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Glaucoma

O glaucoma é uma neuropatia ótica caracterizada por defeitos típicos do campo visual e por atrofia do nervo ótico, vista como uma escavação do disco ótico no exame oftalmológico. O glaucoma agudo é uma emergência médica. O glaucoma é, frequentemente, mas nem sempre, causado pelo aumento da pressão intraocular (PIO). Frequentemente, há perda de visão periférica que, eventualmente, leva à perda da visão central. Os 2 principais tipos de glaucoma são o de ângulo aberto e o de ângulo fechado. O excesso de produção ou a diminuição da excreção do humor aquoso levam ao surgimento do glaucoma de ângulo aberto. Os sintomas surgem gradualmente. O glaucoma de ângulo fechado resulta do bloqueio do ângulo (da íris e da córnea), impedindo a drenagem do humor aquoso. O diagnóstico envolve a determinação da PIO (tonometria) e a visualização do ângulo com uma lâmpada de fenda (gonioscopia). O tratamento consiste em medicação tópica que reduz a PIO, e cirurgia ocular.

Última atualização: Jun 8, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

  • O glaucoma é uma neuropatia ótica que se associa a uma atrofia característica da cabeça do nervo ótico, com os correspondentes defeitos progressivos do campo visual.
  • Muitas vezes associa-se a uma pressão intraocular elevada (PIO), mas pode ocorrer com PIO normal (normal: 8 21 mm Hg)

Epidemiologia

  • Glaucoma: 2ª principal causa de cegueira permanente em todo o mundo (a seguir à catarata)
  • Ocorre, tipicamente, após os 40 anos
  • Glaucoma primário de ângulo aberto: tipo mais comum nos Estados Unidos da América
  • Glaucoma de ângulo fechado: mais comum na população asiática

Fisiologia

  • Humor aquoso
    • Líquido transparente produzido pelo corpo ciliar
    • Funções:
      • Preserva a pressão intraocular
      • Fornece nutrientes e oxigénio à córnea e ao cristalino
      • Remove os produtos residuais das mesmas estruturas
    • Drenagem: líquido produzido pelo corpo ciliar → câmara posterior → através da pupila → câmara anterior (ângulo entre a córnea e a íris) → 90% vai para a rede trabecular → canal de Schlemm → veias episclerais (circulação venosa)
  • Pressão intraocular
    • Determinada pela produção e saída de humor aquoso
    • Efeitos do sistema nervoso autónomo na PIO:
      • Parassimpático: ↓ PIO
        • Contração do músculo ciliar → aumenta o tamanho dos poros da rede trabecular → promove a drenagem de humor aquoso e a diminuição da pressão
        • Contração do esfíncter da pupila (miose) → abre a rede trabecular → promove a drenagem de humor aquoso e a diminuição da pressão
      • Simpático: ↑ PIO
        • Relaxamento dos músculos ciliares → diminui o tamanho dos poros da rede trabecular → aumento da pressão intraocular
        • Contração do músculo dilatador da pupila (midríase) → bloqueia a rede trabecular → aumento da pressão intraocular
Trajeto típico do humor aquoso

Anatomia da câmara anterior do olho. O humor aquoso é produzido na câmara posterior, mas desloca-se para a câmara anterior (passando pela pupila). É drenado da câmara anterior através da rede trabecular e do canal de Schlemm.

Imagem por Lecturio.

Tipos de glaucoma

  • Glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA):
    • Excesso de produção ou diminuição da saída de humor aquoso
    • Mais comum que o glaucoma de ângulo fechado
  • Glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF):
    • Devido a uma predisposição anatómica, há um bloqueio físico da saída de humor aquoso
  • Ambos os tipos têm formas secundárias (causadas por outras condições oculares, traumatismos, medicamentos).
  • Subtipos:
    • Glaucoma juvenil de ângulo aberto:
      • Afeta a população mais jovem
      • Menos comum e associa-se a um aumento gradual da PIO
    • Glaucoma de tensão normal ou de baixa tensão:
      • Há uma escavação característica do disco ótico e defeito dos campos visuais periféricos
      • A PIO é normal.

