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Fratura da Clavícula

A fratura da clavícula é uma patologia comum, que ocorre geralmente devido a um traumatismo. Este pode ser direto ou indireto, sendo tipicamente de alta energia. No entanto, em idosos pode ocorrer com um trauma de baixa energia. A apresentação clínica inclui dor localizada na clavícula, uma deformidade palpável no local da fratura e crepitação. O diagnóstico é clínico e confirmado por imagiologia. O tratamento é maioritariamente conservador, embora atualmente um número crescente de pacientes seja submetido a intervenção cirúrgica.

Última atualização: Jan 15, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

Uma fratura clavicular é uma perda da integridade do tecido ósseo da clavícula (também apelidada de osso do colarinho (do inglês: collar bone)). Estas fraturas muito comuns geralmente consolidam sem complicações, embora estas sejam possíveis.

Epidemiologia

  • Corresponde ao osso mais frequentemente fraturado na infância
  • 2%–10% de todas as fraturas
  • Incidência: 1 em 1000 pessoas por ano
  • Em doentes jovens, a principal causa são as lesões desportivas
  • Em doentes mais velhos, a principal causa são as quedas
  • O local mais frequente de fratura é o terço médio da clavícula, seguido pelo terço lateral e depois pelo terço medial.
  • 85% das fraturas claviculares ocorrem por uma queda sobre a região lateral do ombro
  • Corresponde à lesão traumática mais comum associada ao parto (por peso elevado ao nascimento e distocia de ombros)

Etiologia

  • Traumatismo de alta energia em crianças, adolescentes e adultos
    • Queda em altura
    • Acidente com veículo motorizado
    • Lesão desportiva
    • Força contundente sobre a clavícula
  • Traumatismo de baixa energia em idosos (por exemplo, queda da própria altura)

Classificação das fraturas claviculares (com base na localização)

  • Grupo I: terço médio
  • Grupo II: terço lateral
  • Grupo III: terço medial
Classificação de fraturas de allman

Classificação de fraturas claviculares de Allman

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

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Fisiopatologia

O princípio geral, responsável por qualquer fratura, é o osso ser submetido a uma carga superior à sua capacidade de suporte, o que culmina na perda da integridade estrutural. Quando a transferência de energia cinética é grande o suficiente, qualquer mecanismo traumático pode induzir uma fratura.

Anatomia clínica

  • Osso em forma de S
  • Representa a única conexão óssea entre o tronco e o membro superior
  • Articula-se medialmente com o esterno e lateralmente com o acrómio
  • Graças à tração exercida pelo músculo esternocleidomastóideo, nas fraturas deslocadas, o fragmento proximal encontra-se quase sempre deslocado superiormente

Mecanismos de trauma

  • Queda sobre a região lateral do ombro (a maioria)
  • Queda sobre a mão em hiperextensão
  • Traumatismo direto na clavícula (contuso, penetrante)

Fraturas do terço medial da clavícula (grupo III)

  • Corresponde ao tipo de fratura menos comum, mas que mais frequentemente se associa a lesão grave
  • Associa-se a traumatismo de alta energia e lesões no tórax, cabeça e pescoço

Fraturas do terço distal da clavícula (grupo II)

  • Podem ser confundidas com lesões acromioclaviculares
  • Classificam-se com base na localização da fratura e estabilidade ligamentar
Classificação de neer para fraturas da extremidade distal da clavícula

Classificação de Neer para fraturas da extremidade distal da clavícula
AC: acromioclavicular

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Apresentação Clínica

A avaliação de uma fratura da clavícula depende da situação clínica, no entanto, a maioria corresponde a uma fratura clássica do eixo médio, ou seja, do grupo I. Quando esta ocorre no contexto de um trauma de alta energia, os doentes podem necessitar de uma avaliação e tratamento simultâneos conforme o método de Suporte Avançado de Vida no Trauma (ATLS, pela sigla em inglês) (mais frequente com fraturas do grupo III).

