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Flutter Auricular

O flutter auricular é uma taquicardia supraventricular regular caracterizada por uma frequência cardíaca auricular entre 240 e 340/min (tipicamente 300/min), por um bloqueio de condução do nó auriculoventricular (AV) e por um padrão em “dentes de serra” no eletrocardiograma (ECG). Existem muitas causas cardíacas e não cardíacas de flutter, no entanto, os doentes geralmente apresentam doença cardíaca estrutural subjacente. Os sintomas incluem palpitações, dispneia, dor torácica, tonturas e náuseas. O tratamento é semelhante ao da fibrilhação auricular, com foco no controlo do ritmo e na prevenção da embolização sistémica.

Última atualização: Jul 9, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Epidemiologia

  • Mais comum em idosos
  • Raro em doentes sem doença cardíaca estrutural subjacente (maior incidência se dilatação da aurícula esquerda ou insuficiência cardíaca ventricular esquerda ou mesmo biventricular)
  • Menos frequente que a fibrilhação auricular
  • 2,5 vezes mais prevalente em homens do que em mulheres

Etiologia

  • Causas cardíacas:
    • Doenças estruturais:
      • Doença arterial coronária e enfarte agudo do miocárdio
      • Insuficiência cardíaca
      • Valvulopatia
      • Doença cardíaca hipertensiva
      • Cardiomiopatia
      • Pós-cirurgia cardíaca (como cirurgia de bypass) ou ablação
    • Defeitos cardíacos congénitos:
      • Anomalia de Ebstein
      • Defeito do septo auricular
      • Tetralogia de Fallot
    • Doenças inflamatórias:
      • Pericardite
      • Miocardite
    • Anomalias do sistema de condução:
      • Disfunção do nó sinusal
      • Cicatrizes de auriculotomia
  • Causas pulmonares:
    • Doença pulmonar obstrutiva crónica
    • Embolia pulmonar
    • Síndrome da apneia obstrutiva do sono
  • Outras causas:
    • Desequilíbrio eletrolítico
    • Doença aguda (por exemplo, sépsis, choque)
    • Hipertiroidismo
    • Obesidade
    • Início de fármacos antiarrítmicos
    • Toxicidade digitálica (raro)

Fisiopatologia

O flutter auricular é causado por um circuito elétrico de macroreentrada (cobre uma grande área da aurícula):

  • Resulta numa frequência cardíaca auricular entre 240 e 340/min
  • O bloqueio de condução do nó auriculoventricular resulta numa razão inferior de batimentos ventriculares em relação aos auriculares.
    • O nó auriculoventricular não consegue conduzir na mesma frequência da atividade auricular.
    • Geralmente apresenta-se numa proporção de 2:1 se o doente não estiver a utilizar fármacos bloqueadores do nó AV
    • Resulta numa frequência cardíaca ventricular média de cerca de 150/min.
  • Habitualmente converte de volta ao ritmo sinusal ou deteriora numa fibrilhação auricular.

Flutter auricular típico:

  • O circuito tem origem na aurícula direita.
  • Envolve o istmo cavotricúspide (região na aurícula direita entre a abertura da veia cava inferior e a válvula tricúspide):
    • Habitualmente no sentido anti-horário
    • Circuito no sentido horário = flutter auricular típico reverso
Flutter atrial típico

A imagem mostra os circuitos de macrorrentrada no flutter auricular típico. Notar que o istmo cavotricúspide está envolvido no flutter auricular típico.

Imagem de Lecturio.

Flutter auricular atípico:

  • Tem origem em qualquer região da aurícula direita ou esquerda, geralmente em volta de tecido cicatricial (este pode resultar de doença cardíaca intrínseca ou ser iatrogénico devido a um procedimento cardíaco)
  • Sem envolvimento do istmo cavotricúspide.
Flutter atrial atípico

A imagem mostra os circuitos de macrorreentrada no flutter auricular atípico. Notar que a vibração atípica se centra numa área de tecido cicatricial.

Imagem de Lecturio.

Apresentação Clínica

Sintomas

  • O flutter auricular pode ser assintomático ou apresentar:
    • Palpitações
    • Tonturas
    • Síncope
    • Dispneia
    • Dor torácica
    • Fadiga
    • Náuseas
    • Ansiedade
  • Os doentes podem apresentar condições resultantes do flutter auricular (consultar a tabela em “Complicações”).