Glaucoma de Ângulo Aberto

Fluxo livre do humor aquoso

Ilustração do ângulo aberto e do fluxo livre do humor aquoso num glaucoma de ângulo aberto. A causa mais comum é idiopática e está relacionada ou com o aumento da produção, ou com a diminuição da drenagem.

Imagem por Lecturio.

Fatores de risco

  • Idade avançada
  • História familiar de glaucoma
  • Afro-americanos
  • Outras condições: hipertensão, diabetes, PIO elevada

Etiologia

  • O glaucoma primário de ângulo aberto ocorre devido à sobreprodução idiopática ou à diminuição da drenagem do humor aquoso
  • Causas secundárias: uveíte, trauma, esteroides e retinopatia

Apresentação Clínica

  • Inicialmente, assintomático (mesmo com PIO elevada)
  • Achado acidental no exame oftalmológico completo
  • À medida que a doença crónica progride: perda gradual da visão periférica bilateral → perda da visão central (manifestação tardia)
  • Cegueira, se não for tratado

Diagnóstico

  • Tríade diagnóstica:
    1. Alterações no disco ótico
    2. Alterações nos campos visuais
    3. PIO elevada
  • Fundoscopia:
    • “Escavação”: aparência oca do nervo ótico
    • Aumento da relação entre a área de escavação/disco (diâmetro da escavação > 50% do diâmetro vertical do disco)
  • Teste dos campos visuais: perimetria automatizada
  • Pressão intraocular:
    • PIO elevada (> 21 mm Hg): suspeita de glaucoma; referenciar à oftalmologia
    • PIO > 40 mm Hg: encaminhar o doente ao Serviço de Urgência
    • A medição é afetada pela espessura da córnea e pela variação diurna
    • Tonometria de aplanação de Goldmann: mede a PIO, mas é afetada pela espessura da córnea (↑ espessura, falso ↑ da pressão)
    • Paquimetria: mede a espessura da córnea; ajuda a tornar a leitura da PIO mais precisa
    • Pneumotonometria/tonometria de insuflação de ar:
      • Sem contacto
      • Utiliza o ar para aplanar a córnea
  • Gonioscopia:
    • Permite ao oftalmologista visualizar o ângulo entre a córnea e a íris
    • Ângulo “aberto”: 20-45 graus
  • Tomografia de coerência ótica:
    • Sem contacto
    • Fornece imagens digitais do nervo ótico, da retina e da câmara anterior

Tratamento

  • Objetivos:
    • Prevenir a progressão das alterações do nervo ótico
    • Prevenir a deterioração dos campos visuais
  • Tratamento farmacológico (agentes tópicos):
    • Agonistas das Prostaglandinas F2α (tratamento inicial preferido)
      • Aumento da drenagem do humor aquoso
      • Uma a duas vezes por dia
      • Sem efeitos secundários sistémicos
      • Efeitos secundários: irritação ocular, hiperemia, prolongamento das pestanas
      • Latanoprost, bimatoprost, tafluprost
    • β-bloqueantes
      • Diminuição da produção de humor aquoso
      • Uma a duas vezes por dia
      • Mais acessíveis do que os agonistas das prostaglandinas
      • Contraindicados em caso de doença pulmonar (pode ↑ a obstrução das vias aéreas) ou doença cardíaca (piora a bradicardia, insuficiência cardíaca; ↑ de bloqueios cardíacos, hipotensão)
      • Timolol (não seletivo), betaxololol
    • Agonistas α-adrenérgicos
      • Efeito duplo: aumento do fluxo de saída e diminuição da produção de humor aquoso
      • Efeitos secundários: conjuntivite alérgica, hiperemia
      • Também com efeitos sistémicos: hipertensão; ter especial cuidado na presença de doença cardiovascular
      • Brimonidina, apraclonidina
    • Inibidores de anidrase carbónica
      • Diminuição da produção de humor aquoso
      • Não são tão eficazes na redução da PIO
      • Dorzolamide
    • Agonistas colinérgicos
      • Aumento da saída de humor aquoso
      • Raramente utilizados
      • Efeitos laterais: Pupilas fixas e mióticas
      • Pilocarpina
    • Inibidor da Rho cinase
      • Aumento da saída de humor aquoso
      • Novo fármaco: netarsudil
  • Terapia a laser:
    • Trabeculoplastia a laser
      • Aumento da saída de humor aquoso através da rede trabecular
      • Pode ser utilizada como tratamento de primeira linha ou em caso de falência da terapêutica médica ou intolerância à medicação
    • Ciclofotocoagulação de díodos laser (CFDL)
      • Ablação dos processos ciliares
      • Para o tratamento do glaucoma refratário
  • Tratamento cirúrgico (trabeculectomia):
    • Trabeculectomia
      • Criação de um “buraco” na esclera para permitir a drenagem do humor aquoso
      • Tratamento principal para o glaucoma avançado (com perda grave do campo visual)
      • Risco de catarata, cicatrizes, hipotonia
    • Cirurgia de glaucoma minimamente invasiva (CGMI)
      • Cirurgia poupadora da conjuntiva

