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Estenose Aórtica

A estenose aórtica (EA), ou estreitamento da abertura da válvula aórtica, é a doença cardíaca valvular mais comum. Embora a doença cardíaca reumática permaneça a etiologia mais frequente a nível mundial, a EA degenerativa e o defeito congénito da válvula bicúspide correspondem às causas mais comuns nos países desenvolvidos. A estenose aórtica progride gradualmente para insuficiência cardíaca, levando a manifestações clínicas como dispneia para esforços, angina e / ou síncope. Durante a auscultação é audível um sopro sistólico em crescendo-decrescendo no bordo esternal superior direito. O ecocardiograma com Doppler é o exame de imagem de escolha, revelando alterações estruturais e de fluxo na área valvular. A substituição da válvula é o único tratamento eficaz na EA grave sintomática. As indicações para o procedimento dependem dos sintomas do paciente, grau de gravidade da EA, tolerância ao exercício, anormalidades cardíacas simultâneas, risco cirúrgico e expetativa de vida.

Última atualização: Jan 16, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

A estenose aórtica (EA) é o estreitamento da abertura da válvula aórtica.

  • Provoca vários graus de obstrução do fluxo sanguíneo entre o ventrículo esquerdo (VE) e a aorta
  • Consequentemente, produz sobrecarga de pressão no ventículo esquerdo
  • Se não tratada, resulta em disfunção ventricular esquerda e insuficiência cardíaca

Epidemiologia

  • Valvulopatia mais comum
  • Doença cardíaca reumática: causa mais comum de EA a nível mundial
  • Nos países desenvolvidos, as causas mais comuns são:
    • Doença da válvula aórtica calcificada
    • Válvula aórtica bicúspide congénita (afeta 1% 2% da população)
  • A prevalência aumenta com a idade.
  • Homens> mulheres

Etiologia

  • EA calcificada senil:
    • Também conhecida como EA degenerativa
    • Calcificação distrófica da válvula aórtica
    • Causa mais comum em adultos> 70 anos nos países desenvolvidos
    • Fatores de risco:
      • Hipertensão
      • Diabetes
      • Tabagismo
      • Doença renal em estadio final
      • Alterações do metabolismo mineral
  • Cardiopatia reumática:
    • Causa mais comum no mundo nos países em desenvolvimento
    • Frequentemente associada a estenose mitral
    • Presentes da 3ª à 5ª década de vida
  • Válvula aórtica bicúspide congénita:
    • Defeito congénito da válvula cardíaca mais comum
    • Mais predominante no sexo masculino
    • Causa mais comum em adultos <70 anos nos países desenvolvidos
    • Predispõe à calcificação precoce e estenose subsequente
    • Pode apresentar-se com outros defeitos cardíacos (por exemplo, coartação da aorta)
  • Radiação
  • Válvula unicúspide

Fisiopatologia

Mecanismos de lesão valvular

  • EA calcificada senil:
    • O stress hemodinâmico leva à progressão do espessamento e lesão da válvula, predispondo à calcificação.
    • Fatores de risco e calcificação dos folhetos → estenose e obstrução da válvula aórtica
    • Alterações morfológicas macroscópicas: massas calcificadas nas superfícies de saída dos folhetos (que limitam a abertura completa)
  • Cardiopatia reumática:
    • A inflamação da válvula causa necrose e lesões.
    • A fibrose pós-inflamatória dos folhetos da válvula leva à fusão das comissuras → calcificação e estenose
  • Válvula bicúspide:
    • 2 folhetos, geralmente de tamanhos diferentes
    • As válvulas defeituosas contribuem para a turbulência do fluxo sanguíneo, o que eventualmente leva à degeneração e calcificação.

