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Isquemia Intestinal

A isquemia intestinal ocorre quando a perfusão sanguínea não é suficiente para suprir as necessidades dos intestinos, o que resulta em dano tecidual isquémico, que pode fatal caso ocorra necrose e/ou perfuração intestinal. Os sintomas podem variar, desde uma indigestão ou diarreia ligeiras, a dor abdominal intensa. Os exames de imagem, incluindo a TC e a angiografia, são utilizados para detetar estenoses ou oclusão. Na forma crónica da isquemia intestinal é importante o tratamento médico e a realização de procedimentos de revascularização (colocação de stents, cirurgia de bypass), enquanto nas formas agudas são necessárias intervenções urgentes para restabelecer o fluxo sanguíneo e remover qualquer tecido intestinal inviável. O atraso no diagnóstico e no tratamento da isquemia intestinal aguda resulta em alta mortalidade e complicações graves, como perfuração intestinal e sépsis.

Última atualização: Jan 18, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

A isquemia intestinal corresponde à diminuição do fluxo sanguíneo para os intestinos, com consequente hipoperfusão que pode levar a enfarte intestinal. Após, aproximadamente, 3 horas de isquemia, ocorre descamação da mucosa e após, aproximadamente, 6 a 12 horas, ocorre necrose.

Formas de isquemia intestinal

  • Colite isquémica (isquemia do cólon): hipoperfusão do intestino grosso
  • Isquemia mesentérica aguda: interrupção aguda do fluxo sanguíneo para o intestino delgado
  • Isquemia mesentérica crónica: hipoperfusão persistente ou episódica do intestino delgado

Epidemiologia

A isquemia intestinal, para todas as formas, afeta principalmente adultos com > 60 anos.

  • Colite isquémica: forma de isquemia intestinal mais frequente (aproximadamente 60%–70%)
  • Isquemia mesentérica aguda (IMA):
    • Para além de afetar adultos mais velhos, também pode ocorrer em pessoas mais jovens com:
      • Fibrilação auricular (FA)
      • Estados de hipercoagulabilidade
    • Taxas de mortalidade:
      • O enfarte mesentérico oclusivo tem uma taxa de mortalidade ↑↑ (aproximadamente 60%)
      • A doença não oclusiva apresenta uma taxa de mortalidade inferior
  • Isquemia mesentérica crónica: ↓ incidência

Isquemia Mesentérica Aguda e Colite Isquémica

Etiologia

A isquemia intestinal aguda resulta da redução do fluxo sanguíneo, tanto no cólon como no intestino delgado. As causas são:

Obstrução do vaso devido a:

  • Embolia arterial aguda (aproximadamente 50%):
    • Fibrilhação auricular
    • Doença cardíaca valvular (por exemplo, endocardite infecciosa)
    • Embolia de colesterol por rotura de placas arteriais
    • Embolia de ar (pode ocorrer na neurocirurgia)
  • Trombose arterial (15%–25%):
    • Aterosclerose
    • Arterite
    • Aneurisma ou dissecção da aorta
  • Trombose venosa nos vasos mesentéricos (aproximadamente 5% e raramente envolve o cólon). Os fatores de risco incluem:
    • Neoplasias malignas
    • Estados de hipercoagulabilidade/trombofilias
    • Infeções/inflamação
    • Tratamento com estrogénios (por exemplo, pílulas anticoncecionais orais)
  • Compressão vascular por tumores ou aderências

A isquemia mesentérica não oclusiva (20%–30%) pode ocorrer devido a:

  • Hipotensão/choque
  • Hipovolemia por perda sanguínea aguda
  • Trauma abdominal com laceração vascular
  • Sépsis
  • Vasoconstrição excessiva, que pode ser causada por:
    • Insuficiência cardíaca congestiva
    • Vasculite
    • Fármacos vasopressores
    • Abuso de cocaína

Fisiopatologia

  • Mecanismos:
    • Hipoperfusão → hipóxia intestinal → lesão/inflamação da parede intestinal
    • Pode progredir para enfarte e necrose dentro de 6 a 12 horas
    • A obstrução venosa pode levar a volvo (torção do intestino) ou encarceramento, que resultam em hipoperfusão.
  • Locais frequentemente envolvidos na IMA:
    • Artéria mesentérica superior (AMS)
      • 90% dos casos
      • Irrigação: duodeno distal, jejuno, íleo e cólon até à flexura esplênica
    • Veia mesentérica superior: drena o sangue do intestino delgado
    • Artéria mesentérica inferior (AMI) (raro)
    • Artéria celíaca (raro)
  • Locais envolvidos na colite isquémica: tende a ocorrer em áreas de interface da irrigação que apresentam circulação colateral limitada
    • A flexura esplênica localiza-se entre as regiões irrigadas pelos seguintes vasos:
      • AMS
      • AMI
    • A junção retossigmóide localiza-se entre as regiões irrigadas pelos seguintes vasos:
      • AMI
      • Artéria retal superior
Áreas de bacias hidrográficas do cólon

Áreas de circulação de interface no cólon

Imagem por Lecturio.

