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Narcolepsia

A narcolepsia é uma perturbação neurológica do sono marcada por sonolência diurna e que está associada à cataplexia, a alucinações hipnagógicas e à paralisia do sono. Existem 2 tipos de narcolepsia: o tipo 1 está associada a cataplexia e tipo 2 não tem associação com cataplexia. Os doentes com narcolepsia tipo 1 apresentam uma diminuição nos níveis de orexina. O diagnóstico baseia-se em estudos do sono que mostram uma diminuição da latência REM. O tratamento inclui uma boa higiene do sono. Fármacos estimulantes do SNC e antidepressivos são usados no tratamento de sintomas de cataplexia. A narcolepsia é uma condição que dura toda a vida e que não tem cura definitiva.

Última atualização: Oct 31, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

A narcolepsia é uma perturbação neurológica que afeta o ciclo sono-vigília normal o que resulta em sonolência diurna. A perturbação está associada à cataplexia (uma perda do tónus muscular desencadeada emocionalmente), a alucinações hipnagógicas (alucinações que ocorrem ao adormecer) e à paralisia do sono (breve imobilidade ao acordar).

Epidemiologia

  • Narcolepsia do tipo 1:
    • Prevalência: 25-50 em 100.000 pessoas
    • Frequência no sexo masculino = sexo feminino
    • Frequentemente surge na adolescência até aos 20’s (embora possa surgir entre os 5-40 anos)
  • Narcolepsia do tipo 2:
    • 20-35 em 100.000 pessoas
    • Menos bem estudado

Etiologia

Narcolepsia tipo 1:

  • Deficiência de orexina (hipocretina):
    • Orexina: neurotransmissor produzido no hipotálamo lateral
    • Produz um efeito excitatório no estado de vigília atuando em:
      • Locus coeruleus
      • Núcleo da rafe
      • Glândula tuberosa
    • Na narcolepsia 1: perda de neurónios no hipotálamo lateral
  • Fatores genéticos:
    • Certas formas são familiares.
    • 95% dos doentes apresentam o haplótipo DQB1*0602 (subtipo do gene DQB1).
    • 96% dos doentes com este haplótipo também apresentam défices nos níveis de orexina.
  • Desencadeadores ambientais:
    • A destruição dos neurónios produtores de orexina pode resultar de processos autoimunes após faringite estreptocócica ou gripe.

Narcolepsia do tipo 2:

  • Níveis de orexina normais
  • Etiologia desconhecida

Narcolepsia secundária:

  • Lesões que afetam o hipotálamo posterior e o cérebro médio (por exemplo, tumores, derrames, malformações vasculares, processos inflamatórios, como a sarcoidose)
  • Associado a síndromes (síndrome de Prader-Willi)

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Apresentação Clínica

  • Sonolência diurna:
    • Sintoma mais comum
    • Dormir em momentos inapropriados (não excessivos)
    • “Ataques ao sono”: sem sinal de aviso e com duração < 30 minutos
    • Normalmente, de manhã o doente acorda revigorado
  • Cataplexia (60%–70%):
    • Fraqueza muscular transitória precipitada por emoções (por exemplo, a rir)
    • Começa na cara, mas podem existir envolvimento corporal total.
    • O doente está consciente.
    • Normalmente dura cerca de 2 minutos
    • 60% dos doentes apresentam sintomas de cataplexia nos 5 anos após o início da doença.
  • Alucinações hipnagógicas (< 5%):
    • Alucinações assustadoras e vívidas que podem ser táteis ou auditivas e que ocorrem quando o indivíduo adormece
  • Paralisia do sono (< 5%):
    • Incapacidade de se mover ao acordar
    • Dura cerca de 2 minutos
  • Comorbilidades:
    • Síndrome das pernas inquietas
    • Síndrome de apneia obstrutiva do sono (obesidade leve é frequente nos doentes com narcolepsia)
    • Depressão
    • Ansiedade
    • PHDA

Diagnóstico

Investigações

  • Estudos do sono:
    • A polissonografia (PSG) revela:
      • Despertares espontâneos
      • Redução da eficiência do sono
      • Aumento do sono leve não-REM
      • Sono REM em 15 minutos (versus os 80-100 minutos normais em indivíduos saudáveis)
    • Teste de latências múltiplas do sono:
      • Realizado na manhã após a PSG
      • O doente é colocado num ambiente indutor de sono onde pode adormecer espontaneamente.
      • Cada sesta tem a duração de 15 minutos após o início do sono para que possa ser detetado o sono REM
      • Repetido em intervalos de 2 horas até o doente ter tido 4-5 oportunidades para dormir a sesta.
      • Os doentes com narcolepsia demoram < 8 minutos a adormecer (versus os 10-15 minutos em pacientes saudáveis).
  • Investigações laboratoriais:
    • Análise do LCR:
      • Mede os níveis de orexina
      • Níveis baixos (< ⅓ de valor normal) são sugestivos de narcolepsia
      • Realizado quando não se podem fazer testes de sono
    • Testes genéticos para DQB1*0602:
      • Inespecíficos

