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Hemorragia Gastrointestinal

A hemorragia digestiva (HD) é um sintoma de várias doenças no trato gastrointestinal (GI). A hemorragia gastrointestinal é designada como superior ou inferior com base na localização da etiologia em relação ao ligamento de Treitz. É mais comum ocorrer hemorragia no trato GI superior, sendo a úlcera péptica a causa mais frequente. Dependendo da localização da hemorragia, o doente pode apresentar hematemeses (vómito de sangue), melenas (fezes pretas e cor de carvão) ou hematoquézias (sangue fresco nas fezes). Alguns doentes que apresentam HD podem estar hemodinamicamente instáveis e requerer estabilização e avaliação de emergência. A fonte da hemorragia, muitas vezes, pode ser localizada e tratada com endoscopia. A hemorragia gastrointestinal indica uma patologia subjacente tanto no trato gastrointestinal (GI) superior como no inferior. A hematémese (vómitos de sangue vermelho ou "borras de café") e melenas (fezes pretas, cor de alcatrão) indicam geralmente hemorragia gastrointestinal superior proximal ao ligamento suspensor do duodeno, também chamado ligamento de Treitz. A úlcera péptica (DUP) é a causa mais comum de hemorragia gastrointestinal superior. A hematoquézia (sangue vermelho nas fezes) está mais frequentemente associada a uma hemorragia GI inferior (embora ocorra menos frequentemente assocaida a uma hemorragia GI superior maciça, que está tipicamente associada a hipotensão). A hemorragia inferior do GI pode ser de doença diverticular, angiodisplasia, pólipos ou tumores, doença inflamatória intestinal ou hemorroidas internas. O diagnóstico é realizado com base na história clínica e exame físico, seguido de endoscopia GI superior e/ou inferior. A origem da hemorragia pode ser normalmente identificada e tratada com endoscopia.

Última atualização: Jan 16, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

  • Hemorragia Digestiva Alta (HDA):
    • Incidência de cerca de 100 por 100.000 adultos por ano
    • Duas vezes mais comum em homens
    • Aumento do risco com a idade (> 60 anos)
  • Hemorragia digestiva baixa (HDB):
    • Incidência de cerca de 20.5 por 100.000 adultos por ano
    • Aumento do risco com a idade (aumento de 200 vezes na 3ª a 9ª décadas)
    • Um pouco mais comum em homens
  • Fatores de risco:
    • Infeção por Helicobacter pylori
    • Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)
    • Consumo de álcool
    • Cirrose
    • Doença vascular

Etiologia

Sangramento gastrointestinal superior (proximal ao ligamento de Treitz):

  • Esófago
    • Varizes esofágicas
    • Esofagite: infeção ou inflamação no esófago
    • Cancro do esófago
    • Síndrome de Mallory-Weiss: laceração no revestimento esofágico devido a vómitos forçados
  • Estômago
    • Úlcera gástrica
    • Gastrite erosiva
    • Ectasia vascular antral gástrica (GAVE, pela sigla em inglês): pequenos vasos sanguíneos dilatados no antro pilórico (incomum)
    • Gastropatia hipertensiva portal
    • Lesão de Dieulafoy: vaso grande e tortuoso que pode erodir e sangrar
    • Angiodisplasia: coleção anormal de vasos sanguíneos
  • Duodeno
    • Úlcera duodenal
    • Angiodisplasia
    • Fístula aortoentérica (raro)
  • As úlceras gástricas e duodenais são as causas mais comuns.

HD inferior (distal ao ligamento de Treitz):

  • Doença diverticular
    • Diverticulose: saliência em forma de saco da parede do cólon (comum)
    • Diverticulite: menos frequentemente associada a hemorragia GI
    • Divertículo de Meckel: bolsa congénita no íleo
  • Doença vascular
    • Angiodisplasia
    • Isquemia (e.g., isquemia mesentérica, colite isquémica)
    • Hemorroidas: estruturas venosas do anorreto que ingurgitam, prolapsam e sangram
  • Trauma
  • Fissura anal: uma pequena laceração na mucosa anal
  • Neoplasia
    • Pólipos no cólon
    • Cancro colorretal
  • Doença inflamatória
    • Colite infeciosa
    • Colite ulcerosa e doença de Crohn: doenças inflamatórias intestinais autoimunes que causam inflamação e úlceras
  • Iatrogénica
    • Após biópsia ou polipectomia
    • Colite por radiação: inflamação induzida por radiação no cólon
    • Fístula aortoentérica (rara, mas grave)

