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Má Absorção e Má Digestão

A má absorção acontece em muitas patologias nas quais existe uma incapacidade do intestino em absorver os nutrientes provenientes da ingestão alimentar, incluindo, eventualmente, água e/ou eletrólitos. Um termo que está intimamente relacionado, a má digestão, consiste na incapacidade em digerir grandes moléculas alimentares em componentes de menores dimensões. A má absorção e a má digestão podem envolver os macronutrientes (gorduras, proteínas e carbohidratos), os micronutrientes (vitaminas e minerais) ou ambos. Estas condições manifestam-se por perda ponderal, diarreia, fraqueza muscular e fadiga. Existem muitas etiologias, sendo que o tratamento deve ser dirigido para a causa subjacente, visando reduzir os sintomas.

Última atualização: Jan 18, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

A má digestão refere-se à incapacidade para fragmentar, no lúmen intestinal, moléculas alimentares de grandes dimensões em componentes menores.
A má absorção refere-se à incapacidade para transportar nutrientes através da mucosa intestinal para a circulação sanguínea. No entanto, o termo “má absorção” é frequentemente utilizado para referir estas duas condições, visto que os alimentos que não são adequadamente digeridos também não serão adequadamente absorvidos.

Classificação

Má absorção global:

  • Resulta de doenças associadas ao envolvimento generalizado da mucosa ou a uma superfície de absorção reduzida
  • A absorção de múltiplos nutrientes ocorre de forma inadequada.
  • Exemplo: na doença celíaca (DC)

Má absorção seletiva:

  • Resultados de doenças que interferem na absorção de um único nutriente ou de um conjunto limitado de nutrientes
  • Exemplo: Na anemia perniciosa, há comprometimento da absorção da vitamina B12.

Epidemiologia

  • A prevalência exata é desconhecida devido às múltiplas etiologias.
  • Prevalência em subgrupos específicos:
    • Doentes com pancreatite crónica grave: até 85%
    • Lactentes com fibrose quística (FQ): 85%
    • VIH/SIDA: 26%–45%
    • Neoplasia do pâncreas: 50%–100%

Etiologia

A má absorção resulta de diversos mecanismos.

  • Motilidade anormal causada por:
    • Gastroparesia diabética
    • Esclerose sistémica
    • Disfunção da tiroide
  • Ambiente anormal devido a:
    • Supercrescimento bacteriano no intestino delgado
    • Síndrome de Zollinger-Ellison (SZE) (hipersecreção de ácido gástrico resultando num ambiente com pH baixo)
  • Má digestão causada por:
    • Obstrução biliar e/ou colestase
    • Deficiência dos sais biliares
      • Cirrose hepática
      • Cirrose biliar primária
      • Supercrescimento bacteriano (determinadas bactérias podem desconjugar os sais biliares, tornando-os ineficazes)
    • Doenças pancreáticas:
      • Insuficiência pancreática exócrina
      • FQ
      • Pancreatite crónica
      • Neoplasia do pâncreas
    • Deficiências de dissacaridases:
      • Deficiência de lactase (resulta na intolerância à lactose)
      • Deficiência de sacarase
  • Epitelial GI anormal:
    • Epitélio anormal de forma aguda
      • Infeções intestinais agudas, como Giardia
      • Ingestão de álcool
    • Epitélio cronicamente anormal
      • DC
      • Doença inflamatória intestinal (DII): doença de Crohn e colite ulcerosa
      • Isquemia intestinal
      • Enterite rádica
      • Doença de Whipple
  • Doença infiltrativa: pode afetar tanto a motilidade quanto a capacidade de absorção
    • Linfoma
    • Sarcoidose
    • Amiloidose
    • Esclerose sistémica
  • Alterações pós-cirúrgicas do trato GI:
    • Má absorção de vitaminas após cirurgia bariátrica/ressecção gástrica
    • Má absorção de ácidos biliares após ressecção intestinal, incluindo cirurgias realizadas para:
      • Neoplasias malignas
      • Volvo
      • Isquemia intestinal
      • Enterite por doença de Crohn

