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Exame Cardiovascular

O exame do sistema cardiovascular (SCV) é um componente essencial de um exame físico completo. Assim como todos os componentes de um exame físico completo, o exame do SCV consiste na inspeção, palpação e auscultação. A avaliação do SCV apresenta como foco o coração, mas também inclui uma avaliação do sistema arterial em todo o organismo. Podem ser diagnosticadas várias condições cardiovasculares com um exame físico, incluindo doença cardíaca valvular, doença arterial periférica e arritmia.

Última atualização: Jul 9, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Introdução

  • Equipamento necessário:
    • Estetoscópio
    • Régua (para medir a pressão venosa jugular (PVJ))
  • Posição:
    • Pedir ao paciente que se deite a 30–45 graus.
    • Expor o tórax do indivíduo mantendo a privacidade.
  • Ambiente:
    • Garantir uma boa iluminação, privacidade e higiene.
    • Cobrir o paciente com uma bata, toalha ou lençol esterilizados.
  • Passos iniciais:
    • Apresentação ao paciente.
    • Explicação do exame e a necessidade da sua realização.
    • Medição da frequência cardíaca e da pressão arterial.

Inspeção

A inspeção é a 1.ª parte do exame cardiovascular. É importante assinalar os achados positivos e negativos pertinentes. A doença cardiovascular pode ser detetada através de uma inspeção completa de todo o corpo.

Aspeto geral

  • Aspeto geral/nível de desconforto do indivíduo:
    • Pontos positivos pertinentes:
      • Bem ou sem desconforto agudo
      • Aspeto normal, confortável
    • Pontos negativos pertinentes:
      • Com desconforto (ligeiro, moderado ou grave)
      • Aspeto descuidado
  • Nível de consciência:
    • Alerta: resposta normal
    • Confuso: desorientação relativamente ao meio envolvente
    • Letárgico: sonolência (necessita de estimulação para iniciar uma resposta)
    • Obnubilado: resposta lenta (necessita de estimulação repetida para manter a atenção)
    • Estuporoso: resposta mínima à estimulação
    • Comatoso/sem resposta: sem resposta à estimulação

Tórax

  • Procurar pulsações visíveis e cicatrizes de toracotomia.
  • Deformidades do tórax:
    • Pectus excavatum:
      • Depressão do esterno e costelas
      • Sinal presente em várias doenças do tecido conjuntivo (e.g., síndrome de Marfan)
    • Pectus carinatum:
      • “Tórax de Pombo”
      • Protrusão do esterno e costelas
    • Sinais de trauma:
      • Tórax instável: por fraturas ao longo da parede torácica
      • Crepitação: ar no tecido subcutâneo

Cabeça

  • Olhos:
    • Palidez conjuntival:
      • Avaliar ao movimentar inferior e suavemente a pálpebra inferior.
      • Sugestiva de anemia
    • Arco corneano:
      • Anel cinza-amarelado na periferia da íris
      • Indicativo de hipercolesterolemia
    • Xantelasma:
      • Lesões amareladas e salientes à volta da região ocular
      • Indicativo de hipercolesterolemia
  • Boca:
    • Cianose central:
      • Descoloração azulada dos lábios
      • Indicativa de baixos níveis de oxigénio
    • Palato alto arqueado:
      • Sugestivo de síndrome de Marfan
      • Associado a ↑ risco de aneurisma/disseção da aorta
    • Higiene dentária: importante em contexto de endocardite infeciosa

Pescoço

Avaliar a PVJ:

  • Deitar o indivíduo em decúbito dorsal a 30 – 45 graus.
  • Localizar a veia jugular externa no cruzamento do músculo esternocleidomastoideu.
  • Identificar o ponto máximo da PVJ.
  • A partir da articulação manúbrio-esternal, medir a altura da PVJ.
  • Altura normal: 6 – 8 cm
  • O aumento da PVJ é sugestivo de hipervolemia.
Avaliação da distensão venosa jugular

Avaliação da pressão venosa jugular (PVJ) com o indivíduo em decúbito dorsal a 30 – 45 graus

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Extremidades

  • Avaliar os dedos e unhas à procura de alterações:
    • O baqueteamento digital é sugestivo de hipóxia crónica.
    • A cianose ungueal é sugestiva de hipóxia.
    • As hemorragias ungueais splinter são sugestivas de êmbolos séticos.
    • Nódulos de Osler:
      • Nódulos dolorosos e avermelhados nas polpas dos dedos
      • Indicativos de endocardite infeciosa
    • Lesões de Janeway:
      • Lesões maculopapulares, eritematosas e não dolorosas na palma da mão
      • Indicativas de endocardite bacteriana
    • Tempo de preenchimento capilar:
      • Normal: < 2 segundos
      • Se prolongado: sugestivo de hipovolemia
    • Manchas de alcatrão:
      • Pelo tabagismo
      • Indicativas de fator de risco para doenças cardiovasculares
  • Extremidades frias podem sugerir baixo débito cardíaco/hipovolemia.
  • A pele suada/húmida pode estar associada à síndrome coronária aguda.
  • O edema periférico é um sinal de insuficiência cardíaca.