História clínica

  • Os doentes, ou testemunhas, irão relatar o trauma:
    • Recente
    • Traumatismo contuso ou penetrante de alta energia
      • Acidente rodoviário
      • Queda em altura
      • Lesão na prática desportiva de alto impacto
      • Agressão com um objeto contundente ou afiado
  • O médico deve compreender qual foi o mecanismo de trauma e avaliar detalhes sobre o mecanismo da lesão:
    • Acidentes rodoviários: tipo de sistema de contenção utilizado, airbags, posição do doente no veículo, estado clínico dos outros passageiros
    • Mecanismo de queda
  • Em idosos, é dado ênfase às comorbidades e risco de queda:
    • Fatores que aumentam o risco de síncope:
      • AVC
      • EAM
      • Arritmia
    • Fatores que aumentam o risco de queda:
      • Artrite em articulações de suporte
      • Neuropatia periférica
      • Fraqueza generalizada
      • Défice da acuidade visual

Exame objetivo

  • O membro afetado é mantido junto ao corpo
  • Dor no local da fratura, exacerbada com o movimento ou a palpação
  • Deformidade visível/palpável sobre o local da fratura:
    • Pode ocorrer o fenómeno de “tenting” na pele (pele estirada pelo desvio do osso fraturado).
    • Pode haver equimose/hematoma.
    • Deslocamento:
      • Devido à ação do músculo peitoral maior sem oposição, o fragmento lateral pode estar deslocado inferior e medialmente.
      • Devido à ação do músculo esternocleidomastóideo sem oposição, o fragmento proximal pode estar deslocado superiormente.
  • Avaliar a presença de fraturas/luxações/subluxações concomitantes:
    • Fraturas:
      • Costelas
      • Esterno
      • Úmero
      • Acrómio
      • Omoplata
      • Vértebras cervicais
    • Luxações/subluxações:
      • Articulação glenoumeral
      • Articulação esternoclavicular
  • Avaliar a presença de lesão neurovascular
    • Lesão da artéria subclávia → pulsos diminuídos/palidez no membro afetado
    • Lesão do plexo braquial → alterações motoras/sensitivas no membro afetado
  • Avaliar a presença de lesão pulmonar/pneumotórax:
    • Dispneia
    • Diminuição do murmúrio vesicular e da excursão pulmonar
    • Hiperressonância à percussão

Diagnóstico

Inicialmente, faz-se o diagnóstico clínico, confirmado por imagiologia (raio-X).

Raio-X

  • A incidência ântero-posterior (AP) geralmente é suficiente para o diagnóstico e classificação
    • Deve incluir as articulações acromioclavicular e esternoclavicular
    • Realizar uma inclinação cefálica de 45 graus se a incidência AP for insuficiente
  • A radiografia do tórax está indicada se houver suspeita clínica de:
    • Pneumotórax
    • Fratura do esterno
  • Radiografias do ombro estão indicadas se houver suspeita clínica de:
    • Fratura da glenóide ou escapular
    • Fratura umeral (proximal)
  • Na suspeita de fratura vertebral devem ser realizadas radiografias cervicais
  • Descrição da fratura:
    • Localização da fratura (classificação de Allman):
      • Terço proximal
      • Terço médio
      • Terço lateral
    • Completa ou incompleta
    • Associação com desvio ou angulação
    • Achados secundários:
      • Aumento da opacidade dos tecidos moles (inflamação e edema)
      • Reação periosteal/formação de calo (fratura mais antiga)

TC

  • Em casos complexos ou pouco comuns, pode ser necessária para a orientação e planeamento do tratamento definitivo
  • Considerada na avaliação de fraturas do terço medial com deslocação posterior
  • Considerada na suspeita de fratura vertebral cervical/torácica concomitante
  • Doentes instáveis não devem realizar TC.

Ecografia

A ecografia é uma hipótese na suspeita de lesão arterial (artéria subclávia).

