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Infeção do Trato Urinário em Crianças

As infeções do trato urinário (ITU) são vistas com frequência em crianças. As infeções do trato urinário podem apresentar-se como cistite, pielonefrite ou bacteriúria assintomática, e a sua apresentação clínica pode variar muito dependendo da idade do paciente. A E. coli fecal é o agente patogénico mais comum. As vias de infeção podem ser ascendentes (mais comuns) ou hematogénicas. Suspeita-se de infeção do trato urinário com base nos sintomas de ITU inferiores (disúria, frequência) ou superiores (febre) e nos resultados positivos da análise de urina. A urocultura confirma o diagnóstico. A maioria dos casos responde a antibioterapia oral. Nos casos refratários ou recorrentes é necessária uma investigação mais aprofundada através de exames de imagem e, por vezes, internamento hospitalar.

Última atualização: Mar 27, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Definição e Classificação

Definição

Uma infeção do trato urinário (ITU) é uma infeção (mais frequentemente bacteriana, mas, raramente, também viral e fúngica) de qualquer parte do sistema urinário, incluindo a uretra, a bexiga, os ureteres ou os rins.

Classificação

  • Pielonefrite (ITU superior): infeção que envolve os ureteres e os rins
  • Cistite (ITU inferior): infeção da bexiga sem envolvimento renal
  • Bacteriúria assintomática: urocultura positiva sem sintomas

Epidemiologia e Fatores de Risco

Epidemiologia

Prevalência da ITU:

  • Depende da idade: os bebés (rapazes < 1; raparigas < 4) têm uma maior prevalência de ITU do que as crianças mais velhas.
  • Dependente do sexo: a proporção masculino:feminino é de 1:2 no 1º ano, aumenta para 1:10 para após os 1-2 anos.
  • Dependente da anatomia: a prevalência é 8 vezes menor em rapazes circuncisados do que em rapazes não circuncisados.
  • Dependente da origem étnica: as crianças brancas têm uma prevalência maior do que as crianças negras.

Fatores de risco

  • Adquiridos:
    • Antibioterapia recente
    • Atividade sexual (considerar nos adolescentes)
    • Disfunção intestinal (obstipação pediátrica)
    • Algaliação
    • Imunossupressão
  • Inatos:
    • Anomalias estruturais do trato urinário que levam à obstrução
    • Esvaziamento disfuncional (bexiga neurogénica)
    • Genética (crianças com parentes de 1º grau com história de ITU pediátrica têm maior probabilidade de ter ITU)

Etiologia e Fisiopatologia

Etiologia

  • Bacteriana:
    • Escherichia coli (75%90%)
    • Klebsiella
    • Proteus
    • Enterococcus faecalis
    • Staphylococcus saprophyticus
    • Streptococcus do grupo B (recém-nascidos)
    • Pseudomonas
  • Fungos (especialmente com instrumentação):
    • Candida spp
    • Asperigillus spp
    • Cryptococcus neoformans
  • Viral: adenovírus e outros vírus (visto na cistite com hematúria macroscópica)

Fisiopatologia

Anatomia do trato urinário e/ou dinâmica urinária normais:

  • Infeção ascendente
    • Agentes patogénicos urinários (mais frequentemente da flora fecal) colonizam a área periuretral → ascendem até à bexiga via uretra
    • Se o agente patogénico chegar aos rins via ureter → pielonefrite ou ITU superior
    • A infeção pode ocasionalmente entrar no sangue → septicemia
  • Infeção hematogénica
    • Septicemia → ITU
    • Raramente visto, geralmente em pacientes imunocomprometidos

Anatomia do trato urinário e/ou dinâmica urinária anormais:

  • A estase urinária leva ao crescimento de agentes patogénicos e ITU
    • Anomalias anatómicas que levam à obstrução (obstrução da junção ureteropélvica, válvulas uretrais posteriores)
    • Anomalias neurológicas que levam ao atraso no esvaziamento
  • Refluxo vesicoureteral (RVU): fluxo de urina retrógrado desde a bexiga ao longo dos ureteres
    • Causa comum e importante das ITU febris que levam à pielonefrite em crianças
    • Tem múltiplas etiologias
    • Leva a cicatrizes renais se não for tratada
Itu ascendente e hematogénica

ITU ascendente e hematogénica

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

Bebés e crianças pequenas

  • Sintomas inespecíficos:
    • Febre (pode ser o único sintoma, especialmente febre > 39℃ (101,2°F))
    • Irritabilidade
    • Má alimentação
    • Icterícia
    • Perda ponderal
  • Alteração nos hábitos urinários:
    • Reter a urina devido a dor ao urinar
    • Incontinência de novo

Crianças mais velhas (a partir da idade escolar)

A apresentação é semelhante à dos adultos e os sintomas clínicos podem ser utilizados para distinguir a ITU superior da inferior.