Apresentação clínica

  • Dor abdominal:
    • IMA:
      • Achado clássico: início súbito de dor abdominal desproporcional aos achados ao exame físico (ou seja, na fase inicial da apresentação têm dor intensa, sem sinais de irritação peritoneal).
      • Dor abdominal difusa
      • A dor abdominal focal aumenta em intensidade caso nenhum tratamento seja iniciado (devido à inflamação/enfarte local).
    • Colite isquémica:
      • Início rápido de dor abdominal ligeira no local sobre o qual se localiza a porção do intestino comprometido
      • Mais frequente à esquerda
  • Outros achados comuns:
    • Náusea ou vómitos
    • Diarreia, que pode ser sanguinolenta em estadios avançados, sugerindo enfarte
    • Distensão abdominal
    • Ruídos hidroaéros diminuidos ou ausentes
  • Se presença de necrose e/ou perfuração:
    • Sinais de irritação peritoneal: abdómen em tábua com defesa e dor à descompressão
    • Choque séptico: febre, hipotensão, sinais de lesão órgão-alvo
  • Trombose venosa: o início dos sintomas ocorre mais gradualmente

Diagnóstico

Os doentes com exame físico sugestivo de enfarte intestinal devem ser observados, com emergência, por cirurgia. Caso o doente esteja suficientemente estável, deve ser realizado um exame de imagem.

  • Angiografia por TC (1.ª linha): deteta a interrupção do fluxo sanguíneo e estenoses vasculares; podem ser visualizados os seguintes achados:
    • Ausência de realce da parede intestinal
    • Pneumatose intestinal: ar na parede intestinal
    • Gás na veia porta
    • Distensão das ansas intestinais
    • Espessamento da parede intestinal
    • Níveis hidroaéreos
    • Sinal do duplo halo (também conhecido como o sinal do alvo): realce anormal da parede intestinal (observado na colite isquémica)
  • Angiografia por RM:
    • Achados semelhantes aos observados na angiografia por TC
    • Vantagens: Mais sensível e específica do que a TC
    • Desvantagens: Menos prática, devido ao custo e duração na obtenção das imagens
  • Caso o diagnóstico não esteja esclarecido, pode ser realizada uma angiografia mesentérica:
    • Vantagens: permite o tratamento e diagnóstico concomitante; considerado o método tradicional gold standard
    • Desvantagens: invasivo, requer contraste intravenoso e nem sempre está disponível
  • Os achados laboratoriais podem incluir:
    • ↑ Lactatos
    • Acidose metabólica
    • ↑ Níveis de amilase e fosfato
    • Hemograma: leucocitose, possível anemia (sobretudo na colite isquémica)
  • ECG: para investigar a existência de arritmias (por exemplo, fibrilação auricular), que podem ter estado na origem de um evento embólico
  • Colonoscopia:
    • Pode ser útil no diagnóstico de colite isquémica
    • Achados possíveis:
      • Palidez ou cianose da mucosa
      • Petéquias, hemorragia

Tratamento

  • Objetivos:
    • Restabelecer o fluxo sanguíneo
    • Reduzir o vasoespasmo
    • Reduzir a propagação do coágulo
  • Reanimação e estabilização:
    • Oxigenoterapia: entubar, se necessário
    • Fluidos IV
    • Transfusão de componentes sanguíneos, conforme necessário
    • Se possível, devem ser evitados os agentes vasoconstritores.
    • Sonda nasogástrica e repouso intestinal
    • Controlo da dor
  • Antibióticos IV de largo espectro:
    • Ceftriaxone
    • Ciprofloxacina em combinação com o metronidazol
  • Anticoagulação:
    • Pode ser utilizada se existir um coágulo e na ausência de hemorragia ativa
    • Normalmente, realizada com infusão de heparina
  • Cirurgia/procedimentos:
    • Revascularização cirúrgica: embolectomia, bypass vascular, angioplastia e/ou colocação de stent
    • Resseção do intestino com necrose e/ou perfurado
    • Angiografia mesentérica, que pode incluir infusões de:
      • Vasodilatadores (por exemplo, papaverina) para aliviar a oclusão e o vasoespasmo
      • Fibrinolíticos para dissolver os coágulos
  • Medidas preventivas de longo prazo utilizadas para minimizar a formação de coágulos no futuro:
    • Anticoagulação em doentes com fibrilação auricular
    • Cessação tabágica
    • Otimizar o tratamento de patologias que aumentam o risco cardiovascular (por exemplo, hipertensão, dislipidemia, diabetes mellitus).
    • Investigação de trombofilias em doentes com trombose e tratamento adequado com base nos achados (normalmente, anticoagulação a longo prazo)

