Meduloblastoma

Os meduloblastomas são tumores neuroectodérmicos primitivos malignos que surgem na fossa posterior em crianças. O meduloblastoma é a neoplasia cerebral mais comum na idade pediatrica. Os doentes com meduloblastoma apresentam sintomas de aumento da pressão intracraniana e sinais cerebelares, que evoluem e que vão piorando ao longo de semanas a alguns meses. A ressonância magnética é o exame de imagem de escolha e tipicamente mostra uma massa cerebelar mediana ou paramediana que realça com contraste, mas a avaliação histopatológica após a ressecção cirúrgica é necessária para o diagnóstico. O tratamento envolve uma combinação de cirurgia, radioterapia e quimioterapia. O prognóstico depende de vários fatores, mas com os novos tratamentos multimodais cerca de 75% das crianças com meduloblastoma sobrevivem até à idade adulta.

Última atualização: Apr 15, 2025

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

O meduloblastoma é um tumor neuroectodérmico primitivo altamente maligno que surge na fossa posterior na idade pediátrica. É um tumor embrionário, proveniente de células progenitoras neuronais e que geralmente tem um mau prognóstico.

Classificação dos tumores do sistema nervoso

Tabela: Classificação dos tumores do sistema nervoso
Categorias Tumores específicos
Tumores neuroepiteliais no SNC
  • Astrocitomas, incluindo glioblastoma multiforme
  • Oligodendroglioma
  • Ependimoma e tumores do plexo coroide
  • Meduloblastomas (tumores embrionários)
Tumores meníngeos
  • Meningiomas
  • Hemangioblastomas
Tumores da região selar
  • Craniofaringioma
  • Adenoma da hipófise
  • Pinealoma
Linfoma primário do SNC Linfoma primário do SNC
Metástases cerebrais (5x mais comum do que os tumores cerebrais primários) Que resultam frequentemente de:
  • Neoplasia do pulmão, da mama e do carcinoma de células renais
  • Melanoma
Tumores Periféricos
  • Schwannomas, incluindo o neurinoma do acústico.
  • Neuroblastoma

Epidemiologia

  • Incidência:
    • Cerca de 2 por 100.000 habitantes nos Estados Unidos
    • Aproximadamente 500 crianças por ano nos Estados Unidos.
    • Tumor cerebral maligno mais frequentemente diagnosticado em idade pediátrica.
    • Cerca de 10%–20% de todos os tumores primários do SNC em crianças ≤ 18 anos
  • Idade:
    • O pico de incidência é entre os 5 e os 9 anos.
    • 70%–80% dos doentes são diagnosticados antes dos 20 anos.
    • A doença é extremamente rara em pessoas com mais de 30 anos.
  • Sexo: 1,5x mais prevalente no sexo masculino
  • Raça: há uma maior incidência em caucasianos do que em melanodérmicos (80% são caucasianos)

Classificação

A OMS desenvolveu classificações genéticas e histológicas para classificação de meduloblastomas.

  • Meduloblastomas geneticamente definidos:
    • Via de sinaliazação Wnt/Wingless (WNT)- ativada
    • Sonic hedgehog (SHH) ativado:
      • SHH ativado e TP53 mutante
      • SHH ativado e TP53 tipo selvagem
    • Não-Wnt/não-SHH:
      • Grupo 3: caracterizado pela amplificação do oncogene MYC
      • Grupo 4: caracterizado pela amplificação de oncogenes MYCN e kinase 6 dependente de ciclina (CDK6)
  • Meduloblastomas definidos histologicamente:
    • Meduloblastoma clássico
    • Meduloblastoma desmoplástico/nodular
    • Meduloblastoma com extensa nodularidade
    • Meduloblastoma de grandes células/anaplásico
  • Meduloblastoma não especificado

Etiologia e fisiopatologia

  • A maioria dos casos são esporádicos.
  • A maioria dos casos surgem na fossa posterior.
  • Metastiza do SNC para o osso
  • As mutações genéticas envolvidas na classificação da OMS são:
    • Wnt: uma família de oncoproteínas de sinalização envolvidas nas decisões de patterning durante o desenvolvimento embrionário
    • SHH: estimula a proliferação dos progenitores das células granulares no cérebro
    • Proteína tumoral 53(p53): supressor tumoral
    • MYC: oncogene que codifica uma proteína nuclear multifuncional envolvida na regulação do crescimento celular, divisão celular, apoptose e metabolismo.
  • Cerca de 5%–6% dos doentes têm algum síndrome de predisposição familiar para o cancro, incluindo:
    • Polipose adenomatosa familiar (PAF): causada pela inativação de mutações no gene APC (que faz parte da via de sinalização do Wnt)
    • Síndrome dos basaliomas nevoides múltiplos (NBCCS): causado por mutações na linha germinal do gene PTCH1 (envolvido na sinalização de SHH)
    • Síndrome de Li-Fraumeni: resulta de mutações na p53
    • Outras mutações na linha germinativa, incluindo:
      • BRCA2
      • PALB2
      • GPR161

Apresentação Clínica

Os meduloblastomas surgem normalmente no cerebelo e, assim sendo, frequentemente os doentes apresentam sintomas cerebelares e, visto que a complicação mais comum do meduloblastoma é a hidrocefalia, sinais de aumento da pressão intracraniana (PIC).