Palpação

O exame cardiovascular inclui a palpação dos pulsos e da parede torácica (precórdio).

Pulsos

Observar a frequência, ritmo, força, caráter e comparar com os pulsos contralaterais.

  • Pulso radial:
    • Palpar o pulso lateralmente ao tendão flexor radial do carpo.
    • Atraso radio-radial:
      • Pulsos radiais bilaterais que ocorrem em momentos diferentes
      • Sugestivo de estenose subclávia ou disseção da aorta
    • Pulso colapsante (“pulso martelo de água”):
      • Pulso com distensão abrupta seguida de colapso
      • Sugestivo de insuficiência aórtica grave
  • Pulso braquial:
    • Palpar o pulso medialmente ao úmero na parte superior do braço.
    • Medir a pressão de pulso: a diferença entre a pressão sistólica e diastólica
    • Pressão de pulso reduzida: sugestiva de estenose aórtica
    • Pressão de pulso ampla: sugestiva de insuficiência aórtica
  • Pulso carotídeo:
    • Palpar o pulso entre o esternocleidomastoideu e a traqueia.
    • Um aumento lento é indicativo de estenose aórtica.

Precórdio

  • Colocar a mão direita sobre a área esquerda do tórax do indivíduo de modo a cobrir a área sobre o coração:
    • Pousar a palma da mão direita ao longo da borda do esterno.
    • Colocar os dedos estendidos abaixo do mamilo esquerdo.
  • Identificar o ponto de impulso máximo (onde o coração bate mais forte):
    • Um ventrículo com função normal gerará um impulso de 2 a 3 cm de tamanho.
    • Este é melhor sentido na linha medioclavicular no 5.º espaço intercostal
    • Deve ser sentido um batimento regular, único e não sustentado.
  • Verificar se existem frémitos ou impulsos:
    • Um frémito é uma sensação vibratória provocada por fluxo sanguíneo turbulento devido a alterações valvulares.
    • Um impulso que ocorre na área paraesternal inferior esquerda (entre o terceiro e quarto espaços intercostais) é indicativo de hipertrofia ventricular direita.
Palpação do precórdio, com a palma da mão sobre a borda esternal e dedos abaixo do mamilo esquerdo

Palpação do precórdio: a palma da mão sobre a borda do esterno com os dedos abaixo do mamilo esquerdo

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Auscultação

A auscultação é melhor realizada sob a pele descoberta. Manter a privacidade do indivíduo ao realizar manobras no exame do tórax.

Técnica

  • Requer o uso da campânula e do diafragma do estetoscópio
  • A campânula é utilizada para auscultar sons de baixa frequência:
    • Sopros (fluxo não laminar associado a estenose)
    • Alguns sopros cardíacos
  • O diafragma é utilizado para todos os outros sons.
  • Existem 4 pontos de auscultação do precórdio.
  • Mnemónica: APT-M :
    • A (válvula aórtica): 2.º espaço intercostal direito
    • P (válvula pulmonar): 2.º espaço intercostal esquerdo
    • T (válvula tricúspide): 4.º espaço intercostal esquerdo
    • M (válvula mitral): área lateral do 5.º espaço intercostal

Sons cardíacos

  • S1 (lub) é o 1.º som cardíaco e marca o início da sístole e o final da diástole:
    • Som relativo ao fecho das válvulas mitral e tricúspide
    • Mais alto no ápice
    • Precede o pulso carotídeo
  • S2 (dub) é o 2.º som cardíaco e marca o fim da sístole e o início da diástole:
    • Som relativo ao fecho das válvulas aórtica e pulmonar
    • Mais alto na base
    • Após o pulso carotídeo
  • Extra sons cardíacos:
    • S3 é o 3.º som cardíaco (galope ventricular):
      • Ocorre logo após S2 quando a válvula mitral abre
      • Produzido por uma grande quantidade de sangue que atinge um ventrículo esquerdo (VE) complacente
      • O S3 é frequentemente ouvido no contexto de insuficiência cardíaca sistólica.
    • S4 é o 4.º som cardíaco (galope auricular):
      • Ocorre pouco antes de S1
      • Som representativo da contração auricular para forçar a entrada de sangue num VE não complacente
      • O S4 é frequentemente ouvido no contexto de isquemia cardiovascular aguda.
    • Atrito:
      • Som produzido quando existe inflamação do pericárdio parietal e visceral.
      • Um ruído crepitante
  • Sopros sistólicos:
    • Sopro mesossistólico:
      • ↑ Fluxo através de uma válvula normal (sopro fisiológico ou inocente)
      • Estenose aórtica
      • Estenose pulmonar
      • Cardiomiopatia hipertrófica
      • Defeito do septo auricular
    • Sopro sistólico tardio:
      • Regurgitação mitral (RM)
      • Por disfunção do músculo papilar
      • Prolapso da válvula mitral ou endocardite infeciosa
    • Sopro pansistólico:
      • RM
      • Regurgitação tricúspide
      • Defeito do septo ventricular (DSV)
      • Shunts aortopulmonares
  • Sopros diastólicos:
    • Regurgitação aórtica
    • Regurgitação pulmonar
    • Estenose mitral
    • Estenose tricúspide

