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Nitratos

Os nitratos são uma classe farmacológica que provoca vasodilatação sistémica (veias > artérias) através do relaxamento do músculo liso. Estes estão indicados principalmente no tratamento da angina, onde a venodilatação preferencial culmina na acumulação de sangue, diminuição da pré-carga e, por fim, diminuição da necessidade miocárdica de O2. Em altas doses, os nitratos podem diminuir a pós-carga e ser utilizados nas crises hipertensivas. Os principais efeitos adversos incluem cefaleia, hipotensão e taquicardia reflexa. A utilização repetida de nitratos leva a tolerância. Nas contraindicações inclui-se a terapêutica concomitante com inibidores da PDE5, cardiomiopatia hipertrófica e suspeita de enfarte do ventrículo direito.

Última atualização: Jul 9, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Estrutura Química e Farmacodinâmica

Estrutura química

  • Os nitratos são sais ou ésteres de ácido nítrico.
  • A nitroglicerina é o protótipo desta classe farmacológica.
Nitroglicerina estrutura química nitratos

Estrutura química da nitroglicerina

Imagem: “Skeletal formula of zwitterionic nitroglycerin” por BartVL71. Licença: Public Domain

Mecanismo de ação

Os nitratos administrados exogenamente são convertidos em NO após a entrada na célula:

  • O NO é convertido em S-nitrosotióis → estimula a guanilato ciclase
  • A guanilato ciclase converte a guanosina-5′-trifosfato celular (GTP, pela sigla em inglês) em 3′,5′-monofosfato de guanosina cíclico (cGMP, pela sigla em inglês) → relaxamento das células do músculo liso vascular:
    • Dilatação predominantemente venosa
    • Dilatação arterial secundária
Mecanismo de ação dos nitratos

Mecanismo de ação dos nitratos:
A estimulação da guanilato ciclase induz a conversão de guanosina-5′-trifosfato (GTP, pela sigla em inglês) em cGMP, provocando relaxamento do músculo liso vascular e vasodilatação.

GMP: monofosfato de guanosina

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Efeitos fisiológicos

  • Redução de pré-carga:
    • Mecanismo primário na ↓ da necessidade miocárdica de O2
    • Os nitratos cursam com relaxam do músculo liso vascular → venodilatação → ↓ pré-carga cardíaca:
      • ↓ Stress sobre a parede miocárdica
      • ↓ Necessidade miocárdica de O 2
      • ↓ Pressão arterial (PA)
      • Pode causar taquicardia reflexa pela ↓ PA
    • Melhoram indiretamente o fluxo sanguíneo subendocárdico:
      • ↓ Pressão diastólica final esquerda como resultado da venodilatação sistémica
      • ↑ Fluxo sanguíneo do epicárdio para o endocárdio
  • Redução da pós-carga:
    • Mecanismo secundário na ↓ da necessidade miocárdica de O 2
    • Doses mais altas têm efeitos “arterio-dilatadores”:
      • ↓ Pós-carga
      • ↓ Stress sobre a parede do miocárdio, pela diminuição da resistência vascular
      • ↓ Consumo de O 2
  • Efeitos dos nitratos em doses mais elevados:
    • Abertura do leito vascular do miocárdio:
      • Pelo relaxamento do músculo liso na artéria coronária
      • Primeiramente, há dilatação das grandes artérias coronárias.
      • O benefício é maior na zona isquémica
    • Melhoria do fluxo sanguíneo na artéria coronária colateral
    • Benéfico na presença de vasoespasmo da artéria coronária:
      • Relaxamento ou prevenção do espasmo da artéria coronária
      • ↑ Fornecimento de O2
      • Não ↓ necessidade de O2
  • Propriedades anti-plaquetárias:
    • Efeitos anti-trombóticos
    • Estimulação da guanilato ciclase plaquetária
    • Inibição da ligação do fibrinogénio aos recetores plaquetários IIb e IIIa, componentes essenciais na agregação plaquetária

