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Insónia

A insónia é uma perturbação do sono caracterizada pela dificuldade no início, manutenção e consolidação do sono o que causa prejuízo funcional. Os doentes podem apresentar-se com dificuldade em adormecer, em manter o sono ou em voltar a adormecer após acordar durante a noite, podem despertar-se antes do horário habitual ou sentirem-se cansados ao acordar. A doença pode ser aguda (< 3 meses) e pode progredir para a forma crónica (≥ 3 meses). Existem múltiplos fatores de risco para insónia, incluindo doenças médicas, perturbações psiquiátricas, medicamentos e um mau ambiente do sono. O diagnóstico inicia-se com a colheita de uma história clínica completa e detalhada e com auxiliares de diagnóstico (diário do sono, questionário de problemas do sono). A 1ª linha de tratamento é não farmacológica, ou seja, a identificação dos agentes de stress, a implementação de uma boa higiene do sono e terapia cognitiva comportamental. Os fármacos são utilizados em conjunto com as intervenções não farmacológicas ou após falha do tratamento inicial.

Última atualização: Nov 1, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Definição e Classificações

Definição

Insónia é a perceção subjetiva da dificuldade para iniciar ou manter o sono, ou de uma má qualidade de sono apesar de oportunidades adequadas para dormir, o que leva a prejuízo funcional durante o dia.

Classificações

Por duração:

  • Insónia aguda (< 3 meses):
    • Insónia transitória ou de curto prazo
    • Devido a um certo desencadeador (ou seja, ambiente de sono, doença) e geralmente associado a ansiedade ou a mudanças de vida
    • Pode evoluir para a forma persistente ou crônica
  • Insónia crónica (≥ 3 meses)
    • Inclui a insónia primária e a comórbida
    • Pode surgir acompanhada de fraqueza muscular, alucinações e visão dupla.

Pelo modo como o sono é prejudicado:

  • Insónia inicial: dificuldade em adormecer no início da noite
  • Insónia de manutenção do sono: dificuldade manter o sono
  • Insónia terminal: envolve o despertar antes do horário habitual e a incapacidade para retomar o sono
  • Insónia paradoxal:
    • Percepção errada do estado do sono
    • Dissociação entre a qualidade do sono relatada pelo doente e os achados objetivos da polissonografia (que são normais)

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Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

  • Pelo menos 30% dos doentes em ambulatório relatam sintomas de insónia.
  • Mais frequente no sexo feminino e em adultos mais velhos
  • Prevalência aumentada nos indivíduos desempregados, divorciados ou viúvos

Fatores de risco

  • Má higiene do sono:
    • Horário de sono irregular
    • Usar a cama para trabalhar, comer ou ver televisão
    • Sestas, especialmente depois das 15h
    • Atividades estimulantes (por exemplo, exercícios) antes de dormir
  • Fatores ambientais como o ruído, luz e temperaturas extremas
  • Perturbações subjacentes ao sono (e.g., síndrome das pernas inquietas)
  • Insónia comportamental (i.e., alteração do ciclo do sono) como, por exemplo, resultado do jet lag ou de trabalho por turnos
  • Condições médicas ou doenças:
    • Diabetes
    • DRGE
    • Hipertiroidismo
    • Asma
    • Doença de Alzheimer
    • Menopausa (i.e., sintomas vasomotores)
    • Dor crónica
  • Perturbações de saúde mental:
    • Depressão
    • Perturbações de ansiedade
    • SSPT
  • Abuso de substâncias/induzida por medicamentos:
    • Cafeína
    • Nicotina
    • Álcool
    • Anfetaminas
    • Modafinil
    • Descontinuação de benzodiazepinas ou opiáceos

Fisiopatologia

  • No cérebro existem várias estruturas envolvidas no controlo do estado de vigília e do sono.
  • As células promotoras do sono no tronco cerebral e no hipotálamo (contendo o núcleo supraquiasmático (SCN)) facilitam a redução da atividade dos centros de excitação.
  • Neurotransmissores que desempenham papéis importantes na insónia:
    • Diminuição do neurotransmissor inibitório (GABA) no tronco encefálico
    • Ativação do SNC e inibição da melatonina produzida pela glândula pineal
    • Aumento dos níveis das hormonas de stress, como o cortisol
  • Teoria de hiperarousal:
    • Aumento da excitação cerebral durante o sono sem movimento rápido dos olhos (NREM).
    • Ativação de áreas-chave do cérebro que uma vez ativadas levam à inibição das vias cerebrais que induzem o sono
  • Modelo cognitivo-comportamental:
    • As condições predisponentes (por exemplo, ansiedade) interagem com fatores precipitantes como a doença e o luto o que aumenta o risco de insónia.
    • Fatores perpetuadores (por exemplo, comportamentos diurnos, maus horários de sono) contribuem para manter a insónia.
    • O modelo “3P”: predisposição, precipitação e perpetuação da insónia crónica