Critérios de diagnóstico

Narcolepsia tipo 1:

  • Períodos recorrentes de necessidade irresistível de dormir:
    • 3x/semana
    • Por ≥ 3 meses
  • Presença de pelo menos 1 dos seguintes sintomas:
    • Baixos níveis de orexina/hipocretina no LCR
    • Cataplexia e MSLT ≤ 8 minutos

Narcolepsia tipo 2:

Todos os critérios devem ser cumpridos.

  • Períodos recorrentes de necessidade irresistível de dormir:
    • 3x/semana
    • Por ≥ 3 meses
  • Latência média de sono de ≤ 8 minutos (MSLT)
  • A cataplexia está ausente.
  • Níveis normais de orexina no LCR
  • Os achados não são melhor explicados por outras causas, tais como:
    • Sono insuficiente
    • Síndrome da apneia obstrutiva do sono
    • Síndrome de atraso de fase do sono
    • Uso de medicamentos/substâncias ilícitas ou da sua abstinência

Tratamento

O objetivo terapêutico é melhorar o estado de alerta para um bom desempenho e de modo a garantir segurança nas atividades da vida diária (como na escola ou no trabalho).

  • Segurança:
    • Especial atenção quando se tratam de motoristas comerciais ou quando já existiram acidentes no local de trabalho.
    • As autoridades competentes devem ser notificadas
  • Higiene do sono:
    • Manter um horário de sono regular e adequado.
    • Sestas diurnas programadas
    • Evitar substâncias que possam afetar o horário do sono, por exemplo, a cafeína.
  • Evitar o uso de fármacos que possam alterar a sonolência:
    • Benzodiazepinas
    • Opiáceos
    • Antipsicóticos
    • Álcool
    • Prazosin
  • Monitorização de comorbilidades (psiquiatria e obesidade)

Tratamento farmacológico

Nos doentes com sonolência diurna excessiva e com prejuízo da função diária (a maioria dos pacientes), a intervenção médica pode estar indicada. Pode ser necessário mais que um fármaco para combater os sintomas.

  • Sonolência diurna:
    • Modafinil:
      • 1ª linha
      • Estimulante não anfetamínico do SNC
      • Bem tolerado e com baixo potencial de abuso.
    • Anfetaminas e metilfenidato:
      • 2ª linha
      • Preferidos na idade pediátrica
      • Maior risco de efeitos adversos (por exemplo, hipertensão, taquicardia, psicose, anorexia, abuso)
      • Opções mais recentes para doentes que não toleram outras opções:
        • Solriamfetol (aprovado em 2019): inibidor seletivo da dopamina e da recaptação de norepinefrina
        • Pitolisant (aprovado em 2020): agonista inverso dos recetores H3
  • Cataplexia:
    • O objetivo é suprimir o sono REM através do aumento dos níveis de norepinefrina e de serotonina.
    • Inibidores da recaptação da serotonina-norepinefrina (SNRI):
      • Venlafaxina
      • Atomoxetina
    • Inibidores seletivos da recaptação da norepinefrina:
      • Atomoxetina
      • Reboxetina
    • Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (SSRI):
      • Fluoxetina
      • Paroxetina
    • Antidepressivos tricíclicos (TCAs):
      • Protriptilina ou clomipramina
      • Quando os agentes desencadeadores são conhecidos e de curto prazo (por exemplo, stress)
      • Podem surgir efeitos secundários anticolinérgicos
    • Oxibato de sódio:
      • Fármacos de escolha para cataplexia severa
      • Efeito mediador através de recetores GABA
    • Pitolisant
Tabela: Comparação dos fármacos utilizados no tratamento da narcolepsia
Fármaco Mecanismo de ação Efeitos colaterais
Modafinil
  • Não é bem conhecido
  • Pode funcionar como um inibidor de recaptação de dopamina
  • Bem tolerado
  • Pode causar dores de cabeça, anorexia e náuseas
  • Efeitos secundários simpaticomiméticos (taquicardia, hipertensão)
  • Raro potencial de abuso
Oxibato de sódio
  • Não é bem conhecido
  • Pode funcionar através de receptores GABA B
  • Náuseas e tonturas
  • Perda ponderal
  • Incontinência urinária
  • Mudanças de humor, agravamento da depressão ou psicose
  • Sonambulismo
  • Abuso: prescrição restritiva
Anfetaminas Aumento das catecolaminas na fenda sináptica
  • Nervosismo, agitação, tiques, ansiedade ou psicose
  • Insónia
  • Anorexia
  • Efeitos secundários simpaticomiméticos (taquicardia, hipertensão)
  • Maior risco de abuso
Metilfenidato Bloqueia a recaptação da dopamina e da norepinefrina pelos neurónios
  • Efeitos secundários simpaticomiméticos (taquicardia, hipertensão)
  • Arritmias
Solriamfetol Inibidor seletivo da dopamina e da norepinefrina com efeitos promotores de vigília Semelhante ao modafinil
Pitolisant Agonista inverso dos recetores H3
  • Bem tolerado
  • Pode causar dores de cabeça, insónia, náuseas e prolongamento do intervalo QT