Apresentação Clínica

Manifestações clínicas

  • Doentes com hemorragia oculta podem ser assintomáticos.
  • Sintomas de anemia:
    • Fadiga, fraqueza
    • Dispneia
    • Palidez
    • Tonturas
    • Síncope
  • Dor abdominal ou azia → úlceras, gastrite, isquemia
  • Emese em borra de café → HDA
  • Hematemeses → HDA
  • Melenas (pretas, fezes cor de alcatrão)
  • Hematoquézias (sangue vermelho vivo nas fezes)
    • Geralmente vistas na HDB
    • Podem ter origem em HDA rápida e de grande volume
  • Perda de peso → malignidade

Exame objetivo

  • Doentes com hemorragia leve ou oculta podem não apresentar achados significativos.
  • Evidência de instabilidade hemodinâmica:
    • Taquicardia
    • Hipotensão
    • Alteração do estado mental
  • Hipotensão ortostática: observada na perda aguda de sangue de ≥ 2 unidades
  • Palidez da pele e conjuntiva
  • Alguns podem ter dor abdominal (e.g., isquemia).
  • Exame retal:
    • Fezes pretas ou com sangue
    • Fezes normais e castanhas podem ser vistas na hemorragia oculta
    • Hemorroidas
    • Fissura anal
    • Massa retal
  • Avaliar sinais de doença hepática crónica:
    • Angiomas de aranha
    • Esplenomegalia
    • Distensão abdominal e ascite
    • Asterixis

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Diagnóstico

O diagnóstico e o tratamento da HD tendem a andar de mãos dadas e variam de acordo com a estabilidade hemodinâmica do doente.

Avaliações laboratoriais

  • Hemograma completo → anemia por perda de sangue
    • A hemoglobina pode inicialmente ser normal em hemorragias agudas.
    • Pode ser observada uma potencial trombocitopenia na cirrose.
  • Pesquisa de sangue oculto nas fezes → detetar hemorragia oculta
  • Fatores de coagulação → coagulopatia, que pode precisar de reversão
  • Testes de função hepática → doença hepática subjacente
  • Painel metabólico básico → ↑ BUN (ureia nitrogenada no sangue) pode sinalizar HD superior
  • Ferro, ferritina → défice de ferro

Imagiologia

  • Tomografia computadorizada com angiografia (angio-TAC)
    • Para deteção é necessária uma taxa de sangramento de pelo menos 0,3–0,5 mL/min
    • Utiliza contraste intravenoso (IV) para localizar a hemorragia
  • Exames de imagem por radionuclídeos
    • Para deteção é necessária uma taxa de sangramento de pelo menos 0,1–0,5 mL/min
    • Teste radiográfico mais sensível
    • O radioisótopo é injetado na corrente sanguínea para revelar os locais de extravasamento.

Procedimentos

  • Esofagoduodenoscopia (EDA)
    • Modalidade de escolha na HDA
    • Visualiza o local da hemorragia no esófago, estômago ou duodeno.
    • Colhe amostras para análise patológica.
  • Colonoscopia
    • Modalidade de escolha na HDB
    • Visualiza o local da hemorragia no intestino grosso e íleo terminal.
    • Colhe amostras para análise patológica.
    • É necessária preparação do cólon.
  • Cápsula endoscópica
    • Fornece imagens do intestino delgado
    • Doente engole uma câmara sem fios, que tira fotos ao longo do trato digestivo.
    • Mais frequentemente usada para hemorragias contínuas ou intermitentes quando a EDA e a colonoscopia não mostram achados.
  • Angiografia
    • Para deteção é necessária uma taxa de sangramento de pelo menos 0,5 1 mL/min.
    • Reservada para doentes que não podem ser submetidos à endoscopia devido a instabilidade hemodinâmica

Tratamento

Etapas iniciais

Avaliar a hemodinâmica do doente e estabilizar:

  • Proteger a via aérea do doente:
    • O doente pode precisar de entubação se hematemeses graves
    • Prevenir aspiração
  • Obter acesso IV adequado: 2 IVs periféricos de grande calibre e/ou linha central
  • Ressuscitação com fluidos IV
  • Enviar amostra de sangue para tipagem.
  • Transfusão de sangue