Apresentação Clínica e Diagnóstico

Sintomas

  • Dificuldade em adormecer
  • Sonolência diurna
  • Fadiga e cansaço geral
  • Problemas de concentração ou de memória
  • Irritabilidade
  • Aumento dos erros ou acidentes

Auxiliares de diagnóstico

  • História:
    • História médica e psiquiátrica
    • História do sono
    • Entrevista do companheiro de cama sobre a quantidade e qualidade do sono do doente
  • Exame físico e neurológico (ajuda a determinar condições comórbidas)
  • Ferramentas de auto-relato (por exemplo, questionários sobre problemas do sono)
  • Diário de sono: deve ser realizado durante 2-4 semanas para uma avaliação dos padrões de sono
  • Polissonografia:
    • Não é necessário para o diagnóstico
    • Utilizado para descartar outras perturbações do sono

Critérios de diagnóstico

  • Dificuldade em iniciar/manter o sono
  • Despertar antes do horário habitual com incapacidade de voltar a dormir
  • Dificuldade funcional:
    • Alterações nas relações social
    • Défice no desempenho ocupacional
    • Alterações comportamentais
  • Frequência dos sintomas relacionados com o sono ≥ 3 noites/semana
  • Duração dos sintomas relacionados com o sono ≥ 3 meses
  • As dificuldades relacionadas com sono ocorrem apesar de oportunidades adequadas para dormir
  • Ausência de outras comorbilidades relacionadas com o sono
  • Ausência de qualquer condição médica, condição psiquiátrica ou abuso de substâncias que possam contribuir para o sono desregulado.

Tratamento

Tratamento não farmacológico

  • Insónia aguda ou de curto prazo:
    • Identificar os agentes de stress e tratar de acordo.
    • Uso de medicação(s):
      • Se a insónia interferir com a função diurna
      • Temporário
  • Insónia crónica:
    • Melhorar a higiene do sono:
      • Evitar álcool, bebidas com cafeína e refeições grandes pelo menos 4 horas antes de dormir.
      • Prática regular de exercício físico, mas não muito perto da hora de dormir (3 horas).
      • Evitar dormir a sesta ou dormir durante o dia.
      • Usar a cama apenas para dormir/sexo (não comer/ver televisão/ ou usar o telemóvel na cama).
      • Reduzir a exposição à luz na hora de dormir.
    • Terapia cognitivo-comportamental:
      • 1ª linha de tratamento
      • O objetivo é aumentar a eficiência do sono, ajudar a lidar com pensamentos mal adaptativos e promover uma rotina estável de horas de sono/despertar.
      • Definir uma hora para dormir todos os dias (i.e., seguir um horário de sono)
      • Restrição do sono: reduzir o tempo na cama para o total de horas de sono
      • Controle dos estímulos: se o doente se torna ansioso quando não consegue dormir deve sair da cama
      • Higiene do sono
  • Tratar qualquer dor subjacente, depressão ou outras comorbilidades antes do tratamento intensivo do sono.