Glaucoma de ângulo Fechado

Alterações que ocorrem no glaucoma de ângulo fechado

As alterações que ocorrem no glaucoma de ângulo fechado. No olho normal (imagem à esquerda), o humor aquoso sai da câmara posterior e entra na câmara anterior, onde pode ser drenado através da rede trabecular e do canal de Schlemm. Em pacientes com glaucoma de ângulo fechado (imagem da direita), há um bloqueio desse trajeto, resultando numa acumulação de humor aquoso, com consequente aumento da pressão intraocular.

Imagem por Lecturio.

Fatores de risco

  • Sexo feminino
  • Idade > 60 anos
  • Hipermetropia
  • História familiar de glaucoma de ângulo fechado
  • Pseudoexfoliação
  • Asiáticos (sudeste asiático, chineses) e Inuítes

Etiologia

  • Resulta do bloqueio da saída do humor aquoso da câmara posterior para a câmara anterior
  • Predisposição anatómica:
    • Câmara anterior plana
    • Tamanho do cristalino
    • Localização anterior do diafragma
    • Estreitamento da entrada para o ângulo da câmara anterior
  • O cristalino está localizado à frente, em contacto com a íris, atrasando a drenagem aquosa → bloqueio pupilar (o fluido já não flui normalmente através da pupila)
  • Acumulação de humor aquoso → ↑ PIO → compressão do disco ótico
  • Causas secundárias: medicação (topiramato), trauma ou cirurgia, tumor, subluxação do cristalino na síndrome de Marfan.

Apresentação clínica

  • Glaucoma agudo de ângulo fechado:
    • É uma emergência médica!
    • Quanto mais rápido o ↑ na PIO: mais sintomas
    • Ocorre frequentemente à noite; níveis mais baixos de luz causam dilatação pupilar (midríase)
    • Sintomas:
      • Olho muito doloroso, cefaleia
      • Fotofobia
      • Visão turva
      • O doente refere halos a rodear as luzes
      • Náuseas e vómitos
    • Sinais:
      • Olho vermelho com uma córnea “turva”
      • Pupila dilatada em midríase média fixa e não reativa à luz
      • Ausência do reflexo de acomodação e do reflexo de luz
  • Glaucoma crónico de ângulo fechado:
    • Menos severo e pode ser assintomático
    • Ocorre devido ao bloqueio parcial do ângulo ou ao encerramento gradual do mesmo: ↑ lento da PIO
    • Sintoma: perda gradual da visão periférica e, posteriormente, diminuição da visão central

Diagnóstico

  • PIO:
    • Dá o diagnóstico de glaucoma agudo de ângulo fechado (não é necessária imagem)
    • A tonometria pode mostrar uma pressão de 6080 mm Hg num glaucoma agudo.
  • Fundoscopia sem dilatação pupilar:
    • A dilatação pupilar iria exacerbar a condição.
    • Escavação do disco ótico
    • Opacidades dispersas na face anterior do cristalino
  • Gonioscopia:
    • Um oftalmologista é capaz de ver o ângulo
    • Utilização de uma lente especial com uma lâmpada de fenda
  • Tomografia de coerência ótica do segmento anterior:
    • Imagem de alta definição a mostrar detalhes da câmara anterior
    • Sem contacto
    • O mecanismo de encerramento do ângulo pode ser discernido a partir dos achados.
  • Biomicroscopia através de ultrassom
    • Ultrassom de câmara anterior, a mostrar o ângulo
    • Não está amplamente disponível

