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Mycobacterium

Mycobacterium é um género da família Mycobacteriaceae do filo Actinobacteria. As micobactérias compreendem mais de 150 espécies de bacilos intracelulares facultativos, que são principalmente aeróbios obrigatórios. As micobactérias são responsáveis por múltiplas infeções humanas, incluindo doenças graves, como a tuberculose (M. tuberculosis), a lepra (M. leprae) e infeções do complexo M. avium. Embora os pulmões sejam o local mais comum de infeção, as micobactérias podem colonizar e infetar outros sistemas de órgãos, incluindo os nódulos linfáticos, pele, seios da face, olhos, ouvidos, ossos, SNC e trato urinário.

Última atualização: May 17, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Características Gerais

Características principais

Morfologia e propriedades:

  • Bacilos retos ou ligeiramente curvos
  • Crescimento:
    • Bacilos de crescimento lento
    • A maioria das espécies pode ser isolada em culturas de substratos simples com aminoácidos e glicerol.
    • A maioria das espécies cresce em agar de sangue.
  • Bacilos imóveis, não formadores de esporos
  • Aeróbios obrigatórios (alguns são microaerófilos)
  • Catalase-positivos
  • Bacilos intracelulares facultativos
  • Possuem uma parede celular (envelope) característica que lhes confere várias propriedades únicas:
    • Presença de uma camada de cera hidrofóbica composta por ácidos micólicos
    • Ligada a uma camada de peptidoglicanos por um polissacarídeo arabinogalactano
    • ↓ Permeabilidade de muitos fármacos e bombas de efluxo
    • As micobactérias podem invadir as células hospedeiras sem apresentar quaisquer sinais clínicos.

Propriedades da coloração:

  • Bacilos ácido-resistentes:
    • Propriedade conferida pelo ácido micólico
    • Não descoloram com álcool ácido depois de corados com corantes de anilina
  • Coloração de Gram:
    • Geralmente não consegue penetrar na parede celular cerosa do complexo Mycobacterium tuberculosis (MTBC)
    • Na maioria dos casos não produzem coloração ou apresentam resultados variáveis

Classificação

  • Filo: Actinobactérias
  • Família: Mycobacteriaceae
  • Género: Mycobacterium (consiste em > 150 espécies)

Micobactérias:

  • Micobactérias típicas: espécies MTBC:
    • M. tuberculosis (a mais importante)
    • M. bovis
    • M. africanum
    • M. microti
    • M. canetti
  • Micobactérias atípicas não tuberculosas (NTM):
    • Classificadas de acordo com o sistema Runyon
    • A classificação é baseada na taxa de crescimento e na produção de pigmentos.
    • Os grupos Ⅰ–Ⅲ são de crescimento lento (> 7 dias) e o grupo Ⅳ é considerado de crescimento rápido (< 7 dias)
      • Grupo I: Os fotocromógenos produzem pigmento na presença de luz.
      • Grupo II: Os escotocromógenos produzem pigmento na ausência de luz.
      • Grupo III: Os não fotocromógenos não possuem pigmento (inclui o complexo Mycobacterium avium (MAC) bactérias).
      • Grupo IV: Produz colónias maduras em meio de cultura em < 7 dias
  • Não cultiváveis: complexo M. leprae (M. leprae e M. lepromatosis)
  • Microorganismos saprófitos
  • Tipos de úlcera de pele
Classificação do fluxograma de micobactérias

Classificação das micobactérias

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Espécies patogénicas mais importantes:

  • A espécie MTBC causa tuberculose (TB).
  • O complexo M. leprae causa lepra.
  • As espécies M. avium e M. intracellulare (formam em conjunto o complexo M. avium (MAC)) causam:
    • Infeções pulmonares semelhantes à tuberculose
    • Infeções disseminadas em indivíduos imunodeprimidos

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Patogénese

Reservatórios

  • M. tuberculose: os humanos são o único reservatório natural.
  • Reserva natural do M. leprae: tatus
  • M. avium e M. intracellulare são encontrados na água e no solo.