  • Pielonefrite:
    • Febre
    • Dor (abdominal, costas, ou flanco)
    • Mal-estar
    • Náuseas e vómitos
    • Diarreia (ocasionalmente)
  • Cistite:
    • Disúria
    • Urgência
    • Frequência
    • Dor e desconforto suprapúbico
    • Incontinência
    • Urina com cheiro fétido
    • Hematúria (causada por E. coli ou adenovírus)

Investigação e Diagnóstico

A suspeita clínica baseada na sintomatologia adequada à idade ou nos resultados da análise de urina deve ser confirmada pela urocultura.

Obtenção de uma amostra de urina

  • Quando obter uma amostra:
    • Crianças 02 meses: todos os bebés com febre
    • Crianças 224 meses: a decisão depende do caso, com base na elevação da temperatura e nos fatores de risco.
    • Crianças mais velhas: apenas se os sintomas forem sugestivos de ITU
  • Como obter uma amostra:
    • A obtenção de urina esterilizada é a chave para ter resultados da análise de urina válidos, mas é um desafio em crianças pequenas.
    • Crianças com controlo de esfíncteres: tentativa de apanhar com cuidado para evitar contaminação com a flora cutânea.
    • Crianças 224 meses sem controlo de esfíncteres:
      • Colocar um saco sobre a zona genital (amostra em saco coletor).
      • Pode ser necessário fazer algaliação ou punção suprapúbica.

Características da análise de urina

  • Os resultados da análise de urina podem sugerir uma ITU, mas não são suficientes para fazer o diagnóstico.
  • Resultados negativos na presença de sintomas sugestivos não excluem uma ITU.
  • Nitritos e esterase leucocitária geralmente são positivos na ITU
  • Piúria (leucócitos na urina):
    • Pode estar ausente na ITU
    • Piúria estéril (leucócitos positivos e cultura negativa) pode ser causada por:
      • Antibioterapia prévia
      • Infeções virais, tuberculose, abcesso renal
      • Obstrução do trato urinário
      • Inflamação fora do trato urinário
      • Nefrite intersticial
  • Pode haver hematúria (aumento das eritrócitos).

Urocultura

  • Uma análise de urina sugestiva de ITU deve ser confirmada com urocultura.
  • O diagnóstico de ITU é feito com o isolamento de um único agente patogénico com um dos seguintes critérios:
    • Contagem de colónias > 10.000 numa criança sintomática
    • Contagem de colónias > 50.000 de uma amostra obtida por punção suprapúbica/algaliação
    • Contagem de colónias > 100.000 de uma amostra obtida em saco coletor
  • Isolamento de Lactobacillus spp., Staphylococcus coagulase-negativos e Corynebacterium spp. não são sugestivos de ITU, pois pertencem à flora de pele normal.

Hemoculturas

Quando fazer:

  • Crianças muito pequenas (< 2 meses) que têm elevado risco de sépsis
  • Na suspeita de pielonefrite antes da antibioterapia

Exames de imagem

As infeções do trato urinário em crianças podem ser indicativas de anomalias anatómicas renais subjacentes, pelo que algumas devem ser mais investigadas com exames de imagem.