Fisiopatologia

Fatores necessários para uma absorção eficaz

  • Digestão mecânica adequada
  • Síntese, secreção e atividade enzimática normais
  • Integridade da mucosa
  • Suprimento sanguíneo normal
  • Motilidade intestinal
  • Equilíbrio da flora microbiana
Tabela: Digestão e absorção de macronutrientes normal versus anormal
Tipo de nutriente Mecanismo normal Mecanismo anormal
Gorduras
  • As lipases produzidas no pâncreas digerem os triglicerídeos de cadeia longa em ácidos gordos e monoglicerídeos →
    • Combinação dos ácidos biliares com os fosfolipídios para formar as micelas
    • As micelas são absorvidas no jejuno proximal.
    • Os sais biliares permanecem no lúmen intestinal e são reabsorvidos no íleo terminal.
  • Os triglicerídeos de cadeia média são absorvidos diretamente.
  • Os ácidos gordos absorvidos combinados com proteínas, colesterol e fosfolipídios formam quilomícrons, que são transportados pelo sistema linfático.
  • As vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) são absorvidas nos quilomícrons com as gorduras.
  • A deficiência de lipases impede a digestão eficaz das gorduras.
  • Mais frequentemente devido à insuficiência pancreática
  • Resulta em:
    • Esteatorreia
    • Deficiências de vitaminas lipossolúveis
    • Diarreia (a presença de sais biliares não absorvidos no cólon estimula a secreção de água)
Proteínas
  • A pepsina produzida no estômago inicia a digestão das proteínas.
  • As proteases pancreáticas e as enterocinases presentes na bordadura em escova convertem as proteínas em oligopeptídeos.
  • Os aminoácidos, di- e -tripeptídeos são absorvidos via transportadores especializados.
  • A deficiência proteica pode resultar em atrofia muscular e edema.
Carbohidratos
  • A amilase salivar e pancreática inicia a digestão dos carbohidratos.
  • Outras enzimas presentes na bordadura em escova das microvilosidades (incluindo dissacaridases) digerem os carbohidratos em monossacarídeos.
  • Absorvidos via transporte passivo ou ativo
  • Os restantes carbohidratos são fermentados pelas bactérias no cólon.
  • Mais frequentemente devido à deficiência de dissacaridases (por exemplo, lactase)
  • As bactérias do cólon fermentam os carbohidratos não absorvidos em gases e ácidos gordos.
  • Resulta em flatulência, distensão abdominal e diarreia

Apresentação Clínica

Deve-se suspeitar de má absorção num doente com diarreia crónica, perda ponderal e/ou deficiências nutricionais inexplicáveis.

Manifestações clássicas da má absorção de micronutrientes

  • Diarreia
  • Esteatorreia (fezes pálidas, com cheiro fétido e volumosas com vestígios de gordura na sanita)
  • Flatulência (muitas vezes acontece nos primeiros 90 minutos após a ingestão de carbohidratos)
  • Perda ponderal não intencional
  • Fadiga e fraqueza devido à anemia
  • Distensão abdominal
  • Atraso no desenvolvimento ou deformidades esqueléticas nas crianças
  • Na desnutrição proteico-calórica grave podem estar presentes o edema, ascite e/ou derrame pleural.

Apresentações relacionadas com deficiências de micronutrientes específicos

  • Anemia: deficiência de B12, folato ou ferro
  • Hemorragia: deficiência de vitamina K
  • Dermatite: deficiência de vitamina B, C ou zinco
  • Neuropatias periféricas: deficiência de B1 ou da vitamina B12, ou, mais raramente, da vitamina E
  • Osteoporose: deficiência de cálcio e/ou vitamina D
  • Escorbuto: deficiência de vitamina C
  • Beribéri: deficiência de B1
  • Síndrome de Wernicke-Korsakoff: deficiência de B1
  • Pelagra (dermatite pigmentada associada a fotossensibilidade, diarreia e demência): deficiência de niacina (vitamina B3)
  • Cegueira noturna, xeroftalmia e hiperqueratose folicular: deficiência de vitamina A
  • Retinopatia e problemas neurológicos: deficiência de vitamina E

Diagnóstico

A investigação deve, num primeiro momento, determinar se a má absorção é global ou seletiva e, em seguida, tentar identificar a etiologia subjacente. Isto possível através da história clínica e exame objetivo, estudos laboratoriais e, em alguns casos, exames de imagem e endoscopia.

História clínica e exame objetivo

Frequentemente, a etiologia pode ser identificada a partir da história clínica.