Complicações

  • Lesão de reperfusão:
    • Pode ocorrer posteriormente a um período de isquemia, após o restabelecimento do fluxo sanguíneo
    • Mecanismo complexo que envolve a libertação de produtos tóxicos resultantes da lesão isquémica e a ativação dos neutrófilos
    • Pode levar à falência multiorgânica.
  • Perfuração:
    • As áreas do intestino com necrose podem perfurar, libertando o seu conteúdo para a cavidade abdominal.
    • Alta taxa de mortalidade

Isquemia Mesentérica Crónica

Etiologia

A isquemia mesentérica crónica resulta de doença vascular crónica, que pode ser causada por:

  • Aterosclerose
  • Hipertensão arterial
  • Tabagismo
  • ↑ LDL
  • Diabetes mellitus

Fisiopatologia

  • Aterosclerose progressiva de ≥ 2 artérias principais → o fluxo sanguíneo não é suficiente para suprir as necessidades metabólicas do intestino (especialmente após uma refeição)
    • Leva à dor pós-prandial
    • As artérias principais envolvidas são, a AMS, AMI e a artéria celíaca
    • Quando ocorre apenas o compromisso de uma artéria principal, podem ser estabelecidas comunicações colaterais entre as artérias para compensar a ↓ do fluxo.
  • Para além da estenose, a formação súbita de um trombo pode levar à isquemia mesentérica aguda sobre a isquemia crónica.

Apresentação clínica

  • Dor em cólica, pós-prandial e epigástrica: começa na 1.ª hora após a ingestão alimentar e resolve nas 2 horas seguintes
  • Aversão alimentar e perda ponderal
  • Outros sintomas podem ser, náuseas, saciedade precoce e diarreia.
  • O exame físico pode revelar a presença de sopro abdominal.
  • O doente pode ser assintomático, devido ao suprimento sanguíneo colateral

Diagnóstico

  • A suspeita clínica é baseada na história e exame físico
  • A angiografia por TC (gold standard) ou a ecografia com Doppler são utilizadas para identificar doença vascular aterosclerótica e excluir outras patologias abdominais.
Angiografia por tc mostrando estenose da artéria mesentérica superior

Isquemia mesentérica crónica: a imagem corresponde a uma angiografia por TC onde é possível visualizar a estenose da artéria mesentérica superior

Imagem: “Figure 1” de Spangler et al. Licença: CC BY 4.0

Tratamento

  • Redução do risco:
    • Cessação tabágica
    • Hábitos de vida saudáveis
    • Tratar as patologias crónicas (por exemplo, hipertensão, dislipidemia, diabetes)
  • Suporte nutricional
  • Revascularização cirúrgica:
    • Técnicas endovasculares (por exemplo, angioplastia ou colocação de stent): 1.ª linha para doentes sintomáticos
    • Cirurgia aberta (por exemplo, bypass vascular ou endarterectomia)
  • Considerar tratamento anticoagulante.

Diagnóstico Diferencial

Dado que a isquemia intestinal apresenta-se, normalmente, com dor abdominal, o diagnóstico diferencial inclui:

  • Apendicite: inflamação aguda do apêndice. Os sintomas são, dor periumbilical que migra para o QID, febre, anorexia, náuseas e vómitos, e também, frequentemente, obstipação. O diagnóstico é clínico, embora a tomografia computadorizada possa ser utilizada caso existam dúvidas. O tratamento padrão é a apendicectomia, embora o uso de antibióticos possa ser importante em determinados casos.
  • Obstrução intestinal: interrupção da passagem do conteúdo intraluminal através do intestino delgado. Tipicamente, a obstrução intestinal manifesta-se por náuseas, vómitos, dor abdominal, distensão e obstipação intestinal. O diagnóstico é estabelecido por exames de imagem. A maioria dos casos irá resolver com tratamento de suporte (repouso intestinal, hidratação intravenosa e descompressão nasogástrica). No entanto, para os casos persistentes ou complicados é necessária realizar cirurgia.
  • Diverticulite: inflamação dos divertículos (protrusões da parede intestinal, frequentemente no cólon). Habitualmente, a diverticulite manifesta-se com dor abdominal inferior e alterações dos hábitos intestinais. Esta patologia pode complicar, ainda mais, com formação de abcesso, perfuração, fístula e obstrução intestinal. O tratamento consiste no uso de antibióticos, ressuscitação volêmica e repouso intestinal. Na presença de complicações é necessário realizar cirurgia.
  • Pancreatite aguda: doença inflamatória do pâncreas causada, habitualmente, por cálculos biliares e/ou uso excessivo de álcool. Normalmente, os doentes apresentam dor epigástrica com irradiação dorsal. O diagnóstico é feito pelos níveis da lipase sérica 3 vezes superiores ao limite superior do normal ou pela presença de achados radiográficos característicos. O tratamento consiste na hidratação intravenosa agressiva, analgesia, suporte nutricional e tratamento da causa subjacente.
  • Pancreatite crónica: inflamação persistente, fibrose e dano celular irreversível no pâncreas. As etiologias mais frequentes da pancreatite crónica são o abuso de álcool e a obstrução do ducto pancreático. Os doentes apresentam dor abdominal epigástrica recorrente, náuseas e manifestações compatíveis com síndrome de má absorção. Os achados observados na TC incluem atrofia pancreática, ductos pancreáticos dilatados e calcificações pancreáticas. O tratamento consiste na cessação do consumo de álcool, alterações dietéticas, controlo da dor e tratamento da insuficiência pancreática.
  • Colecistite: inflamação da vesícula biliar, normalmente causada pela obstrução do ducto cístico (colecistite aguda). Habitualmente, a colecistite aguda apresenta-se com dor no quadrante superior direito, febre e leucocitose. O diagnóstico é feito clinicamente e confirmado com ecografia. O tratamento definitivo é a colecistectomia.
  • Síndrome Coronária Aguda (SCA): formação de coágulos que causam obstrução do fluxo sanguíneo para as artérias coronárias. Os sintomas incluem aperto torácico e falta de ar. O tratamento consiste no uso de fármacos, como anticoagulantes, fribinolíticos e/ou betabloqueadores. Dependendo da gravidade, pode ser necessário realizar cateterismo cardíaco e angioplastia com balão.
  • Dissecção aórtica: também se pode manifestar com dor epigástrica intensa de início súbito. A dor associada à dissecção da aorta é tipicamente uma dor torácica dilacerante com irradiação dorsal. Outras características, como pressão arterial assimétrica e frequência cardíaca superior à frequência de pulso (déficit de pulso) num 1 braço, podem ajudar a diferenciar a dissecção aórtica da isquemia mesentérica aguda, embora também seja possível que uma dissecção aórtica cause uma isquemia mesentérica não oclusiva.
  • Gravidez ectópica: implantação do óvulo fertilizado fora da cavidade uterina, habitualmente nas trompas de Falópio. O crescimento fetal pode causar dor abdominal e/ou hemorragia vaginal. A gravidez ectópica pode ser diagnosticada por ecografia e doseamento laboratorial dos níveis quantitativos de hCG ao longo do tempo. O tratamento das gravidezes ectópicas sem rotura pode ser expectante, médico ou cirúrgico. As gravidezes ectópicas rotas são emergências cirúrgicas.

Referências

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  2. Khan, A. (2016). Ischemic colitis imaging. Emedicine. Retrieved April 27, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/366808-overview
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  4. Alrayes, A. (2019). Chronic mesenteric ischemia. UpToDate. Retrieved April 26, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-intestinal-ischemia-in-adults
  5. Hundscheid, I.H., Grootjans, J., Lenaerts, K., et al. (2015). The human colon is more resistant to ischemia-reperfusion-induced tissue damage than the small intestine: an observational study. Ann Surg 262:304–311. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25915914/
  6. Greenwald, D.A., Brandt, L.J. (1998). Colonic ischemia. J Clin Gastroenterol 27:122–128. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9754772/
  7. Cappell, M.S. (1998). Intestinal (mesenteric) vasculopathy. I. Acute superior mesenteric arteriopathy and venopathy. Gastroenterol Clin North Am 27:783–825. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9890114/

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