Farmacocinética

Absorção

  • Oral:
    • Sublingual:
      • Blísteres
      • Início de ação: 1‒3 minutos
      • Efeito máximo: 4‒8 minutos
      • Duração de ação: 30‒60 minutos
    • Translingual:
      • Spray
      • Início de ação: 2 minutos
      • Efeito máximo: 4‒10 minutos
      • Duração de ação: 30‒60 minutos
    • Bucal:
      • Blísteres
      • Início de ação: 2‒5 minutos
      • Efeito máximo 4‒10 minutos
      • Duração de ação: 2 horas
    • Libertação sustentada:
      • Blísteres
      • Início de ação: 20‒45 minutos
      • Efeito máximo: 45‒120 minutos
      • Duração de ação: 4‒8 horas
  • Tópico:
    • Pomada
    • Início de ação: 15‒60 minutos
    • Efeito máximo: 30‒120 minutos
    • Duração de ação: 2‒12 horas
  • Transdérmico:
    • Adesivo
    • Início de ação: 40‒60 minutos
    • Efeito máximo: 60‒180 minutos
    • Duração de ação: 18‒24 horas
  • IV:
    • Infusão
    • Início de ação: imediato
    • Efeito máximo: imediato
    • Duração de ação: 3‒5 minutos

Distribuição

  • O volume de distribuição após a administração IV é de 3,3 L/kg.
  • As concentrações do fármaco no plasma variam entre 50 e 500 ng/mL:
    • A ligação da nitroglicerina às proteínas plasmáticas é de aproximadamente 60%.
    • A ligação da 1,2-dinitroglicerina às proteínas plasmáticas é de 60%.
    • A ligação da 1,3-dinitroglicerina às proteínas plasmáticas é de 30%.
  • Altamente solúvel em água

Metabolização

  • A redutase hepática de nitrato orgânico é a principal enzima responsável pela metabolização da nitroglicerina:
    • Clivagem dos grupos de nitrato na molécula original → metabolitos de di e mononitrato de glicerol → em último lugar transforma-se em glicerol e nitrato orgânico
    • Os fármacos com efeito de 1ª passagem (por exemplo, nitroglicerina oral e dinitrato de isossorbida) apresentam menor potência.
    • Os fármacos sem efeito de 1ª passagem (por exemplo, formas sublinguais):
      • Apresentam maior potência
      • Alcançam mais rapidamente os níveis terapêuticos no sangue.
  • O 1,2-dinitroglicerina e o 1,3-dinitroglicerina são os 2 principais metabolitos encontrados no plasma.
  • Os metabolitos de mononitrato de glicerol são biologicamente inativos.

Excreção

  • Os metabolitos são excretados principalmente na urina.
  • A concentração plasmática do fármaco diminui rapidamente.
  • Semi-vida média para a eliminação: 2-3 minutos

Indicações

Tabela: Comparação dos nitratos
Fármacos Formulações comuns Indicações Informações clínicas relevantes
Nitroglicerina
  • Sublingual
  • Oral
  • Transdérmica
  • IV
  • Angina
  • SCA (exceto se for um enfarte do ventrículo direito ou inferior)
  • Insuficiência cardíaca
  • Variante da angina
  • Emergência hipertensiva (off label)
  • Pode ser administrada nitroglicerina sublingual a cada 5 minutos, até um máximo de 3 doses
  • Pode usar-se nitroglicerina IV na angina
Dinitrato de isossorbida Oral
  • Angina
  • Insuficiência cardíaca
  • Acalasia (off label)
  • Início mais lento, mas duração de ação mais longa do que a nitroglicerina
  • Eficaz na profilaxia da angina crónica estável
Mononitrato de isossorbida Oral
  • Angina
  • Insuficiência cardíaca
Metabolito ativo do dinitrato de isossorbida (maior biodisponibilidade)
Nitroprussiato de sódio IV
  • Emergência hipertensiva
  • Insuficiência cardíaca
Liga-se à hemoglobina para produzir cianeto e cianometahemoglobina
Nitrito de amilo Inalação
  • Envenenamento por cianeto
  • Angina
  • Oxida a hemoglobina em metahemoglobina
  • A metahemoglobina liga-se ao cianeto para formar a cianometahemoglobina.
  • Quando utilizada como droga de abuso, os “poppers” produzem euforia.
Nitrito de sódio IV Envenenamento por cianeto Mecanismo semelhante ao do nitrito de amilo

Efeitos Adversos e Contraindicações

Efeitos adversos

  • Efeitos adversos comuns:
    • Cefaleia (vasodilatação cerebral)
    • Hipotensão (vasodilatação sistémica)
    • Taquicardia (atividade simpática reflexa)
    • Rubor (vasodilatação cutânea)
  • Concentrações séricas elevadas podem induzir metahemoglobinemia:
    • Os nitratos oxidam o ferro ferroso (Fe2+) em ferro férrico (Fe3+).
    • A indução da formação de metahemoglobinemia pode ser usada de forma terapêutica para o tratamento do envenenamento por cianeto
    • A metemoglobina tem uma afinidade maior para os ciantos
  • A infusão prolongada de nitroprussiato de sódio pode provocar toxicidade por cianeto.