Mecanismo de insuficiência cardíaca

  • Abertura normal da válvula aórtica: área transversal de aproximadamente 3-4 cm²
  • Mudança no gradiente observada quando a área do orifício é <½ do normal
  • A progressão gradual da estenose permite mudanças adaptativas.
  • Obstrução do fluxo sanguíneo transvalvular → aumento da pressão ventricular esquerda para manter o débito cardíaco (DC) → Hipertrofia ventricular esquerda (HVE), de modo a superar o aumento da pós-carga.
  • A hipertrofia do ventrículo esquerdo leva à diminuição da complacência → ↑ da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo (PDFVE)
  • A HVE, ↑ PDFVE e obstrução valvular contínua aumentam as necessidades de oxigénio do VE → ↑ da isquemia e fibrose miocárdica
  • Estas alterações resultam em diminuição da contratilidade e DC → insuficiência cardíaca.
  • Outras complicações:
    • Arritmias (por exemplo, fibrilhação auricular)
    • Hipertensão pulmonar
Sons cardíacos da estenose aórtica

A imagem demonstra a relação entre a pressão ventricular esquerda (linha verde) e a pressão aórtica (linha vermelha) ao longo do ciclo cardíaco. O círculo corresponde ao ponto em que a válvula aórtica normalmente se abriria, iniciando a fase de ejeção ventricular. Na estenose aórtica, a pressão ventricular esquerda excede a pressão aórtica para superar a válvula estenosada. Por conseguinte, surge um sopro de ejeção sistólico.

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

Sintomas

  • Assintomático durante anos
  • Dispneia de esforço e fadiga (sintomas iniciais)
  • Tríade clássica (no estadio final da doença):
    1. Angina de esforço ou dor torácica (por isquemia)
    2. Síncope:
      • De esforço (vasodilatação induzida por exercício, no contexto de obstrução com DC fixo, levando à hipotensão)
      • Em repouso (por arritmias associadas)
    3. Insuficiência cardíaca esquerda:
      • Ortopneia
      • Dispneia paroxística noturna
      • Edema pulmonar

Sinais

  • Pouco perceptíveis no início da doença
  • Pulso e pressão arterial:
    • Pressão de pulso estreita na EA grave
    • “Pulsus parvus et tardus” (pico de baixa amplitude (parvus), atrasado (tardus) no pulso arterial carotídeo)
  • Exame objetivo e auscultação:
    • Ventrículo esquerdo hiperdinâmico, produzindo elevação com um impulso apical duplo ou lateralmente deslocado
    • Podem estar presentes os seguintes sons cardíacos:
      • S2 único suave (encerramento da válvula aórtica diminuído ou ausente; A2P2 síncrono)
      • Divisão paradoxal de S2 (o encerramento da válvula pulmonar, P2, é seguido pelo encerramento da válvula aórtica, A2)
      • S4: reflete uma contração auricular forte contra a HVE
      • Som de ejeção em crianças e adultos jovens (EA congénita)
    • Sopro:
      • Sopro sistólico em crescendo-decrescendo de baixa frequência, melhor audível no bordo esternal superior direito com irradiação para as carótidas
      • Efeito Gallavardin: radiação ocasional do sopro da EA, no sentido descendente para o ápice cardíaco (pode ser confundido com sopro de regurgitação mitral)
    • Manobras provocativas:
      • Sopro diminuído: manobra de Valsalva, em ortostatismo (volume intracardíaco diminuído) ou em esforço isométrico sustentado (pós-carga aumentada)
      • Aumento do sopro: elevação das pernas, agachamento e após uma batida ventricular prematura (pré-carga aumentada)
Sopros cardíacos após correção

Fonocardiogramas de sons cardíacos anormais provocados pelos seguintes defeitos cardíacos:
regurgitação aórtica, prolapso da válvula mitral, estenose mitral (EM), estenose aórtica (EA), regurgitação tricúspide, cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva (CMHO), defeito do septo auricular (DSA), defeito do septo ventricular (DSV) e persistência do canal arterial (PCA)

Imagem por Lecturio.

Áudio:

Este clipe de áudio é um exemplo de estenose aórtica grave. Corresponde a um sopro forte em crescendo-decrescendo que ocorre entre S1 e S2. Devido à gravidade da estenose aórtica, o som cardíaco S2 é inaudível.