Tratamento

  • Glaucoma agudo de ângulo fechado
    • Referenciação urgente a oftalmologia
    • Pode ser iniciado o tratamento empírico pode quando a PIO é significativamente elevada (> 40 mm Hg) com:
      • Timolol a 0.5% (1 gota)
      • Apraclonidina a 1% (1 gota)
      • Pilocarpina a 2% (1 gota)
      • Fármacos sistémicos: (inibidor da anidrase carbónica: acetazolamida 500 mg PO ou IV; alternativa: manitol IV após confirmação do encerramento do ângulo; não é uma opção em diabéticos)
      • Administrar o mesmo colírio após ½-1 hora (se a PIO ainda estiver elevada)
    • Iridotomia periférica por laser
      • O tratamento definitivo após tratamento de episódios agudos
      • Alivia o ploqueio pupilar permitindo o fluxo de humor aquoso numa rota diferente
      • Iridotomia cirúrgica: opção de a iridotomia por laser não for uma opção
  • Glaucoma crónico de ângulo fechado
    • Iridotomia periférica a laser
    • Evitar agentes anticolinérgicos e descongestionantes enquanto se aguarda pela cirurgia

Diagnóstico Diferencial

Os diagnósticos diferenciais do glaucoma incluem as seguintes condições:

  • Catarata: diminuição da acuidade visual devido a uma opacidade do cristalino, que se apresenta como indolor, muitas vezes com visão turva e dificuldades na condução noturna bilaterais. A catarata é a principal causa de cegueira em todo o mundo. Embora possa surgir em qualquer idade, a maioria dos casos afeta doentes com > 60 anos.
  • Neuropatia isquémica ótica (NIO): perda de acuidade visual secundária à redução do fluxo sanguíneo, causando danos no nervo ótico. Ocorre, regra geral, após os 50 anos, e pode ser arterítica (no contexto de uma arterite de células gigantes) ou não arterítica (outras causas). A NIO não arterítica é mais frequente e apresenta-se como uma perda aguda e indolor (monocular) da acuidade visual, associada a um defeito do campo visual altitudinal. Os pacientes têm, frequentemente, fatores de risco vascular, como diabetes e hipertensão arterial.
  • Conjuntivite: inflamação da conjuntiva, o revestimento externo do olho. Pode ser de etiologia infeciosa ou não infeciosa. Pacientes com olho vermelho e secreção num ou em ambos os olhos. A conjuntivite bacteriana associa-se frequentemente a uma secreção purulenta, enquanto as causas víricas se associam a uma secreção aquosa.
  • Uveíte: inflamação da úvea ou da camada média do olho. A uveíte pode ser causada por infeções (herpes, sífilis) ou pode estar relacionada com doença inflamatória sistémica (doença inflamatória intestinal, artrite reumatoide). Os doentes podem apresentar-se com olho vermelho doloroso (uveíte anterior) ou não doloroso (uveíte intermédia e posterior). Os doentes podem referir a sensação do surgimento de moscas-volantes no campo visual.

Referências

  1. Dietze, J.,Blair, K., Havens, S. (2020). Glaucoma. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK538217/
  2. Folberg, R.(2020). The Eye in Kumar, V.; Abbas, A., Aster, J. (Eds.), Robbins and Cotran Pathologic Basis of Disease (10th ed., pp. 1305-1328). Elsevier, Inc.
  3. Jacobs, D.; Gardiner, M.;Givens, J. (2020). Open-angle glaucoma: Epidemiology, clinical presentation and diagnosis. UpToDate. Retrieved September 9, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/open-angle-glaucoma-epidemiology-clinical-presentation-and-diagnosis
  4. Khazaeni, B., Khazaeni, L. (2020). Acute closed-angle glaucoma. Retrieved September 9, 2020, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK430857/
  5. Mahabadi,N.,Foris, L., Tripathy, K. (2020). Open-angle glaucoma. Retrieved September 9, 2020, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK441887/
  6. Weizer, J., Jacobs, D., Givens, J. (2020). Angle-closure glaucoma. Retrieved September 8, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/angle-closure-glaucoma

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