  • A ecografia renal e vesical (ERV) deve ser realizada:
    • Após a 1ª ITU febril em todas as crianças 224 meses
    • Em todas as crianças com casos recorrentes de ITU
    • Após a fase aguda da doença; no imediato se houver doença grave
  • Cistouretrografia de esvaziamento (CUE): o corante visível no raio-X é injetado na bexiga e o fluxo de urina é visualizado durante o esvaziamento.
    • O objetivo é confirmar a presença de refluxo vesicoureteral (RVU).
    • Faz-se se:
      • Achados ecográficos sugestivos RVU de alto grau (III e superior) (a maioria dos RVUs de grau I ou II resolve espontaneamente)
      • Evidência de obstrução, tais como hidronefrose ou cicatrização
      • ITU febril recorrente
  • Cintigrafia renal com ácido dimercaptosuccínico (DMSA): já não é recomendado pela American Academy of Pediatrics
Refluxo vesicoureteral

Dilatação bilateral dos ureteres devido ao refluxo vesicoureteral num paciente pediátrico

Imagem: “Ultrasonography of the Kidney” por Department of Radiology, Copenhagen University Hospital, Blegdamsvej 9, Copenhagen 2100-DK, Denmark. Licença: CC BY 4.0

Tratamento e Acompanhamento

Tratamento

O principal objetivo do tratamento é a prevenção de complicações renais, tais como cicatrizes renais, hipertensão e doença renal crónica.

  • Antibioterapia empírica:
    • O início precoce (em 72 horas) previne a formação de cicatrizes renais.
    • Só deve ser iniciada após a colheita de amostras de urina para análise
    • Só deve ser iniciada em pacientes com elevada probabilidade de ter uma ITU:
      • Febre > 39℃ (101.2)
      • Deficiência imune ou anomalia renal conhecidas
      • Aspeto tóxico
  • Escolha do antibiótico:
    • Deve ser adaptado às espécies bacterianas e à sensibilidade sempre que possível
    • Destinado a tratar o agente patogénico causador mais provável (E. coli)
      • Alto risco de envolvimento renal → Cefalosporina de 2ª ou 3ª geração
      • Baixo risco de envolvimento renal → Cefalosporina de 1ª geração

Pielonefrite

  • Admissão hospitalar se:
    • Sético
    • Desidratado
    • Náuseas e vómitos
    • < 1 mês se suspeita de ITU
    • < 2 meses se ITU febril
    • Infeção complicada (cálculos, obstrução, anomalias)
  • 714 dias de antibioterapia de largo espectro:
    • Ambulatório: cefalosporinas orais de 3ª geração (cefixime)
    • Internamento: ceftriaxone, cefotaxime ou ampicilina IV com um aminoglicosídeo (gentamicina)
  • As fluoroquinolonas são antibióticos eficazes, mas é preferível evitar-se em pacientes com menos de 17 anos de idade.
  • Urocultura: 1 semana após a conclusão da antibioterapia para confirmar o tratamento
  • Abcesso renal, abcesso perirrenal ou obstrução do trato urinário: drenagem cirúrgica ou percutânea + antibióticos

Acompanhamento

  • Crianças com história de apenas uma ITU não complicada não precisam de acompanhamento.
  • O acompanhamento em nefrologia está recomendado em crianças com:
    • ITU recorrente
    • RVU severo (grau III a V)
    • Anomalias anatómicas renais
    • Disfunção neurológica da bexiga
    • Pressão arterial elevada
  • Profilaxia antibiótica
    • Controvérsia
    • Ainda é recomendado em crianças com RVU grau III a V
Graus de refluxo vesicoureteral

Graus de RVU: no grau 5 pode ver-se um megaureter.

Imagem por Lecturio.

Referências

  1. Millner, R., M.D., & Becknell, Brian,M.D., PhD. (2019). Urinary tract infections. Pediatric Clinics of North America, 66(1), 1-13. doi://dx.doi.org/10.1016/j.pcl.2018.08.002
  2. Jerardi, K. E., & Jackson, E. C. (2020). Urinary tract infections. In R. M. Kliegman MD, J. W. St Geme MD, N. J. Blum MD, Shah, Samir S., MD,MSCE, Tasker, Robert C., MBBS,MD & Wilson, Karen M., MD,MPH (Eds.), Nelson textbook of pediatrics (pp. 278-2795.e1) https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323529501005538
  3. Gupta, K., & Trautner, B. W. (2018). Urinary tract infections, pyelonephritis, and prostatitis. In J. L. Jameson et al. (Eds.), Harrison’s principles of internal medicine. New York, NY: McGraw-Hill Education. accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?aid=1159153646
  4. Robinson J. Antibiotic prophylaxis in vesicoureteral reflux: A practice revisited. Can Pharm J (Ott). 2013;146(2):84-87. doi:10.1177/1715163513481570

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