Exame objetivo

  • Taquicardia, geralmente com pulso regular
  • Hipotensão
  • Diaforese
  • Indicadores de uma causa subjacente:
    • Sopro cardíaco → doença valvular
    • Atrito pericárdico → pericardite
    • Exoftalmia → hipertiroidismo
    • Expiração prolongada ou sibilos → DPOC

Complicações

Complicação Possíveis sintomas Achados ao exame objetivo
Cardíacas:
  • A taquicardia de longa duração pode causar alterações estruturais cardíacas.
  • Aumento da necessidade de oxigénio por parte do miocárdio
Insuficiência cardíaca
  • Dispneia
  • Tosse
  • Ortopneia
  • Edema
  • Distensão venosa jugular
  • Crepitações
  • Galope S3
  • Edema depressível do membro inferior
Isquemia do miocárdio
  • Pressão torácica
  • Dispneia
  • Tonturas
  • Geralmente não específico
  • Diaforese
Tromboembólicoas:
  • Mecanismo não totalmente compreendido
  • Pode estar relacionado com períodos intermitentes de fibrilhação auricular, resultando em estase do sangue e formação de trombos
AVC/ataque isquémico transitório (AIT)
  • Disartria
  • Fraqueza muscular
  • Parestesias
  • Mudanças de visão
Déficits focais no exame neurológico
infarto esplênico
  • Dor abdominal superior esquerda
  • Náuseas e vómitos
  • Dor no ombro esquerdo
  • Sensibilidade no quadrante superior esquerdo
  • Sensibilidade do flanco esquerdo
  • Febre
Infarto intestinal
  • Dor abdominal intensa
  • Dor pós-prandial
  • Náuseas e vómitos
  • Abdómen doloroso à palpação
  • Distensão abdominal
  • Ausência de ruidos hidroaéreos intestinais
  • Sinais peritoneais
Enfarte renal
  • Dor no flanco ou abdominal
  • Náuseas e vómitos
  • Dor à palpação na região do flanco
  • Pressão arterial elevada
  • Febre

Diagnóstico

Meios complementares de diagnóstico

  • Eletrocardiograma:
    • Frequência auricular de cerca de 300/min (varia entre 240 a 340/min)
    • As ondas P típicas são substituídas por ondas de flutter em “dentes de serra” (ondas F).
    • Complexos QRS estreitos
    • Relação consistente entre a frequência auricular e ventricular (habitualmente uma frequência ventricular de cerca de 150/min, em condução 2:1).
    • Pode fornecer pistas relativamente a doenças cardíacas subjacentes ou a complicações:
      • Evidência de hipertrofia ventricular esquerda.
      • Isquemia miocárdica relacionada com a frequência cardíaca (depressões de ST que resolvem com a normalização da frequência).
      • Enfarte agudo do miocárdio
  • Holter:
    • Dispositivo portátil que regista continuamente a atividade cardíaca (geralmente utilizado durante 24 a 48 horas)
    • Não é necessário para diagnóstico, mas pode detetar eventos transitórios se os sintomas forem inespecíficos ou de curta duração.
    • Identificar eventos precipitantes.
    • Detetar outras arritmias associadas.

Estudos adicionais

  • Ecocardiograma transtorácico:
    • Avaliar a presença de doença estrutural, tal como dilatação auricular ou doença valvular
    • Avaliar anomalias da cinética das paredes
    • Avaliar a função sistólica ventricular
  • Ecocardiograma transesofágico:
    • Investigar se existem trombos intracardíacos
    • Avaliação importante antes da cardioversão para minimizar o risco de tromboembolismo
  • Prova de esforço:
    • Avaliar a presença de doença cardíaca isquémica associada
    • Pode despoletar o flutter auricular induzido pelo exercício
  • Outros testes para investigar a etiologia subjacente:
    • Eletrólitos séricos → desequilíbrio eletrolítico
    • Péptido natriurético tipo B (BNP) → insuficiência cardíaca
    • Troponinas → isquemia miocárdica
    • Hormona estimulante da tiroide (TSH) → rastreio de hipertiroidismo
    • Leucograma → sépsis
    • Doseamento de digoxina → toxicidade digitálica
  • Angiografia pulmonar por TC → tromboembolismo pulmonar

Tratamento

Tratamento agudo

  • Doentes hemodinamicamente instáveis → cardioversão imediata
  • Doentes hemodinamicamente estáveis → controlo da frequência ventricular com:
    • Bloqueadores dos canais de cálcio não dihidropiridínicos (verapamil, diltiazem)
    • Betabloqueadores (metoprolol)
    • A digoxina pode ser usada em alguns doentes com insuficiência cardíaca sistólica concomitante.
  • Identificar e tratar as causas reversíveis (por exemplo, hipertiroidismo, sépsis, alterações eletrolíticas).