Transmissão

  • Transmissão de M. tuberculosis: gotículas respiratórias de pacientes com doença ativa
  • Transmissão de M. leprae:
    • Contacto direto com lesões
    • Inalação de gotículas infeciosas
  • Transmissão do MAC:
    • Inalação para o trato respiratório
    • Ingestão para o trato GI

Virulência

  • Envelope da célula:
    • Constituinte principal: ácido micólico
    • O ácido micólico está ligado aos glicolípidos.
    • Os glicolípidos são responsáveis pela “formação do cordão” na microscopia (corresponde à formação do granuloma, de forma grosseira).
  • Catalase-peroxidase: resiste à resposta oxidativa da célula hospedeira
  • Sulfatídeos e dimicolato de trealose: desencadeia toxicidade
  • Lipoarabinomanan (LAM): induz citocinas

Fatores de risco do hospedeiro

  • Idosos
  • Crianças
  • Doentes imunodeprimidos
  • Pacientes institucionalizados
  • Utilização de drogas IV
  • VIH ou outras imunodeficiências
  • Viagens para regiões de alto risco

Fisiopatologia geral das micobactérias

  • Nos humanos, as infeções por micobactérias podem afetar vários órgãos.
  • As bactérias entram através da pele e das barreiras mucosas.
  • As infeções pulmonares e cutâneas são as mais comuns.
  • As infeções por MNT ocorrem mais frequentemente em hospedeiros imunodeprimidos como infeções oportunistas.
  • As micobactérias podem colonizar os seus hospedeiros e causar infeções latentes sem sinais clínicos evidentes.

Complexo M. tuberculosis

Epidemiologia

  • As bactérias MTBC causam tuberculose.
  • A tuberculose é uma doença transmitida pelo ar que afeta os pulmões e, por vezes, outros órgãos.
  • Responsável por 1,4 milhões de mortes por ano em todo o mundo
  • 30% da população mundial está infetada.
  • 10% das pessoas infetadas vão desenvolver a doença ativa.
  • Principal causa de morte em pacientes com VIH

Fisiopatologia

  • O 1º passo é a inalação de gotículas de aerossol.
  • A sua deposição nos pulmões leva a 3 resultados possíveis:
    • Depuração de bactérias
    • Doença ativa primária:
      • Proliferação de bactérias nos macrófagos alveolares
      • As citocinas produzidas pelos macrófagos (IL-12 e IL-18) atraem outras células fagocitárias.
      • Forma-se um tubérculo (estrutura granulomatosa) (promovido pelo TNF-ɑ)
      • O tubérculo expande-se para o parênquima pulmonar → Complexo de Ghon
      • As bactérias podem então disseminar-se para os nódulos linfáticos → linfadenopatia
      • Complexo de Ghon + linfadenopatia/calcificação → Complexo de Ranke
      • Se a disseminação não for controlada pelas células imunes, pode ocorrer bacteriemia com invasão de outros órgãos → TB miliar
      • Quando as bactérias de depositam e provocam alterações das vias aéreas (granulomas caseosos), o paciente torna-se contagioso.
      • A infeção pode progredir para um estadio crónico com regeneração e posterior cicatrização das lesões.
      • A erradicação espontânea é rara.
  • Infeção latente (doença clínica (secundária) que pode ocorrer muitos anos depois):
    • Risco de reativação ao longo da vida: 5%–10%
    • A imunossupressão é um fator de risco de reativação.

Apresentação clínica

  • As manifestações pulmonares associadas a sintomas sistémicos são mais comuns na TB primária e secundária.
  • A tuberculose miliar (disseminada) ocorre em 15%–20% dos casos (geralmente em crianças ou indivíduos imunodeprimidos).
Tabela: Manifestações da infeção por MTBC
Tuberculose primária Tuberculose secundária TB extrapulmonar (miliar)
Apresentação clínica Início até 2 anos de infeção em 5%–10% dos casos Reativação da infeção em pacientes imunodeprimidos Indivíduos imunodeprimidos
Localização
  • Lobos médios e inferiores
  • Necrose subpleural
    • Lesões cavitárias nos lobos superiores do pulmão
    • Pode ocorrer disseminação miliar nos pulmões.
      • Gânglios linfáticos
      • Pleura
      • Trato GU
      • SNC
      • Rim
        Sintomas
        • Mal-estar
        • Perda de peso
        • Tosse
        • Suores noturnos
        • Hemoptises
          Recorrência dos sintomas
          • Sinais não específicos
          • Vísceras aumentadas
          • Lesões cutâneas
          • Disfunção multiorgânica
            GU: genitourinário
            SNC: sistema nervoso central
            TB: tuberculose

            Identificação

            Expetoração:

            • 3 amostras, pelo menos 1 de manhã cedo
            • Esfregaço de bacilo ácido-resistente (AFB)
            • Cultura micobacteriana
            • Teste de amplificação de ácidos nucleicos 

            Cultura micobacteriana de sangue ou urina: em pacientes com VIH ou indivíduos imunodeprimidos

            Teste tuberculínico (TST; PPD (derivado de proteína purificada) ou teste de Mantoux):

            • Injeção intradérmica de antigénio tuberculínico
            • Pode detetar infeção ativa ou latente
            • Medir a área de enduração após 48–72 horas; positivo se:
              • > 5 mm em pacientes com HIV ou sob imunossupressão, ou contacto recente com um indivíduo com TB
              • > 10 mm em pacientes de países de alto risco, utilizadores de drogas intravenosas, médicos e trabalhadores de laboratório
              • > 15 mm em pacientes sem fatores de risco conhecidos para TB

            Ensaio de libertação de interferão gama-γ (IGRA – Interferon-Gamma Release Assays): não faz distinção entre TB ativa e inativa

            Vídeos recomendados

            Complexo M. leprae

            Epidemiologia

            • As bactérias do complexo M. leprae causam a lepra.
            • A prevalência é < 1 em cada 10.000.
            • Maior incidência na Índia, Brasil, Indonésia, Bangladesh e Nigéria
            • Fatores de risco para a infeção:
              • Contacto próximo com pacientes com lepra
              • Exposição a tatus (reservatório natural do M. leprae)
              • Idosos
              • Fatores genéticos
              • Imunossupressão

            Fisiopatologia

            • As bactérias são inaladas ou transmitidas através do contacto direto com a pele.
            • As bactérias são absorvidas pelos macrófagos alveolares e disseminadas de forma hematogénica.
            • O M. leprae atinge os nervos e pele, onde se prolifera (sobretudo nas células de Schwann).
            • A lepra pode manifestar-se de diferentes formas e reflete o espectro da resposta imune do hospedeiro.
            • Classificação Ridley-Jopling da lepra:
              • Tuberculoide (TT)
              • Borderline Tuerculoide (BT)
              • Borderline (BB)
              • Borderlie Lepromatosa (BL)
              • Lepromatosa (LL)
              • Indeterminada (I)
            • As formas tuberculóides e lepromatosas estão nas 2 extremidades do espectro:
              • Lepra tuberculóide:
                • Boa resposta imune celular (resposta Th1)
                • Hipersensibilidade do tipo retardado com interferon-γ e ativação de macrófagos
                • Envolve a pele (localizada) e nervos periféricos
              • Lepra lepromatosa:
                • Resposta imune celular mínima
                • Resposta humoral (anticorpo) (ativada por células Th2)
                • Envolvimento extenso da pele
                • Envolvimento simétrico dos nervos
            Resposta imune à hanseníase

            Resposta imune à lepra

            Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

            Apresentação clínica

            • Manchas cutâneas hipopigmentadas ou eritematosas associadas à perda de sensibilidade
            • Parestesias
            • Feridas indolores nas extremidades
            • Nódulos faciais ou auriculares
            • Nervos periféricos aumentados e dolorosos
            • Lesão oftálmica (abrasões/ulcerações da córnea, lagoftalmo)
            • Achados tardios: paralisia facial, ossos próprios do nariz com perfuração do septo e colapso, dedos em garra, pé pendente, ausência de cílios/sobrancelhas.
            • Podem ocorrer reações imunes (complicações inflamatórias sistémicas).
            Tabela: Espectro clínico da lepra
            Tuberculoide Lepromatosa
            Apresentação clínica Indivíduos imunocompetentes Indivíduos imunodeprimidos
            Localização Pele e nervos Pele e nervos
            Sintomas
            • Lesões ao nível dos nervos periféricos precoces
            • Perda sensorial completa
            • Aumento visível dos nervos
            • Autoamputação dos dedos
            • Erupção cutânea: algumas placas atróficas hipopigmentadas com centros planos e bordos elevados bem demarcados
              • Lesão nervosa difusa tardia, perda sensorial irregular
              • Sem aumento dos nervos
              • Erupção cutânea: numerosas máculas, pápulas ou nódulos com destruição da cartilagem do nariz, osso, testículos; fácies “leonina”

                Identificação

                O microorganismo é identificado através de biópsia da pele:

                • Exame histopatológico
                • PCR – reação em cadeia da polimerase

                Vídeos recomendados

                Complexo M. avium

                Epidemiologia

                • Mais frequentemente adquiridos no meio ambiente (fontes de água)
                • Não existe transmissão de humano para humano documentada
                • Afeta sobretudo indivíduos com doença pulmonar pré-existente e pacientes imunodeprimidos (SIDA)

                Fisiopatologia

                • Geralmente apresenta-se como infeção pulmonar em indivíduos imunocompetentes
                • Pode apresentar-se como doença disseminada ou linfadenite localizada em pacientes com SIDA:
                  • O risco aumenta à medida que a contagem de CD4 diminui abaixo de 50
                  • A infeção por MAC é uma das condições definidoras de SIDA.
                  • As bactérias MAC entram através da mucosa GI e são fagocitadas por macrófagos na lâmina própria.
                  • A drenagem linfática transporta micobactérias para os nódulos linfáticos abdominais, através dos quais podem atingir a circulação sanguínea.
                  • A disseminação pode ocorrer em muitos locais: o baço, a medula óssea e o fígado são os locais mais comuns
                  • A maioria dos sinais e sintomas deve-se à produção de citocinas.
                  • Raramente corresponde à causa direta da morte, mas ↑ o risco de sobrerinfeção
                  • Linfadenite localizada:
                    • Após início da terapêutica antirretroviral
                    • Resulta da síndrome inflamatória de reconstituição imune (SIRI)
                Tc abdominal comprovando infecção por mac

                Infeção pelo MAC: TC abdominal com múltiplos abcessos intra-abdominais nos nódulos linfáticos

                Imagem: “Mycobacterium avium complex immune reconstitution inflammatory syndrome: long term outcomes” por Riddell J, Kaul DR, Karakousis PC, Gallant JE, Mitty J, Kazanjian PH. Licença: CC BY 2.0

                Apresentação clínica

                • Pacientes imunocompetentes:
                  • Homens mais velhos com doença pulmonar obstrutiva crónica:
                    • Tosse, febre, infiltrados/cavidades no lobo superior
                    • Semelhante à tuberculose, mas menos grave
                  • Mulheres com > 50 anos de idade sem história prévia: geralmente apresenta-se com bronquiectasias
                • Indivíduos com SIDA:
                  • Infeção disseminada:
                    • Febre, suores noturnos
                    • Dor abdominal
                    • Diarreia
                  • Linfadenite:
                    • Gânglios linfáticos aumentados localizados (a nível abdominal, mediastinal, cervical)
                    • Febre

                Identificação

                • Hemocultura micobacteriana
                • Histopatologia e cultura dos locais envolvidos (medula óssea, gânglios linfáticos)

                Referências

                1. Alia, E. (2019). Atypical Mycobacterial Diseases. Emedicine. Retrieved February 21, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/220455-overview#a4
                2. Fordham von Reyn, C. (2020). Vaccines for prevention of tuberculosis. Retrieved January 14, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/vaccines-for-prevention-of-tuberculosis
                3. Griffith, D.E. (2020). Overview of nontuberculous mycobacterial infections. Retrieved March 1, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-nontuberculous-mycobacterial-infections
                4. Pozniak, A. (2019). Clinical manifestations and complications of pulmonary tuberculosis. Retrieved January 13, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-complications-of-pulmonary-tuberculosis
                5. Riley, L.W. (2019). Tuberculosis: Natural history, microbiology, and pathogenesis. Retrieved January 13, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/tuberculosis-natural-history-microbiology-and-pathogenesis
                6. Scollard, D., Stryjewska, B., Dacso, M. (2020). Leprosy: Epidemiology, microbiology, clinical manifestations, and diagnosis. Retrieved March 1, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/leprosy-epidemiology-microbiology-clinical-manifestations-and-diagnosis
                7. Smith, D. (2020). Leprosy. Emedicine. Retrieved February 22, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/220455-overview#a4
                8. Sterling, T. (2020). Treatment of drug-susceptible pulmonary tuberculosis in HIV-uninfected adults. Retrieved January 14, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-drug-susceptible-pulmonary-tuberculosis-in-hiv-uninfected-adults
                9. Centers for Disease Control and Prevention. Tuberculosis (TB). https://www.cdc.gov/tb/default.htm. Accessed January 13, 2021..

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