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Giardia/Giardíase

A Giardíase é provocada por Giardia lamblia (G. lamblia), um protozoário flagelado que pode infetar o trato gastrointestinal. A transmissão da Giardia ocorre principalmente através do consumo de quistos presentes em água contaminada ou pela via fecal-oral. A exquistação ocorre no trato gastrointestinal (GI) e os trofozoítos conectam-se às vilosidades da parede intestinal e provocam má absorção. O principal sintoma da giardíase é a esteatorreia com cheiro fétido. Os pacientes que desenvolvem infeções crónicas podem apresentar perda de peso, infertilidade e défices vitamínicos, resultantes da má absorção. O diagnóstico é obtido através da deteção de microorganismos de Giardia, antigénios ou ácido desoxirribonucleico (ADN) nas fezes. O tratamento inclui terapêutica de suporte e antimicrobiana com metronidazol, tinidazol ou nitazoxanida. As medidas de prevenção incluem a lavagem das mãos e tratamento da água adequados.

Última atualização: May 23, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Características Gerais de Giardia

A Giardíase é provocada pelo protozoário flagelado, Giardia lamblia(G. lamblia, também conhecido como G. duodenalis ou G. intestinalis).

Características

  • Unicelular
  • Eucariota
  • De forma oval
  • Anaeróbio
  • Reproduz-se através de fissão binária
  • Contém um mitossoma em substituição de mitocôndria

Formas

  • Trofozoítos:
    • Fase ativa, de alimentação e de replicação
    • Contém 2 núcleos
    • 4 pares de flagelos
    • Não sobrevivem fora do hospedeiro
  • Quistos:
    • Estadio “dormente”
    • Contém 4 núcleos
    • Sem flagelos
    • Resistente aos fatores de stress ambiental (calor, frio, dissecação)
    • Pode sobreviver fora do hospedeiro e vários meses em água fria.
    • Responsáveis pela transmissão
Imagem de sem a demosntrar trofozoítos de giardia lamblia

Imagem de Microscopia Eletrónica de Varrimento (SEM – “Scanning electron microscopic”) a demostrar trofozoítos de G. lamblia

Imagem: “SEM” por CDC/Dr. Stan Erlandsen. Licença: Public Domain

Epidemiologia e Transmissão

Epidemiologia

  • A giardíase ocorre em todo o mundo.
    • 3ª causa mais comum de diarreia em crianças < 5 anos de idade
    • > 300 milhões de casos por ano
  • Prevalência:
    • 2%–5% a nível mundial
    • 20%–40% nos países em desenvolvimento
  • Nos Estados Unidos:
    • Aproximadamente 5% dos adultos são portadores assintomáticos.
    • Regiões comuns nos Estados Unidos:
      • Regiões montanhosas ocidentais
      • Estados do norte
    • Mais comum entre julho-outubro

Transmissão

  • Transmissão fecal-oral
  • Transmissão por meio aquático:
    • Abastecimento de água mal filtrada
    • Cursos de água de montanha, lagos, rios
  • Os surtos têm sido associados:
    • Estações de ski
    • Creches
    • Campos de refugiados
    • Acampamentos
  • Grupos de alto risco:
    • Crianças pequenas
    • Imunodeprimidos (estados de deficiência de imunoglobulina)
    • Pacientes com fibrose quística
    • Grupo sanguíneo A
    • Hipocloridria
    • Viajantes

Patogénese

Fatores de virulência

  • Variação antigénica:
    • Capaz de expressar diferentes proteínas de superfície de variante específica (VSPs)
    • Permite ultrapassar a imunidade adaptativa de um hospedeiro
  • Disco adesivo:
    • Composto por microtúbulos
    • Permite a fixação à parede intestinal

Ciclo de vida e fisiopatologia

  • Os quistos são ingeridos → o ácido gástrico, bílis e tripsina convertem-nos em trofozoítos (exquistação)
  • Os trofozoítos fixam-se à parede intestinal com o disco adesivo.
    • Resulta em:
      • Inflamação
      • Atrofia das vilosidades
      • ↓ Enzimas da membrana da vilosidade intestinal (e.g., dissacaridase, lactase)
    • Leva à má absorção
    • Os trofozoítos não invadem a parede intestinal.
  • A fissão binária ocorre → alguns microorganismos transformam-se em quistos (enquistação) → excretados nas fezes
Ciclo de giardia lamblia

Imagem do ciclo de vida de G. lamblia. Os quistos podem sobreviver por longos períodos de tempo em água fria e posteriormente serem inadvertidamente consumidos. Uma vez consumidos, os quistos transformam-se em trofozoítos, replicam-se e infetam os intestinos. Os trofozoítos ligam-se às vilosidades intestinais, gerando sintomas.

Imagem: “Giardia life cycle” por LadyofHats. Licença: Public Domain, editado por Lecturio.

Apresentação Clínica

Enquanto alguns pacientes podem ser assintomáticos, a característica clínica principal da giardíase é a esteatorreia.