Tratamento

A maioria das fraturas da clavícula consolida na ausência de intervenção cirúrgica. No entanto, a ocorrência de complicações e a não união óssea podem ser desafiantes. O tratamento definitivo depende do tipo de fratura e é geralmente feito em consulta externa com um ortopedista. Num pequeno número de fraturas da clavícula com envolvimento vascular ou pneumotórax associado, pode estar indicada uma consulta com cirurgia torácica ou vascular.

Indicações para referenciar para a cirurgia ortopédica

  • Fratura completamente desviada (deslocamento> 1 largura óssea)
  • Encurtamento longitudinal ≥ 2 cm, “tenting” da pele grave com risco de perfuração
  • Fraturas cominutivas
  • Fraturas expostas
  • Fraturas claviculares com desvio medial
  • Fraturas claviculares distais tipo II
  • Compromisso neurovascular
  • Fratura da glenóide associada (ombro flutuante)
  • Não união óssea sintomática

Tratamento por grupo

Fraturas do grupo I (terço médio):

  • O tratamento depende do desvio, idade e nível de atividade
  • O tratamento é maioritariamente conservador, embora recentemente haja mais evidência para o tratamento cirúrgico de algumas fraturas
  • Conservador:
    • Suspensor (do inglês: sling) ou cruzado posterior (do inglês: figure 8 brace): a literatura não demonstra diferenças nos resultados
    • Demora 6 a 8 semanas a consolidar em adultos
  • Intervenção cirúrgica:
    • Existe uma evidência crescente para o tratamento cirúrgico de fraturas da clavícula com desvio
    • Opções cirúrgicas:
      • Fixação intramedular
      • Fixação de placa e parafusos
    • Indicações sugeridas:
      • Fraturas complicadas do terço médio
      • Fraturas com uma sobreposição > 2 cm
      • Fenómeno de “tenting” da pele grave
      • Não união óssea sintomática

Fraturas do grupo II (terço distal):

  • Referenciar a ortopedia para possível intervenção cirúrgica
  • Apresentam alta incidência de não consolidação
  • Normalmente, as fraturas do tipo II da clavícula distal (ao nível dos ligamentos coracoclaviculares) são tratadas cirurgicamente

Fraturas do grupo III (terço medial):

  • Geralmente são tratadas de forma conservadora
  • É essencial procurar por lesões do tórax ou pescoço associadas
  • Uma luxação posterior esternoclavicular deve ser avaliada de forma emergente, devido ao potencial de lesão de grandes vasos e outras lesões intratorácicas

Tratamento conservador

  • O suspensor (do inglês: sling), suspensor com banda torácica (do inglês: sling and swathe) e o cruzado posterior (do inglês: figure 8 brace) são os mais amplamente utilizados
  • Exercícios de amplitude do movimento (ROM, pela sigla em inglês) do cotovelo e punho são iniciados em 2–3 dias após a lesão.
  • As fraturas do eixo médio sem desvio desenvolvem menos complicações e apresentam uma recuperação mais rápida
  • Consolidação clínica:
    • 6–12 semanas em adultos
    • 3–6 semanas em crianças
  • A complicação mais comum é a consolidação incorreta:
    • Consolidação incompleta
    • Encurtamento
    • Angulação
  • Não união: ocorre quando a fratura não consolidou em 6 meses
Tratamento conservador de fraturas da clavícula

Tratamento conservador de fraturas da clavícula:
A. Cruzado posterior (do inglês: figure 8 bandage)
B. Suspensor de braço simples (do inglês: simple arm sling)

Imagem: “Conservative management of clavicle fractures” por Lenza M et al. Licença: CC BY 4.0

Tratamento cirúrgico

A literatura recente desafia a crença de que todas as fraturas do eixo médio consolidam sem dificuldade.