Taquifilaxia e tolerância

  • Taquifilaxia (↓ efeito com a administração rápida e repetida)
  • Tolerância (ao longo do tempo, são necessários ↑ doses para obter o mesmo efeito)
    • Corresponde a um grande problema resultante da utilização crónica de nitratos
    • Com a administração continuada:
      • ↓ Efeitos hemodinâmicos e antianginosos
      • Efeitos colaterais também ↓
    • Não completamente compreendido
    • 3 mecanismos propostos:
      • ↓ Formação de NO como resultado do comprometimento da conversão de nitroglicerina em 1,2-gliceril dinitrato
      • Redução da bioatividade do NO
      • Ativação do sistema nervoso simpático e SRAA com vasoconstrição, devido à vasodilatação induzida pelo nitrato
    • Prevenção:
      • Mais eficaz: terapêutica intermitente com um intervalo livre de nitratos de 8 a 10 horas
      • A angina de rebound pode ocorrer no intervalo livre de nitratos.

Interações farmacológicas

Inibidores da PDE5

  • Pode ser fatal devido a:
    • Hipotensão: pelo aumento da vasodilatação
    • Inibição da PDE5, que é responsável pela degradação de cGMP em GMP
    • Prevenção da degradação da cGMP com ↑ níveis
  • Exemplos:
    • Sildenafil (ViagraⓇ)
    • Vardenafil (LevitraⓇ)
    • Tadalafil (CialisⓇ)

Contraindicações

  • Cardiomiopatia hipertrófica: pode induzir uma obstrução ao trato de saída ou aumentá-la
  • Estenose aórtica grave: potencial de causar hipotensão grave
  • Depleção de volume:
    • ↑ Risco de hipotensão grave e incontrolável
    • Devido à perda dos mecanismos compensatórios
  • Aumento da pressão intracraniana:
    • Os nitratos induzem vasodilatação cerebral.
    • ↑ Fluxo sanguíneo cerebral
    • Compromisso da perfusão intracraniana
  • SCA (ventricular) do lado direito:
    • Os doentes com disfunção ventricular direita são dependentes da pré-carga.
    • Os nitratos provocam uma acumulação de sangue no leito venoso e ↓ pré-carga
  • Hipotensão

Referências

  1. Fung, H. (1992). Do nitrates differ? British Journal of Clinical Pharmacology, 34, 5S-9S. https://europepmc.org/article/med/1633079
  2. Parker, J. (1989). Nitrate tolerance in angina pectoris. Cardiovascular Drugs and Therapy, 2(6): 823-829. https://europepmc.org/article/med/2488098
  3. Kannam, J., Gersh, B. (2021). Nitrates in the management of chronic coronary syndrome. In Kaski, J. (Ed.), UpToDate. Retrieved June 6, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/nitrates-in-the-management-of-chronic-coronary-syndrome
  4. Reeder, G. (2021). Nitrates in the management of acute coronary syndrome. In Kaski, J. (Ed.), UpToDate. Retrieved June 6, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/nitrates-in-the-management-of-acute-coronary-syndrome
  5. Parker, J.D., Parker, J.O. (1998). Nitrate therapy for stable angina pectoris. N Engl J Med; 338:520. https://doi.org/10.1056/nejm199802193380807
  6. Fihn, S.D., Gardin, J.M., Abrams, J., et al. (2012). ACCF/AHA/ACP/AATS/PCNA/SCAI/STS guideline for the diagnosis and management of patients with stable ischemic heart disease: Executive summary: A report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association task force on practice guidelines, and the American College of Physicians, American Association for Thoracic Surgery, Preventive Cardiovascular Nurses Association, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, and Society of Thoracic Surgeons. Circulation; 126:3097. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23166210/
  7. Katzung, B.G. (2012). Vasodilators & the treatment of angina pectoris. In Katzung, B.G., Masters., and Trevor, A.J. (Eds). Basic & Clinical Pharmacology, 12th edition. (pp. 195-201). McGraw-Hill Companies, Inc.

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