  • Sinais e sintomas cerebelares:
    • Tumores cerebelares da linha média:
      • Ataxia da marcha: marcha de base ampla e/ou dificuldade com a marcha na posição pé-ante-pé
      • Ataxia truncal
      • Tremor involuntário da cabeça
      • Nistagmo
    • Tumores cerebelares laterais: falta de coordenação nos membros
      • Dismetria ao colocar o dedo no nariz
      • Tremor intencional
      • Dificuldades ao colocar o calcanhar no joelho
  • Sinais e sintomas de ↑ PIC:
    • Dores de cabeça noturnas ou matinais
    • Náuseas e vómitos intensos
    • Alteração do estado mental
    • Papiledema
  • O envolvimento do tronco encefálico pode levar a défices nos pares cranianos:
    • Diplopia
    • Perda de audição
    • Fraqueza facial
    • Inclinação da cabeça
  • As tonturas ou a visão dupla podem resultar do envolvimento do cerebelo, tronco encefálico ou pares cranianos.
  • Disseminação para as leptomeninges pode resultar:
    • Compressão da medula espinhal → paraplegia
    • Compressão da raiz do nervo → radiculopatia

Diagnóstico

Imagiologia

A ressonância magnética é o exame de imagem de escolha. Visto que 20%–25% dos doentes têm envolvimento espinhal ao momento do diagnóstico, está recomendada a realização de RM cerebral e da medula espinhal. Os achados incluem:

  • Massa cerebelar na linha média ou paramediana que realça com contraste.
  • As lesões frequentemente comprimem o 4º ventrículo → o que pode levar a hidrocefalia
  • Áreas de necrose, hemorragia ou alterações quísticas podem estar presentes.
  • Podem apresentar um realce nodular ou linear na medula espinhal:
    • Conhecida como disseminação leptomeníngea
    • Pode atingir a cauda equina num fenómeno conhecido como “metástases em gota”
  • No caso da realização da ressonância magnética estar contraindicada, a TAC pode ser realizada embora tenha uma menor sensibilidade.
Ressonância magnética craniana com um meduloblastoma cerebelar

Ressonância magnética craniana onde se pode ver um meduloblastoma cerebelar em corte sagital e coronal:
Corte sagital onde se pode ver um meduloblastoma na linha média da fossa posterior com uma intensidade de sinal intermédia. Existe obstrução ao fluxo do LCR, hidrocefalia marcada e edema.
Corte coronal com um meduloblastoma com realce homogéneo, que surge do hemisfério cerebelar direito com deslocamento do vérmis.

Imagem: “Pediatric medulloblastoma – update on molecular classification driving targeted therapies” por DeSouza RM, Jones BR, Lowis SP, Kurian KM. License: CC BY 3.0

Análise do fluido cerebroespinhal

A análise do fluido cerebroespinhal é importante na avaliação da presença metástases, pois cerca de ⅓ dos meduloblastomas metastizam através do LCR. Esses meduloblastomas mostram:

  • Células neoplásicas no exame citológico
  • Elevados níveis proteicos e pleocitose moderada (achados não específicos)
  • ↑ Risco de recaída e pior prognóstico
  • Nota: A maioria dos doentes apresenta ↑ PIC e/ou hidrocefalia, pelo que a punção lombar deve ser adiada até à recessão cirúrgica para evitar a herniação cerebral.

Histopatologia

O diagnóstico requer confirmação histopatológica no momento da ressecção cirúrgica.

  • Características macroscópicas:
    • Tumores bem circunscritos, cinzentos, macios e friáveis
    • Normalmente têm algum grau de necrose associado
  • Características microscópicas:
    • Tumores altamente celulares de coloração escura
    • Células pequenas com um citoplasma pequeno
    • Núcleos ovais ou redondos, hipercromáticos, alongados ou em forma de lua crescente.
    • Frequentemente alto índice mitótico
    • Rosetas de Homer Wright podem ser encontradas em cerca de 40% dos doentes.
  • Marcadores expressos ao exame histopatológico:
    • Sinaptofisina
    • Enolase específica de neurónios
    • Nestina (um marcador de células neuroepiteliais primitivas)
    • Coloração com beta-catenina nuclear: está presente na maioria dos tumores da via Wnt
    • Mutações no p53
Microfotografia de um meduloblastoma

Microfotografia de um meduloblastoma (H&E, ×20):
Imagem de tumor altamente celular composto por rosetas de células pequenas e redondas, com uma alta relação núcleo-citoplasma

Imagem: “Extra axial adult cerebellopontine angle medulloblastoma: An extremely rare site of tumor with metastasis” por Singh M, Cugati G, Symss NP, Pande A, Vasudevan MC, Ramamurthi R. License: CC BY 2.0

Tratamento e Prognóstico

Tratamento

O tratamento preferencial inclui uma combinação de ressecção cirúrgica, quimioterapia e radioterapia.

