):
    • É recomendado o uso de contraste intravenoso (IV) (para sinais de inflamação, isquemia)
    • Caso exista suspeita de obstrução completa ou de elevado grau, o uso de contraste oral não é necessário.
    • Ajuda a identificar:
      • Local da obstrução
      • Etiologia (por exemplo, hérnia, volvo, neoplasia)
      • Gravidade (deve excluir compromisso intestinal)
    • Achados compatíveis com OID:
      • Zona de transição com dilatação do intestino proximal e intestino distal descomprimido
      • Contraste intraluminal que não ultrapassa a zona de transição
      • O cólon apresenta pouco ar ou fluidos.
    • Achados da obstrução em ansa fechada:
      • Ansa intestinal dilatada em forma de U ou C
      • Os vasos mesentéricos convergem para um ponto de torção
      • Colapso de 2 ansas intestinais adjacentes à obstrução
    • Pneumoperitoneu (indicativo de perfuração):
      • Ar livre sobre o baço ou fígado
      • Ar livre adjacente ao duodeno (retroperitoneu)
      • “Sinal de futebol”: TC em posição supina
    • Achados compatíveis com estrangulamento/isquemia:
      • Parede intestinal espessa
      • Pneumatose intestinal (ar na parede intestinal)
      • Gás na veia porta
      • Opacidade ou edema mesentérico
      • O contraste IV apresenta má captação na parede intestinal afetada.
      • Ascite
  • Visualização do intestino delgado:
    • A gastrografina (contraste solúvel em água) é utilizada nos caso de perfuração.
    • Normalmente, em situações agudas é considerada inferior à TC, mas é útil na OID parcial
    • Não pode ser utilizada na isquemia intestinal ou gravidez
    • Utilizada como exame de diagnóstico:
      • Ajuda a decidir se a cirurgia é necessária
      • A radiografia é feita 24 horas após a administração: caso o contraste atinja o cólon, provavelmente a OID está a resolver sem cirurgia.
    • Utilizada como agente terapêutico na OID mecânica por aderências: A gastrografina hipertónica reduz o edema da parede intestinal, auxiliando o peristaltismo.
  • Ressonância magnética (RM): caso a TC seja contraindicada (crianças, mulheres grávidas)

Tratamento e Prognóstico

Tratamento médico

  • Tratamento necessário para o íleo paralítico (OID funcional)
  • 75%–80% das OID mecânicas por aderências resolvem apenas com tratamento médico:
    • Hidratação IV
    • Correção de anomalias eletrolíticas
    • Repouso intestinal e pausa alimentar (estado NPO — “nil per os“)
    • Descompressão nasogástrica:
      • Para os vómitos e distensão abdominal
      • Melhora o conforto do doente
      • Pode ajudar a melhorar/prevenir o aparecimento de dilatações intestinais no futuro
  • Antibióticos:
    • Não são necessários na OID não complicada
    • Administrados se comprometimento intestinal, e como profilaxia standard nos casos em que a cirurgia é antecipada
    • Administrados se a etiologia for infeciosa

Tratamento cirúrgico

  • Emergente:
    • Obstrução em ansa fechada
    • Isquemia/necrose intestinal
    • Perfuração
  • Causas com correção cirúrgica:
    • Neoplasia
    • Corpo estranho/litíase biliar
    • Hérnia
    • Invaginação intestinal/volvo
  • Por falha no tratamento médico:
    • Caso a OID não resolva, em média, dentro de 3-5 dias
    • A qualquer momento, caso o doente apresente deterioração clínica
  • Procedimentos (dependem das etiologias específicas):
    • Lise de aderências
    • Reparação de hérnia
    • Extração de cálculo biliar ou corpo estranho
    • Ressecção do intestino delgado:
      • Neoplasia
      • Isquemia intestinal
      • Perfuração
      • Doença de Crohn

Prognóstico

  • A taxa de mortalidade perioperatória para a OID sem estrangulamento é < 5%
  • A taxa de mortalidade perioperatória para a OID com estrangulamento ou complicada é superior
  • A probabilidade de recorrência aumenta a cada episódio de OID, até à realização da cirurgia.

Diagnóstico Diferencial

  • Síndrome do intestino irritável (SII): perturbação intestinal funcional na ausência de uma anomalia anatómica evidente. A síndrome do intestino irritável pode manifestar-se com dor abdominal e obstipação, mas o início súbito dos sintomas não corresponde a uma das suas características. Normalmente, os exames de imagem e o estudo laboratorial são normais.
  • Gastroenterite: doença aguda autolimitada causada, habitualmente, por um vírus. A gastroenterite pode também manifestar-se com dor abdominal em cólica, mas a apresentação típica associa-se a diarreia (aquosa ou sanguinolenta), sendo este um sintoma raro na OID aguda.
  • Doença ulcerosa péptica (DUP): ulceração da mucosa do estômago ou duodeno. A doença ulcerosa péptica manifesta-se com dor abdominal superior, náuseas e vómitos. Normalmente, esta patologia não está associada a distensão e obstipação. Habitualmente, o vómito não é biliar.
  • Apendicite: inflamação do apêndice. A apendicite numa fase inicial pode apresentar-se com dor em cólica difusa, mas a dor e a sensibilidade tendem, eventualmente, a localizarem-se no quadrante inferior direito. O diagnóstico é confirmado através de uma tomografia computadorizada.
  • Pancreatite: inflamação do pâncreas. A pancreatite manifesta-se com dor epigástrica, náuseas e vómitos. O estudo sérico mostra elevação da amilase/lipase. A tomografia computadorizada pode demonstrar inflamação pancreática.
  • Diverticulite: inflamação dos divertículos cólicos. A diverticulite apresenta-se com dor em cólica na região inferior do abdómen, muitas vezes associada a obstipação. Esta patologia também está, frequentemente, associada a febre e leucocitose. A tomografia computadorizada permite visualizar achados característicos.

Referências

  1. Bordeianou, L., & Yeh, D.D. (2019). Etiologies, clinical manifestations, and diagnosis of mechanical small bowel obstruction in adults. Retrieved 3 December 2020, from https://www.uptodate.com/contents/etiologies-clinical-manifestations-and-diagnosis-of-mechanical-small-bowel-obstruction-in-adults?search=bowel%20obstruction&source=search_result&selectedTitle=1~150&usage_type=default&display_rank=1
  2. Bordeianou, L., & Yeh, D.D. (2020). Management of small bowel obstruction in adults. Retrieved 4 December 2020, from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-mechanical-colorectal-obstruction?search=bowel%20obstruction&source=search_result&selectedTitle=3~150&usage_type=default&display_rank=3
  3. Kulaylat, M.N., Doerr, R.J., Holzheimer, R.G., & Mannick, J.A. (Eds.) (2001) Small bowel obstruction. Surgical Treatment: Evidence-based and Problem-oriented. Munich: Zuckschwerdt. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK6873/
  4. Shah, V., & Gaillard, F. (2020). Paralytic ileus (mnemonic). Retrieved 5 Dec 2020, from https://radiopaedia.org/articles/paralytic-ileus-mnemonic
  5. Tavakkoli, A., Ashley, S.W., & Zinner, M.J. (2019). Small intestine. In Brunicardi, F., Andersen, D.K., Billiar, T.R., Dunn, D.L., Kao, L.S., Hunter, J.G., Matthews, J.B., & Pollock, R.E. (Eds.), Schwartz’s Principles of Surgery, 11e. McGraw-Hill.

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