Giardíase aguda

  • Período de incubação: 7-14 dias
  • Duração: 2-4 semanas
  • Sintomas comuns:
    • Diarreia (frequentemente esteatorreia):
      • Cheiro fétido
      • Aquosa ou gordurosa
      • Não sanguinolenta
    • Mal-estar
    • Flatulência
    • Náuseas
    • Anorexia
    • Cólica e distensão abdominal
    • Perda de peso
    • Febre baixa (pouco comum)

Giardíase crónica

  • Pode desenvolver-se após a fase aguda em alguns pacientes.
  • Os sintomas podem diminuir e resolver ao longo dos meses.
  • Sinais e sintomas comuns:
    • Fezes soltas:
      • Frequentemente esteatorreia
      • Não diarreicas
    • Mal-estar e fadiga
    • Cólica abdominal
    • Flatulência e eructações
    • Mal-absorção:
      • Hipoalbuminemia
      • Défices vitamínicos (A, B12, folatos)
      • Perda de peso e má progressão estaturo-ponderal

Complicações

  • Atraso do crescimento em crianças
  • Hipersensibilidade:
    • Urticária
    • Úlceras aftosas
  • Artrite reativa
  • Intolerância à lactose adquirida
  • A invasão biliar pode levar a:
    • Colecistite
    • Colangite
    • Hepatite granulomatosa

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

  • Teste de imunoabsorção enzimática (ELISA): deteta o antigénio nas fezes
  • Ensaio de imunofluorescência direta (DFA): Utiliza anticorpos monoclonais marcados com fluoresceína para detetar um antigénio específico.
  • Teste de amplificação de ácidos nucleicos (NAAT): deteta e copia (amplifica) sequências específicas de ácido desoxirribonucleico (ADN) de Giardia
  • Microscopia das fezes:
    • Avaliação microscópica das fezes para pesquisa de trofozoítos ou quistos
    • Por vezes pode exigir repetição do exame
    • Pode detetar outros parasitas potenciais
    • Menos sensível do que ELISA, DFA, ou NAAT
Amostra fecal de quistos de giardia lamblia

Microscopia de fezes a revelar a presença de 2 quistos de G. lamblia

Imagem: “ 21085” por CDC. Licença: Public Domain

Tratamento

  • Tratamento de suporte:
    • Rehidratação
    • Substituição de eletrólitos
  • Terapêutica antimicrobiana:
    • Opções:
      • Metronidazol
      • Tinidazole
      • Nitazoxanida
    • Considerar tratar indivíduos (mesmo assintomáticos) que estejam:
      • Em risco de transmissão a terceiros (manipuladores de alimentos, creches)
      • Em contacto com indivíduos imunodeprimidos
      • Em contacto com mulheres grávidas
  • Sintomas recorrentes ou persistentes:
    • Repetir o exame das fezes.
    • Avaliar possíveis fontes de reinfeção.
    • Avaliar imunodeficiências.
    • Repetir tratamento antimicrobiano.

Prevenção

  • Lavagem das mãos:
    • Com sabão e água preferencialmente
    • A desinfeção à base de álcool não é eficaz contra os quistos.
  • Eliminação adequada das fraldas
  • Fervura de água potencialmente contaminada
  • Tratamento adequado da água pública
  • Os indivíduos infetados devem evitar nadar em águas recreativas (piscinas, lagos, rios).

Comparação de Protozoários Flagelados

Tabela: Comparação de protozoários flagelados clinicamente relevantes
Giardia Leishmania Trypanosoma Trichomonas
Características
  • 4 pares de flagelos
  • Forma oval
  • Disco adesivo
  • Anaeróbio
  • Variação antigénica
  • Flagelo polar único
  • Corpo esguio e alongado
  • Flagelo polar único
  • Membrana ondulada
  • Fino, de forma irregular
  • Variação antigénica
  • 5 flagelos
  • Membrana ondulada
  • Forma oval
  • Anaeróbio facultativo
Formas
  • Quisto
  • Trofozoíto
  • Promastigota
  • Amastigota
  • Tripomastigota
  • Amastigota
  • Epimastigota
  • Trofozoíto
  • Sem forma de quisto
Transmissão
  • Ingestão de água
  • Fecal-oral
  • Vetorial (flebótomo)
  • De humano para humano
  • Zoonótica (roedores, cães, raposas)
  • Vetor (mosca tsé-tsé, triatomíneos)
  • Transfusão de sangue
Sexualmente transmitidos
Clínica Giardíase Leishmaniose
  • Doença do sono africana (também conhecida como tripanossomose humana)
  • Doença de Chagas
Tricomoníase
Diagnóstico
  • ELISA
  • DFA
  • NAAT
  • Microscopia das fezes
  • Esfregaço de sangue periférico
  • Biópsia
  • PCR
  • Teste cutâneo para leishmaniose
  • Título de anticorpos
  • Esfregaço de sangue periférico
  • Título de anticorpos
  • Xenodiagnóstico
  • Microscopia das secreções vaginais
  • NAAT
  • Urina ou cultura de esfregaço uretral
Tratamento
  • Metronidazol
  • Tinidazole
  • Nitazoxanida
Dependendo da clínica:
  • Anfotericina B
  • Antimoniais pentavalentes
  • Miltefosina
Depende da doença clínica:
  • Suramina
  • Pentamidina
  • Melarsoprol
  • Eflornitina
  • Nifurtimox
  • Benznidazole
  • Metronidazol
  • Tinidazole
Prevenção
  • Lavagem das mãos
  • Tratamento da água
  • Inseticida
  • Repelente de insetos
  • Roupa protetora
  • Inseticidas
  • Repelente de insetos
  • Redes mosquiteiras
  • Roupa protetora
  • Tratar os parceiros sexuais
  • Preservativos