História detalhada relativamente aos sintomas descritos acima, assim como:

  • Perda ponderal
  • Doença intestinal crónica
  • Ressecção intestinal
  • Cirurgia bariátrica
  • Cirurgia pancreática
  • Fatores de risco para doença celíaca
    • Diabetes mellitus tipo 1
    • História familiar de doença celíaca
  • Consumo de álcool em excesso
  • Úlcera péptica recorrente

Exame objetivo para:

  • Dermatite
  • Palidez
  • Caquexia
  • Icterícia
  • Neuropatia periférica
  • Perda de massa muscular
  • Dor ou distensão abdominal
  • Equimoses

Estudo laboratorial, exames de imagem e endoscopia

O estudo laboratorial e os exames de imagem devem ser solicitados com base na suspeita diagnóstica e podem incluir:

  • Pesquisa nas fezes de:
    • Gordura fecal
    • Elastase fecal (útil no diagnóstico de insuficiência pancreática)
  • Hemograma para excluir anemia, podendo identificar microcitose ou macrocitose
  • Ferro sérico e capacidade total de ligação do ferro
  • Níveis de folato e vitamina B12
  • Níveis de vitamina B1, se antecedentes de cirurgia de bypass gástrico
  • Níveis de 25-hidroxi vitamina D
  • Painel metabólico completo com o perfil hepático, cálcio e albumina
  • Tempo de protrombina (TP), que pode estar aumentado na má absorção da vitamina K (lipossolúvel)
  • Doseamento sérico dos anticorpos para a doença celíaca:
    • Anticorpos antitransglutaminase tecidual (tTG-IgA, pela sigla em inglês)
    • Anticorpos antiendomísio (EMA-IgA, pela sigla em inglês)
  • Teste respiratório do hidrogénio, caso exista suspeita de supercrescimento bacteriano no intestino delgado
  • Imagiologia:
    • Útil na suspeita de pancreatite crónica, patologia da vesícula biliar ou doença hepática
    • Normalmente, os achados não são específicos, nem sensíveis.
    • Considerar:
      • Colangeopancreatografia por ressonância magnética (CPRM)
      • Ecografia
      • TAC abdominal
  • Endoscopia digestiva alta e/ou colonoscopia
    • Se existir a suspeita de doença celíaca ou doença de Crohn após o estudo laboratorial
    • As biópsias podem ajudar a confirmar o diagnóstico.

Tratamento

  • Abordar e tratar a doença subjacente.
  • Administrar:
    • Fluidos e eletrólitos
      • Nos casos graves, pode ser necessário suplementar por via IV.
      • Os doentes com diarreia grave podem necessitar, continuamente, de soluções de reidratação oral.
    • Nutrientes: Para os doentes desnutridos está indicada a reposição calórica e proteica.
    • Vitaminas e minerais essenciais
      • A administração de vitaminas lipossolúveis pode ser particularmente desafiadora, pelo que estas devem ser monitorizadas de forma apertada.
      • Normalmente, nos doentes com má absorção de gorduras é necessário a suplementação com cálcio e magnésio.
  • Melhorar a qualidade de vida otimizando o controlo da diarreia; os fármacos antidiarreicos são:
    • Loperamida (Imodium)
    • Difenoxilato com atropina (Lomotil)
  • Intervenções dietéticas:
    • Evitar mais do que uma bebida que contenha cafeína por dia.
    • Evitar bebidas suplementadas com açúcar e sumos de frutas.
    • Evitar adoçantes artificiais, como o sorbitol e xilitol.
  • Monitorizar uma possível recorrência.