Heart sound por The Regents of the University of Michigan. Licença: CC BY-SA 3.0

Diagnóstico

Ecocardiograma transtorácico e com Doppler

  • Exame de diagnóstico de escolha
  • Detalhes fornecidos:
    • Estrutura e função da válvula
    • Achados valvulares: diminuição da abertura da válvula aórtica, calcificação valvular, válvula bicúspide
    • Outros achados: hipertrofia do VE, anormalidades da parede aórtica, função sistólica e diastólica
    • Disfunção sistólica ou fração de ejeção do VE (FE) <50%: importante para determinar o tratamento da EA
  • Parâmetros de estenose (por ecocardiograma com Doppler):
    • Gradiente transvalvular (em mmHg)
    • Velocidade de fluxo com diminuição da área valvular
    • Área da válvula aórtica (em cm²):
      • EA grave: área da válvula< 1 cm 2
      • EA moderada: área da válvula 1–1,5 cm 2
      • EA ligeira: área da válvula 1,5-2 cm 2
  • Informações adicionais fornecidas:
    • Outra doença valvular coexistente
    • Cardiomiopatia hipertrófica
    • Aneurisma de aorta ascendente associado a válvulas bicúspides
    • Coartação de aorta

Outros exames

  • ECG:
    • Os resultados variam e dependem dos defeitos estruturais e arritmias associados.
    • Pode demonstrar hipertrofia ventricular esquerda, aumento da aurícula esquerda e desvio do eixo para a esquerda
  • Radiografia do tórax:
    • Pode ser visualizada calcificação da válvula aórtica na incidência de perfil.
    • Pode ainda ser visualizada congestão pulmonar por insuficiência do VE.
  • Prova de esforço ou teste de tolerância ao exercício (TTE):
    • Contra-indicado na EA grave sintomática
    • Realizado em casos selecionados (por exemplo, nível de atividade física pouco esclarecido, EA de baixo gradiente)
  • Cateterismo cardíaco e arteriografia coronária:
    • Fornece informações sobre o gradiente de pressão entre o ventrículo esquerdo e aorta e permite uma avaliação hemodinâmica geral, quando os outros testes são inconclusivos
    • Avaliação da doença arterial coronária: informação importante a considerar antes da cirurgia valvular
  • Tomografia computadorizada com multidetetores (TCMD):
    • Apoia na avaliação da EA de baixo gradiente
    • A quantificação da calcificação da válvula aórtica correlaciona-se com a gravidade da estenose.

Tratamento

Princípios gerais

  • Substituição da válvula aórtica (SVR): fundamental no tratamento da EA sintomática
  • Para determinar os candidatos para SVR, são necessários os seguintes detalhes:
    • Nível dos sintomas
    • Gravidade da EA:
      • EA grave: velocidade do jato aórtico ≥ 4 m / seg, gradiente transvalvular médio de ≥ 40 mmHg
      • EA grave: habitualmente com área <1 cm² (mas não é obrigatório)
    • Função sistólica do VE: FEVE <50% = disfunção sistólica
  • Indicações para SVR:
    • EA grave assintomática:
      • TTE anormal (tolerância ao exercício diminuída)
      • Com FEVE <50%
      • Se submetido a outra cirurgia cardíaca
      • Progressão rápida da doença e baixo risco cirúrgico
  • EA grave sintomática
  • Na EA menos grave ou moderada, a realização de SVR depende de vários fatores:
    • Sintomas
    • Área da válvula aórtica <1 cm²
    • FEVE
    • TTE, ecocardiograma sob stress com dobutamina
    • Se submetido a outra cirurgia cardíaca