ELISA: teste de imunoabsorção enzimática

DFA: teste direto de imunofluorescência

NAAT: teste de amplificação de ácidos nucleicos

PCR: reação em cadeia da polimerase

Diagnósticos Diferenciais

  • Disenteria amebiana: também conhecida como amebíase, é uma infeção causada por Entamoeba histolytica(E. histolytica). Os sintomas podem variar entre diarreia ligeira a disenteria grave e as complicações incluem abcesso hepático. A identificação de E. histolytica nas fezes ou através de testes serológicos estabelece o diagnóstico. O tratamento inclui metronidazol ou paromomicina.
  • Diarreia do viajante: gastroenterite que geralmente é causada por bactérias ou vírus da água local, como a E. coli enterotoxigénica (ETEC) ou o norovírus. Os sintomas ocorrem após o consumo de água ou alimentos contaminados e incluem diarreia aquosa, mal-estar e cólicas abdominais. O diagnóstico é clínico e a doença é autolimitada.
  • Criptosporidiose: infeção provocada por Cryptosporidium. Os doentes apresentam diarreia aquosa, cólicas abdominais, náuseas e febre que dura cerca de 2-3 semanas, que pode ser mais persistente e grave em doentes imunodeprimidos. O diagnóstico é obtido através da identificação do microorganismo numa amostra de fezes. A criptosporidiose é habitualmente autolimitada, mas pode requerer a utilização de nitazoxanida em casos persistentes ou graves.
  • Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado: definido como crescimento excessivo de bactérias no intestino delgado, derivado de uma alteração anatómica ou da motilidade intestinal. Os sintomas podem variar entre ligeiros a diarreia crónica, perda de peso e má absorção. As culturas bacterianas e os testes respiratórios podem estabelecer o diagnóstico. O tratamento inclui antibióticos e correção de défices nutricionais.
  • Doença celíaca: doença imune mediada, que resulta na inflamação da mucosa e atrofia das vilosidades no intestino delgado, devido ao glúten. Os sintomas incluem distensão abdominal e diarreia com cheiro fétido. Os pacientes também podem ter défices nutricionais e perda de peso devido à má absorção. O diagnóstico é estabelecido com marcadores serológicos e biópsia do intestino delgado. O tratamento requer uma dieta rigorosa, sem glúten.
  • Doença inflamatória intestinal (DII): inclui a doença de Crohn e a colite ulcerosa. A doença inflamatória intestinal é caracterizada por uma inflamação crónica do trato gastrointestinal (GI) devido a uma resposta imune mediada por células à mucosa GI. Os sintomas incluem diarreia, dor abdominal, perda de peso e manifestações extraintestinais. O diagnóstico inclui exames imagiológicos, endoscopia e biópsia. O tratamento envolve corticosteróides, aminossalicilatos, imunomoduladores e agentes biológicos.
  • Intolerância à lactose: intolerância aos alimentos que contêm lactose, devido à deficiência de lactase. Os sintomas incluem: dor abdominal, distensão e dor abdominal, náuseas e diarreia. O diagnóstico é estabelecido pela associação de alimentos que contêm lactose e um teste respiratório de hidrogénio. O tratamento inclui a restrição de lactose alimentar e a substituição de enzimas.

Referências

  1. Riedel, S., Jawetz, E., Melnick, J. L., & Adelberg, E. A. (2019). Jawetz, Melnick & Adelberg’s Medical microbiology (pp. 723-727). New York: McGraw-Hill Education.
  2. Leder, K. (2019). Giardiasis: Epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. UpToDate, Retrieved December 09, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/giardiasis-epidemiology-clinical-manifestations-and-diagnosis
  3. Bartelt, L. (2020). Giardiasis: Treatment and prevention. UpToDate, Retrieved December 09, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/giardiasis-treatment-and-prevention
  4. Pearson, R.D. (2020). Giardiasis. [online] MSD Manual Professional Version. Retrieved December 11, 2020, from https://www.msdmanuals.com/professional/infectious-diseases/intestinal-protozoa-and-microsporidia/giardiasis
  5. Nazer, H. (2018). Giardiasis. In Cagir, B. (Ed.), Medscape. Retrieved December 11, 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/176718-overview
  6. Gladwin, M., & Trattler, B. (2008). Clinical microbiology made ridiculously simple (4th edition). Miami: MedMaster.

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