Diagnóstico Diferencial

  • Doença Celíaca (DC): a DC, também conhecida como sprue celíaco ou enteropatia por glúten, corresponde a uma reação autoimune à gliadina, componente do glúten. Normalmente, os doentes apresentam diarreia e sintomas relacionados com a má absorção (esteatorreia, perda ponderal e défices nutricionais). O rastreio para a DC é feito com o doseamento sérico de anticorpos e o diagnóstico é confirmado com a biópsia do intestino delgado. O tratamento consiste numa dieta sem glúten durante toda a vida.
  • Doença de Whipple: síndrome rara, caracterizada pela má absorção de gorduras, causada pela bactéria Tropheryma whipplei. Normalmente, os doentes apresentam os 4 sintomas característicos: perda ponderal, diarreia/esteatorreia, artralgias e dor abdominal; também é possível o aparecimento de outras manifestações sistémicas. O diagnóstico da doença de Whipple é feito com biópsia e o tratamento com antibióticos.
  • Sprue tropical: doença caracterizada por diarreia crónica, que envolve o intestino delgado e associada a má absorção de nutrientes, sobretudo de ácido fólico, vitamina B12, carbohidratos e gordura. Embora não tenha sido identificado nenhum agente patogénico responsável pelo sprue tropical, é provável que o crescimento excessivo e persistente de bactérias coliformes (por exemplo, Klebsiella, Escherichia coli e Enterobacter) no intestino delgado cause danos estruturais significativos e diarreia crónica.
  • Má absorção de ácidos biliares: diarreia relacionada com o excesso de ácidos biliares secretados no cólon em alguns doentes após colecistectomia, podendo exceder a capacidade de reabsorção do íleo terminal. O aumento da concentração de ácidos biliares no cólon é tratada de forma muito diferente (com resinas de ligação aos ácidos biliares, como a colestiramina ou o colestipol) comparativamente com o grande défice de absorção que resulta em esteatorreia. Nos doentes com má absorção de gorduras e esteatorreia, o tratamento adequado consiste no uso de ácidos biliares conjugados exógenos.
  • Doença de Crohn: doença inflamatória intestinal crónica e recorrente caracterizada por inflamação transmural e irregular, que pode envolver qualquer parte do trato gastrointestinal. Habitualmente, acomete o íleo terminal e o cólon proximal. Normalmente, a doença de Crohn manifesta-se por diarreia intermitente não sanguinolenta e cólicas abdominais. O diagnóstico é confirmado por endoscopia com biópsia. As complicações possíveis são, má absorção, desnutrição, obstrução intestinal ou formação de fístula e risco aumentado de neoplasia do cólon.
  • Sobrecrescimento bacteriano do intestino delgado: os doentes com sobrecrescimento bacteriano do intestino delgado apresentam sintomas inespecíficos, como distensão e desconforto abdominal, flatulência, ou esteatorreia. O diagnóstico é feito através do teste respiratório de carbohidratos e o tratamento consiste no uso de antibióticos adequados.
  • Insuficiência pancreática exócrina: nesta patologia ocorre uma diminuição severa da produção de enzimas pancreáticas como resultado de pancreatite crónica, ressecção cirúrgica, obstrução do ducto pancreático ou fibrose quística. A suspeita diagnóstica deve ser levantada em doentes com antecedentes de cirurgia e sintomas compatíveis com má absorção.
  • Síndrome do intestino curto: síndrome de má absorção mais frequentemente associada à ressecção intestinal extensa como resultado da doença de Crohn, obstrução intestinal, trauma, radioterapia ou insuficiência vascular. O comprimento curto do intestino associa-se a uma área de superfície insuficiente para a absorção de fluidos e eletrólitos. Normalmente, o doente apresenta diarreia, desequilíbrios eletrolíticos e desidratação. O tratamento inclui opções como agentes inibidores da motilidade, inibidores da secreção e nutrição parentérica total para os doentes que não apresentam suporte apenas com a alimentação por via oral.
  • Enteropatia perdedora de proteínas: também se manifesta por edema e hipoalbuminemia, com ou sem diarreia. No entanto, estes sintomas e sinais devem-se à perda de proteínas pelo trato gastrointestinal e não se relacionam com a má absorção.

Referências

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  2. Ruiz A. (2021). Overview of Malabsorption. Merck Manual Professional Version. Retrieved April 12, 2021, from https://www.merckmanuals.com/professional/gastrointestinal-disorders/malabsorption-syndromes/overview-of-malabsorption?query=malabsorption
  3. Zackria R and Lopez RA. (2021). Postcholecystectomy Syndrome. StatPearls. PubMed. Retrieved April 12, 2021, from  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK539902
  4. Hogenauer C, Hammer HF. Maldigestion and Malabsorption. In: Sleisenger and Fordtran’s Gastrointestinal and Liver Disease, (10th ed.), Feldman M, Friedman LS, Brandt LJ (Eds.), Saunders, Philadelphia, 2016, p. 1788.
  5. Vijayvargiya P, and Camilleri M. (2018). Current Practice in the Diagnosis of Bile Acid Diarrhea. Gastroenterology, 156 (5), pp. 1233–38. PubMed. Retrieved April 12, 2021, from https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30844373/
  6. Zuvarox T. (2021). Malabsorption Syndromes. StatPearls. Retrieved June 7, 2021 from https://www.statpearls.com/articlelibrary/viewarticle/24657/

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