Narcolepsia em Crianças

A etiologia e o diagnóstico da narcolepsia em crianças é igual ao dos adultos.

Epidemiologia

  • Tem ocorrido um ↑ na incidência
  • A idade de início é normalmente entre os 5-7 anos.

Apresentação clínica

  • Sonolência diurna:
    • Adormecer durante as atividades sedentárias (por exemplo, quando sentado na sala de aula, ao ler um livro)
    • Dura cerca de 20-30 minutos
    • A sesta não é reparadora
    • A sesta habitual é incomum em crianças saudáveis com mais de 6 anos e deve levantar suspeitas.
  • Cataplexia (80%):
    • Sintoma mais específico
    • Caracterizado por fraqueza oculo-bucco-facial (“fácies de cataplexia”)
      • Mandíbula aberta
      • Ptose
      • Cabeça a rolar
  • Alucinações hipnagógicas e paralisia do sono (50%–60%)

Tratamento

Modificação comportamental:

  • Educação sobre a perturbação (que é para a vida e não tem cura)
  • Sestas planeadas são essenciais.
  • Horários para dormir devem ser programados regularmente
  • Otimização escolar com instalações especiais.
  • Cuidado ao nadar
  • Apoio psicossocial para detetar o desenvolvimento de ansiedade ou depressão

Tratamento médico:

  • Anfetaminas e metilfenidato:
    • 1ª linha para crianças
    • Monoterapia
  • Oxibato de sódio: se cataplexia estiver presente

Relevância Clínica

As seguintes condições são outras perturbações do sono:

  • Insónia: perturbação do sono caracterizada por sintomas que interferem com a duração/qualidade do sono início, apesar de oportunidades adequadas para dormir
  • Perturbações do sono-vigília do ritmo circadiano: padrões recorrentes de perturbação do sono devido a uma alteração do sistema circadiano ou a um desalinhamento entre o ritmo circadiano interno e o ambiente de sono. Os subtipos incluem o tipo “fase do sono atrasada”, o tipo “fase do sono avançada”, o tipo “trabalho em turnos” e jet lag.
  • Parassonias: perturbações caracterizadas por ações, atividades ou eventos fisiológicos incomuns que ocorrem durante o sono ou durante as transições sono-vigília. Os sintomas podem incluir movimentos anormais, emoções, sonhos e atividade autonómica.
  • Síndrome das pernas inquietas: condição marcada pela vontade avassaladora de mexer as pernas, acompanhada de sensações desagradáveis aliviadas com o movimento. Estes sintomas surgem durante a noite e estão associados a perturbações do sono.
  • Síndrome da apneia obstrutiva do sono: apneia episódica ou interrupção da respiração durante o sono, onde o período de apneia dura mais de 10 segundos. Normalmente é resultado do colapso parcial ou completo das vias aéreas superiores e está associado à roncopatia, a agitação, a dores de cabeça durante o dia e a sonolência.

Referências

  1. Scammell TE. Narcolepsy (2015). N Engl J Med;373:2654. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26716917/
  2. Nishino S, Ripley B, Overeem S, et al. (2000). Hypocretin (orexin) deficiency in human narcolepsy. Lancet. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10615891/
  3. Carskadon MA, Dement WC, Mitler MM, et al. (1986). Guidelines for the multiple sleep latency test (MSLT): a standard measure of sleepiness. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/3809866/
  4. Dauvilliers Y, Bassetti C, Lammers GJ, et al. (2013). Pitolisant versus placebo or modafinil in patients with narcolepsy: a double-blind, randomized trial. Lancet Neurol. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24107292/
  5. Ganti et al. (2016). First Aid for the Psychiatry Clerkship, 4th ed. (p. 165).
  6. Le T, Bhusan V, Sochat M, et al. (Eds.) (2020). First Aid for the USMLE Step 1, 30th ed. (p. 556).

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