Fármacos

  • Inibidores da bomba de protões (pantoprazol)
  • Octreótido
    • Análogo da somatostatina, que causa vasoconstrição esplâncnica
    • Usado na hemorragia esofágica
  • Antibióticos (geralmente cefalosporinas de 3ª geração): para doentes com cirrose e hemorragia varicosa para prevenir a peritonite bacteriana espontânea (PBE)

Intervenções

  • Cerca de 80% cessão a hemorragia sem intervenção.
  • EDA e colonoscopia
    • Injeção de epinefrina em redor do ponto de hemorragia
    • Hemostase térmica (eletrocoagulação)
    • Endoclips
  • Angiografia
    • Vasoconstrição via vasopressina
    • Embolização
    • O procedimento associa-se ao risco de isquemia intestinal ou enfarte.
  • Tamponamento por balão
    • Usado nas varizes esofágicas
    • O tubo é inserido no esófago e o balão é insuflado.
    • Fornece hemostase de curto prazo até que o tratamento definitivo possa ser providenciado.
  • Cirurgia
    • Considerado quando a hemorragia não pode ser contida através das intervenções acima (raro)
    • A localização da fonte é importante antes de prosseguir com a cirurgia.

Considerações Especiais

  • Doentes com cirrose e sangramento de varizes devem receber profilaxia antibiótica para prevenir peritonite bacteriana espontânea.
  • Reverter qualquer anticoagulação.
  • Suspender fármacos anti-hipertensivos.

Diagnóstico Diferencial

  • Epistaxis: sangramento da mucosa nasal. O sangue pode ser engolido e depois vomitado (parecendo hematemeses), ou passar pelo trato GI e apresentar-se nas fezes. A história cuidadosa e o exame da mucosa nasal podem identificar a causa. A maioria dos sangramentos nasais é benigno e autolimitado, mas pode exigir spray nasal de oximetazolina, cauterização ou tamponamento nasal.
  • Alimentos e fármacos: Alguns alimentos ou fármacos podem causar falsos positivos na pesquisa de sangue oculto nas fezes, incluindo a beterraba, os brócolos, o melão, a cenoura, a couve-flor, o pepino, a toranja, a carne vermelha e os comprimidos para suplementação de ferro. O bismuto pode causar fezes pretas e estreitas, que são negativas para a pesquisa de sangue oculto nas fezes. Os doentes devem evitar esses alimentos e fármacos 48 horas antes da pesquisa de sangue oculto nas fezes.
  • Hemoptises: tosse com sangue das vias aéreas ou estruturas pulmonares. As causas incluem cancro de pulmão, infeções, edema pulmonar e vasculites. Testar o pH dos fluidos pode ser útil, pois um pH alcalino é indicativo de sangramento das vias aéreas e o sangramento do trato GI será ácido. A imagem do tórax para procurar patologia pulmonar subjacente também é útil. O tratamento inclui proteção das via aérea e identificação e tratamento do problema subjacente.

Referências

  1. Strate, L. (2020). Approach to acute lower gastrointestinal bleeding in adults. In Grover, S. (Ed.), UptodateRetrieved November 5, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/approach-to-acute-lower-gastrointestinal-bleeding-in-adults
  2. Strate, L. (2019). Etiology of lower gastrointestinal bleeding in adults. In Grover, S. (Ed.), UptodateRetrieved November 5, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/etiology-of-lower-gastrointestinal-bleeding-in-adults
  3. Saltzman, J.R. (2020). Approach to acute upper gastrointestinal bleeding in adults. In Travis, A.C. (Ed.), Uptodate. Retrieved November 5, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/approach-to-acute-upper-gastrointestinal-bleeding-in-adults
  4. Rockey, D.C. (2020). Causes of upper gastrointestinal bleeding in adults. In Travis, A.C. (Ed.), Uptodate. Retrieved November 5, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/causes-of-upper-gastrointestinal-bleeding-in-adults
  5. Upchurch, III, B.R. (2019). Upper gastrointestinal bleeding (UGIB). In Anand, B.S. (Ed.), Medscape. Retrieved November 5, 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/187857-overview
  6. Cagir, B., Ologun, G.O., Chico, G.F., Cirincione, E., and Manas, K.J. (2019). Lower gastrointestinal bleeding. In Anand, B.S. (Ed.), Medscape. Retrieved November 5, 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/188478-overview
  7. Ansari, P. (2019). Overview of gastrointestinal bleeding. [online] MSD Manual Professional Edition. https://www.msdmanuals.com/professional/gastrointestinal-disorders/gastrointestinal-bleeding/overview-of-gastrointestinal-bleeding

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