Tratamento cirúrgico

  • Nos pacientes com expectativa de vida > 1 ano e se a cirurgia for suscetível de melhorar a qualidade de vida
  • Implante de válvula aórtica transcateter (TAVI):
    • Nos pacientes com risco cirúrgico intermédio-alto
    • Nos pacientes com baixo risco cirúrgico com viabilidade para TAVI
  • Substituição cirúrgica da válvula aórtica (“SAVR”, sigla em inglês para “surgical aortic valve replacement”):
    • Nos pacientes com risco baixo ou intermédio e em que a TAVI não é viável
    • Presença de outra indicação para cirurgia cardíaca
  • Valvuloplastia aórtica percutânea com balão (VAPB):
    • Não é um equivalente da substituição valvular
    • Apresenta alta taxa de reestenose
    • Considerar como uma ponte para TAVI ou SAVR nos casos de EA grave sintomática
    • Paliação nos pacientes que não são bons candidatos para SVR
    • Pode estar indicada nos pacientes jovens e adolescentes

Recomendações gerais para tratamento não cirúrgico

  • Monitorização periódica:
    • TTE a cada 6 12 meses nos casos de EA grave assintomática
    • TTE a cada 1–2 anos nos casos de EA moderada e a cada 3-5 anos na EA ligeira
  • Exercício físico:
    • Evitar atividades físicas extenuantes e desportos competitivos nos casos de EA grave.
    • Evitar a desidratação (para compensar relativamente ao DC diminuído).
  • Fármacos:
    • Profilaxia de endocardite: história de endocardite infeciosa
    • Diretrizes gerais: Começar com uma dose baixa e titular lentamente.
    • Inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA): podem melhorar a fibrose do VE, além do controlo da pressão arterial
    • Beta bloqueantes:
      • Reduzem a contratilidade
      • Se doença arterial coronária ou fibrilhação auricular simultânea
      • Na hipertensão, em dose baixa, mas evitar na EA sintomática e insuficiência cardíaca.
    • Diuréticos:
      • A diminuição excessiva da pré-carga deve ser evitada.
      • Utilizar com cuidado se paciente com EA sintomática (porque reduz o volume ventricular).

Prognóstico

  • Se não tratados com cirurgia, 50% dos pacientes morrem dentro de 3 anos desde o início dos sintomas (angina, síncope ou insuficiência cardíaca).
  • A taxa de mortalidade do procedimento cirúrgico de substituição valvular, incluindo em idosos, é de 2% a 5%.

Diagnósticos Diferenciais

  • Cardiomiopatia hipertrófica: condição cardíaca caracterizada pelo espessamento da parede ventricular esquerda e consequente obstrução do fluxo ventricular esquerdo e disfunção diastólica. Os pacientes apresentam dispneia para esforços, síncope e, em casos extremos, morte súbita cardíaca. O sopro sistólico aumenta com a manobra de Valsalva e em ortostatismo. O diagnóstico é obtido por ecocardiograma. O tratamento inclui agentes inotrópicos negativos com opções cirúrgicas para reduzir a obstrução do fluxo de saída do VE. É colocado um desfibrilhador implantável nos indivíduos com risco de morte súbita.
  • Enfarte do miocárdio: bloqueio agudo das artérias coronárias que irrigam o coração, que pode predispor à incompetência valvular estrutural. Apresenta-se habitualmente com dor torácica e o diagnóstico é obtido com ECG e testes de enzimas cardíacas.
  • Regurgitação aórtica: caracterizada pelo refluxo de sangue da aorta para o ventrículo esquerdo, frequentemente causada por cardiopatia reumática e distúrbios valvulares congénitos e degenerativos. Ao exame objetivo, na auscultação está presente um sopro diastólico agudo precoce em decrescendo, melhor audível no bordo esternal esquerdo. O diagnóstico é obtido por ecocardiograma. A forma aguda representa uma emergência médica e requer cirurgia imediata.
  • Insuficiência cardíaca (IC) com disfunção sistólica: condição crónica e progressiva, caracterizada por disfunção ventricular esquerda por comprometimento da contratilidade dos miócitos. Resulta na sobrecarga de volume subsequente. Os fatores de risco incluem hipertensão, doença arterial coronária e Diabetes Mellitus. A insuficiência cardíaca pode surgir com ou sem distúrbios valvulares concomitantes.

Referências

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