Manobras Especiais

Índice tornozelo-braço

  • O índice tornozelo-braço é medido para rastreio de doença arterial periférica.
  • Medir a pressão arterial sistólica em tornozelos e braços bilateralmente.
  • Dividir cada pressão do tornozelo pela pressão sistólica mais alta; a razão determina a presença ou ausência de doença arterial periférica.
Tabela: Interpretação do índice tornozelo-braço
Índice tornozelo-braço Interpretação
> 1,4 Calcificação de vaso sanguíneo
1,0–1,4 Normal
0,9–1,0 Aceitável
0,8–0,9 Doença arterial ligeira
0,5–0,8 Doença arterial moderada
< 0,5 Doença arterial grave
Medir a pressão sistólica no tornozelo para calcular o índice tornozelo braquial

Medir a pressão sistólica no tornozelo para calcular o índice tornozelo-braço

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Relevância Clínica

  • Doença arterial periférica: obstrução do lúmen arterial resultando em diminuição do fluxo sanguíneo para os membros distalmente, que pode ser resultado de aterosclerose ou trombose. Os indivíduos podem ser assintomáticos ou apresentar claudicação progressiva, descoloração cutânea, úlceras isquémicas ou gangrena. O diagnóstico pode ser realizado pela avaliação do índice tornozelo-braço. O tratamento inclui modificações do estilo de vida e tratamento com antiagregantes.
  • Insuficiência cardíaca: incapacidade do coração em fornecer ao organismo um débito cardíaco normal para responder às necessidades metabólicas. A insuficiência cardíaca é frequentemente resultado de hipertensão crónica ou doença cardíaca isquémica. O diagnóstico pode ser sugerido pelos achados do exame físico compatíveis com edema periférico, aumento da PVJ e crepitações na auscultação pulmonar. O tratamento inclui modificações do estilo de vida e fármacos anti-hipertensores (geralmente inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA) e betabloqueadores).
  • Síndrome coronária aguda: doença cardíaca isquémica aguda resultando em angina instável ou enfarte do miocárdio. Os indivíduos apresentam início agudo de dor torácica não aliviada pelo repouso. O diagnóstico pode ser realizado através da obtenção de um eletrocardiograma e da medição dos níveis séricos de enzimas cardíacas (e.g., troponina). A síndrome coronária aguda é uma emergência médica e o tratamento rápido deve ser orientado para a revascularização da área ocluída.
  • Pericardite: inflamação do pericárdio. Frequentemente, a pericardite é uma condição idiopática, mas pode desenvolver-se após um enfarte do miocárdio. Os indivíduos apresentam dor torácica pleurítica e atrito, que pode ser ouvido durante a auscultação cardíaca. A dor torácica classicamente melhora quando o indivíduo se inclina para frente. Os fármacos anti-inflamatórios podem melhorar a gravidade da dor torácica.
  • Tamponamento cardíaco: quando ocorre acumulação de líquido à volta do coração, comprimindo-o e reduzindo o débito cardíaco. Tipicamente os indivíduos apresentam a tríade de Beck: hipotensão, hipofonese cardíaca e aumento da PVJ. O tamponamento cardíaco é uma emergência médica e deve ser tratado com pericardiocentese ou pericardiotomia para remoção do líquido acumulado.

Referências

  1. Walker HK, Hall WD, Hurst JW. (1990). Clinical Methods: The History, Physical, and Laboratory Examinations. 3rd edition. Butterworths.
  2. Mangione S, Nieman LZ. (1997). Cardiac auscultatory skills of internal medicine and family practice trainees: A comparison of diagnostic proficiency. JAMA. 278: 717–22.
  3. Silverman ME, Wooley CF. (2008). Samuel A. Levine and the History of Grading Systolic Murmurs. Am J Cardiol. 102 (8): p.1107–10.
  4. Mangione S, Nieman LZ, Gracely E, Kaye D. (1993). The teaching and practice of cardiac auscultation during internal medicine and cardiology training: nationwide survey. Ann Intern Med 119: 47–54.
  5. Nardone, Lucan LM, Palac DM. (1998). Physical examination: A revered skill under scrutiny. Southern Medical Journal 81: 770–73.

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