Tratamento a longo prazo

  • Semelhante ao tratamento da fibrilhação auricular, mas o foco está no controlo do ritmo.
  • Cardioversão para ritmo sinusal normal:
    • Considerar se um doente não reverter espontaneamente.
    • Ablação por cateter de radiofrequência (tratamento definitivo):
      • Geralmente tem uma elevada taxa de sucesso, com baixa taxa de complicações
      • Taxa de recorrência reduzida em comparação com a cardioversão sincronizada
      • Preferida na maioria dos doentes, exceto naqueles com causas reversíveis de flutter auricular
    • Cardioversão sincronizada:
      • Pode ser considerada se não houver episódios anteriores de flutter auricular.
    • Cardioversão farmacológica:
      • Ibutilide (novo, fármaco de escolha)
      • Outras opções comuns: amiodarona, flecainida, sotalol
  • Prevenção da embolização sistémica:
    • A abordagem é semelhante à da fibrilhação auricular.
    • Se o flutter auricular persistir > 48 horas ou se o seu início for desconhecido:
      • 3-4 semanas de anticoagulação antes da cardioversão
      • Continuar a anticoagulação por 4 semanas após o procedimento, devido ao “atordoamento” da aurícula (redução temporária da função contrátil auricular).
    • Se houver recorrência, pode ser necessária anticoagulação a longo prazo.
    • Deve ser realizada a estratificação de risco através do sistema de pontuação CHA2DS2-VASc (tabela abaixo):
      • Pontuação 0: não é necessária anticoagulação.
      • Pontuação 1 (a menos que o 1 ponto resulte do “sexo feminino”): baixo risco, mas pode beneficiar da anticoagulação.
      • Pontuação ≥ 2: indicação forte para anticoagulação.
    • As opções incluem:
      • Heparina ou enoxaparina (habitualmente utilizada apenas num contexto agudo de internamento)
      • Varfarina (manter um rácio normalizado internacional (INR) de 2-3)
      • Novos anticoagulantes orais (dabigatrano, apixabano e rivaroxabano)
Tabela: Sistema de pontuação de Cha2DS2-VASc (avalia o risco tromboembólico e o risco de acidente vascular cerebral em doentes com FA)
C Insuficiência cardíaca 1
H Hipertensão arterial 1
A Idade (≥ 75 anos) 2
D Diabetes mellitus 1
S AVC, AIT ou tromboembolismo 2
V Doença vascular 1
A Idade 65-74 anos 1
Sc Categoria de sexo (feminino) 1

Diagnóstico Diferencial

  • Fibrilhação auricular: arritmia supraventricular mais comum. Os sintomas são altamente variáveis, mas incluem palpitações, síncope, dispneia ou dor torácica. A fibrilhação auricular é diagnosticada pelo ritmo irregularmente irregular sem ondas P visíveis no ECG, o que a diferencia do flutter auricular. O tratamento centra-se no controlo da frequência ou do ritmo, bem como na anticoagulação para reduzir o risco tromboembólico.
  • Taquicardia auricular multifocal: taquiarritmia auricular que resulta da atividade de pacemaker de várias regiões da aurícula. A taquicardia auricular multifocal observada-se em doentes idosos com doenças pulmonares crónicas e os sintomas estão geralmente relacionados com a doença respiratória. O diagnóstico é feito por ECG, onde são identificadas ≥ 3 morfologias diferentes da onda P. Isto distingue a taquicardia auricular multifocal do padrão uniforme em “dente de serra” do flutter auricular. O tratamento passa pelo controlo da frequência ou do ritmo.
  • Taquicardia supraventricular paroxística: habitualmente deve-se a uma via de reentrada. Os doentes podem ter início abrupto de dor torácica, dispneia ou tonturaa. Um ECG irá revelar complexos QRS estreitos com uma frequência entre 150 e 240/min. A frequência rápida e a ausência de ondas de flutter diferenciam a taquicardia supraventricular paroxística do flutter auricular. O tratamento depende do estado hemodinâmico do doente e do tipo de TSV, podendo incluir manobras vagais, adenosina e cardioversão.
  • Taquicardia sinusal: deve-se ao aumento da atividade do nó SA como resposta fisiológica a um stressor. A taquicardia sinusal pode ser normal e assintomática, ou dever-se a uma doença ativa. Os sintomas estão geralmente relacionados com a causa subjacente. Um ECG irá revelar uma frequência cardíaca > 100/min, complexos QRS estreitos e ondas P regulares (o que diferencia a taquicardia sinusal do flutter auricular). O tratamento deve ser dirigido à doença precipitante.

Referências

  1. Phang, R., Prutkin, J.M., & Ganz, L.I. (2019). Overview of atrial flutter. In Zimetbaum, P.J. (Ed.), UpToDate. Retrieved October 19, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-atrial-flutter
  2. Prutkin, J.M. (2019). Atrial flutter: Maintenance of sinus rhythm. In Knight, B.P. (Ed.), UpToDate. Retrieved October 19, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/atrial-flutter-maintenance-of-sinus-rhythm
  3. Manning, W.J., & Prutkin, J.M. (2019). Embolic risk and the role of anticoagulation in atrial flutter. In Knight, B.P., Kasner, S.E. (Eds.), UpToDate. Retrieved October 19, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/embolic-risk-and-the-role-of-anticoagulation-in-atrial-flutter
  4. Rodriguez Ziccardi, M., Goyal, A., & Maani, C.V. (2020). Atrial flutter. In: StatPearls. Retrieved October 19, 2020, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK540985/
  5. Kasper, D.L., Fauci, A.S., Longo, D.L., Bruanwald, E., Hauser, S. L., & Jameson, J.L. (2007). Harrison’s principles of internal medicine (16th edition). New York: McGraw Hill Education.

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