Tratamento farmacológico

  • Agonistas recetores de benzodiazepinas hipnóticos (BZRAs):
    • Mecanismo: atua no recetor GABA sem afinidade específica com os diferentes subtipos de GABA
    • Alto risco de tolerância, abuso e dependência bem como de défices cognitivos aquando de terapias a longo prazo.
    • Exemplos:
      • Temazepam
      • Clonazepam
      • Triazolam
  • BZRAs não benzodiazepínicos:
    • Mecanismo:
      • Agonistas recetores de benzodiazepinas que atuam nos recetores GABA (semelhantes aos benzodiazepínicos)
      • Afinidade seletiva (subtipos GABA-A) o que reduz os efeitos adversos
    • Menos efeitos adversos e menor potencial de abuso do que as benzodiazepinas
    • Exemplos:
      • Zolpidem
      • Zaleplon
      • Eszopiclone
  • Antagonistas duplos recetores da orexina:
    • Mecanismo:
      • A orexina/sistema hipocretino promove a excitação ou a vigília.
      • Os antagonistas dos recetores de orexina contrabalançam o despertar noturno mediado pela orexina.
    • Exemplos: lemborexant, suvorexant
  • Agonistas da melatonina:
    • Mecanismo: A melatonina é uma hormona natural associada ao estabelecimento do ritmo circadiano e do ciclo sono-vigília.
    • Exemplos:
      • Melatonina: hormona natural (venda livre)
      • Ramelteon: agonista dos recetores de melatonina altamente seletivo que apresenta uma maior afinidade e seletividade do que a melatonina
  • Antagonista dos recetores de histamina:
    • Mecanismo: Antagonista do receptor H1 produzindo sedação
    • Exemplo: doxepina
  • Antidepressivos com propriedades sedativas:
    • O mecanismo exato de ação é desconhecido, mas pensa-se que funcionam através de efeitos anti-histamínicos e serotonínicos
    • Utilização off-label
    • Exemplos:
      • Trazodona
      • Mirtazapina
      • Amitriptilina
      • Doxepina

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Diagnóstico Diferencial

  • Narcolepsia: uma perturbação do sono caracterizada por uma sonolência diurna excessiva e pelo adormecer em momentos inapropriados. A narcolepsia está associada a alucinações (hipnagógicas e hipnopômpicas, que ocorrem ao adormecer e ao acordar do sono, respetivamente) e cataplexia (perda do tónus muscular desencadeada emocionalmente). A narcolepsia deve ser excluída (através da obtenção de uma história detalhada e de estudos de sono) antes de um diagnóstico de insónia primária poder ser estabelecido.
  • Perturbações do sono-vigília do ritmo circadiano: um grupo de condições marcadas por padrões recorrentes de perturbações do sono. Estas condições podem ser devidas a uma alteração do sistema circadiano ou a um desalinhamento entre o ritmo circadiano interno e o ambiente de sono. O tipo “fase do sono atrasada” manifesta-se como atraso no início do sono e do despertar. A qualidade e a duração do sono estão preservadas. No tipo “fase do sono avançada” há um início precoce do sono e do despertar. O diagnóstico é geralmente clínico. Ao contrário destas condições, na insónia o doente tem dificuldade em adormecer a qualquer momento.
  • Hipertiroidismo: causado por um excesso de hormonas tiroideas T3 e T4. As características clínicas do hipertiroidismo devem-se ao aumento da taxa metabólica do organismo. Dificuldade em adormecer é um sintoma típico desta doença. Exames laboratoriais básicos (com TSH) devem ser realizados para descartar esta condição antes de um diagnóstico de insónia primária poder ser estabelecer.
  • Perturbação de ansiedade generalizada (PAG): preocupações múltiplas e crónicas que são irracionais e incontroláveis. Esta perturbação está associado à fadiga, a baixos níveis de concentração, a irritabilidade e a distúrbios do sono. Outras perturbações de ansiedade (por exemplo, fobias, perturbação de ansiedade social, SSPT) também podem causar perturbações do sono. A colheita de uma história clínica completa deve excluir a presença de perturbações de ansiedade antes de se fazer um diagnóstico de insónia primária.

Referências

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  2. Claman D, Okeson K, Singer C. (2019). Sleep disorders. https://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?bookid=2747&sectionid=230251345
  3. Conroy D. (2021). Paradoxical Insomnia. Medlink. Retrieved June 6, 2021, from https://www.medlink.com/articles/paradoxical-insomnia
  4. Kaur H, Spurling BC, Bollu PC. (2020). Chronic Insomnia. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK526136/
  5. Neubauer, D. (2020). Pharmacotherapy for insomnia in adults. UpToDate. Retrieved March 28, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/pharmacotherapy-for-insomnia-in-adults
  6. Sadock BJ, Sadock VA, Ruiz P. (2014). Kaplan and sadock’s synopsis of psychiatry: Behavioral sciences/clinical psychiatry (11th ed.). Chapter 16, Sleep-wake disorders, pages 533-563. Philadelphia, PA: Lippincott Williams and Wilkins.
  7. Williams J, Roth A, Vatthauer K, McCrae CS. (2013). Cognitive behavioral treatment of insomnia. Chest, 143(2), 554–565. https://doi.org/10.1378/chest.12-0731
  8. Winkelman, J. (2021) Overview of the treatment of insomnia in adults. UpToDate. Retrieved June 6, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-the-treatment-of-insomnia-in-adults

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