  • Objetivos do tratamento:
    • Remoção da lesão
    • Aliviar ↑ PIC
    • Prevenir a recorrência
  • Cirurgia tumoral com a ressecção máxima possível
  • Quimioterapia sistémica
  • Radioterapia crânio-espinhal (RT):
    • Altas doses de radiação estão associadas a um melhor controlo tumoral.
    • A radioterapia crânio-espinhal em crianças pode levar a:
      • Défices neurocognitivos significativos
      • Perda de audição
      • Anomalias de crescimento
      • Hipotiroidismo
      • Insuficiência adrenal
      • Hipogonadismo e infertilidade
    • A RT deve ser evitada ou administrada em doses mais baixas em bebés/crianças muito pequenas.
  • Para doenças de alto risco (doenças metastáticas, não ressecáveis ou recorrentes):
    • A terapia ideal é desconhecida.
    • Os doentes devem ser incluídos em estudos clínicos, se possível.

Prognóstico

  • Taxa de sobrevivência em crianças:
    • Com terapia combinada, cerca de 75% das crianças diagnosticadas com meduloblastoma sobrevivem até à idade adulta.
    • 5 anos de sobrevivência:
      • Crianças diagnosticadas antes dos 3 anos: 40%–50%
      • Se a doença for disseminada no momento do diagnóstico: 15%–30%.
  • Taxa de sobrevivência em adultos:
    • Taxa de sobrevivência de 5 anos: 65%
    • Taxa de sobrevivência de 10 anos: 52%
  • Os tumores de Wnt estão associados a um excelente prognóstico.
  • Fatores associados a um mau prognóstico:
    • Crianças mais novas (< 3 anos)
    • Doença disseminada ou metastática ao diagnóstico
    • Tumor residual após a intervenção
    • Histologia de células grandes ou anaplásica
    • Tumores não-Wnt/não-SHH dos grupos 3 e 4
  • Em cerca 80% dos sobreviventes, há morbilidades associadas ao tratamento, especialmente relacionadas com o uso da radioterapia crânio-espinhal.

Diagnóstico Diferencial

Os seguintes tumores de fossa posterior fazem diagnostico diferencial com o meduloblastoma:

  • Astrocitoma pilocítico: o 2º tumor cerebral mais frequente em crianças. A ressonância magnética ajuda na distinção do astrocitoma pilocítico de outros tumores. Um astrocitoma pilocítico é geralmente quístico com um nódulo mural ou tem necrose central com uma borda espessa de tecido de sustentação. Em contraste, e se presentes, os quistos dos meduloblastomas têm menores dimensões.
  • Ependimoma: tumor que surgem das células ependimárias do sistema ventricular, tipicamente na base do 4º ventrículo. Os tumores são normalmente intracranianos nas crianças e na medula espinhal nos adultos. Os ependimomas estendem-se mais frequentemente através dos forames de Luschka e de Magendie o que não é frequente no meduloblastoma. A ressonância magnética é o exame de imagem de escolha, mas é necessário um exame histopatológico para confirmação do diagnóstico. O tratamento dos ependimomas intracranianos assenta na ressecção cirúrgica e radioterapia adjuvante e/ou quimioterapia (em função da idade)
  • Tumor teratóide rabdóide atípico. (ATRT): tumor primário do SNC, raro e agressivo, que surge de células embrionárias e que se pode assemelhar a um meduloblastoma na RM. Os tumores teratóides rabdóides atípicos podem surgir em qualquer parte do SNC, mas nas crianças com < 3 anos normalmente localizam-se no cerebelo. Estes tumores contêm células neuroepiteliais, rabdoides, epiteliais e mesenquimais. Em comparação com os meduloblastomas, os ATRTs envolvem mais frequentemente os hemisférios laterais ou o ângulo cerebelopontino e os estes tumores contêm áreas hemorrágicas.

Referências

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  6. Pomeroy, SL. (2025). Treatment and prognosis of medulloblastoma. UpToDate. Retrieved April 14, 2025, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prognosis-of-medulloblastoma
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  8. Pfister, S, et al. (2009). Outcome prediction in pediatric medulloblastoma based on DNA copy-number aberrations of chromosomes 6q and 17q and the MYC and MYCN loci. J Clin Oncol. 27(10), 1627‒1636. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19255330/

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