  • Redução aberta e fixação interna da fratura com:
    • Fixação com placa
    • Fixação com pino intramedular
  • Complicações cirúrgicas:
    • Infeção
    • Falência ou migração do hardware
    • Lesão isquémica da pele
    • Lesão do plexo braquial

Reabilitação

  • Assim que sejam tolerados, são iniciados exercícios de amplitude de movimento para o cotovelo e punho, bem como exercícios de pêndulo de baixa intensidade para o ombro.
  • Fisioterapia: consoante os achados clínicos e radiográficos de consolidação, são realizados exercícios de amplitude de movimento e de força.
  • São necessários 2–4 meses para atletas que praticam desportos de contacto, na presença de consolidação radiológica

Complicações relacionadas com uma fratura da clavícula

  • Lesão direta na artéria subclávia ou plexo braquial
  • Compressão do plexo braquial pela formação de um calo → neuropatia compressiva
  • Pneumotórax devido a lesão no ápice pulmonar
  • Não união da fratura
  • Artrite pós-traumática (articulação acromioclavicular (AC) ou esternoclavicular (SC, pela sigla em inglês))

Prognóstico

  • A maioria das fraturas claviculares são tratadas conservadoramente com bons resultados.
  • A evidência para o tratamento cirúrgico de fraturas do terço médio está a aumentar.
  • Complicações graves não são comuns; a complicação mais comum é a consolidação incorreta.
  • Os doentes podem voltar ao desporto/trabalho com base em:
    • Localização da fratura
    • Grau de consolidação
    • Requisitos de atividade
  • A maioria dos doentes retorna à atividade normal em 6–8 semanas.

Relevância Clínica

Outros diagnósticos comuns relacionados com traumatismo do ombro

  • Rutura da coifa dos rotadores: lesão nos tendões dos músculos que constituem a coifa dos rotadores. Esta pode ocorrer na sequência de um traumatismo agudo, queda, movimentos repetitivos ou degeneração do tendão. O tendão mais frequentemente rompido é o do músculo supraespinhoso.
  • Luxação glenoumeral: deslocação da cabeça do úmero em relação à fossa glenóide. A articulação glenoumeral é a articulação mais frequentemente luxada, e > 90% das luxações do ombro são ântero-inferiores.
  • Lesão da articulação acromioclavicular: comum em adultos. Ocorre por uma queda sobre a região lateral do ombro com o braço em adução.
  • Lesão da articulação esternoclavicular: podem assumir a forma de entorses ou luxações, e estas últimas podem ser anteriores ou posteriores. As luxações posteriores requerem uma avaliação emergente devido ao potencial de lesionar estruturas mediastinais.

Tópicos clinicamente relevantes relacionados com fraturas da clavícula e quedas

  • Pneumotórax: acumulação de ar no espaço pleural (entre a pleura parietal e visceral), que pode ser aberto (em comunicação com a atmosfera) ou hipertensivo (sem abertura na parede torácica). Pode ocorrer em fraturas claviculares se houver lesão no ápice pulmonar.
  • Síncope: perda de consciência transitória e autolimitada causada por uma diminuição da perfusão cerebral, na maioria das vezes como resultado de uma queda abrupta da PA sistémica. Os episódios são breves (8–10 segundos) e são classificados como cardiogénicos, ortostáticos ou neurogénicos.
  • AVC: corresponde a uma lesão no tecido cerebral após a interrupção do fluxo sanguíneo (AVC isquémico) ou hemorragia ativa (AVC hemorrágico), que tem características clínicas neurológicas distintas.
  • EAM: lesão do miocárdio por isquemia. Caracteriza-se por um aumento das enzimas cardíacas (especialmente a troponina T), alterações no ECG sugestivas de isquemia em 2 derivações contíguas e dor torácica.

Referências

  1. Browner, B., Jupiter, J., Krettek, C., Anderson, P. (2020). Skeletal Trauma: Basic Science, Management, and Reconstruction. Philadelphia: Elsevier.
  2. Bentley, T. P., Hosseinzadeh, S. (2021). Clavicle fractures. StatPearls. Retrieved June 27, 2021, from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK507892/

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