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Encefalopatia Hepática

A encefalopatia hepática é uma condição reversível na qual estão presentes níveis elevados de amónia que causam comprometimento da função cerebral em pacientes com doença hepática avançada. A encefalopatia hepática pode ser precipitada por condições que afetam a absorção, metabolismo ou eliminação da amónia, como é o caso da desidratação, insuficiência renal, infeções e sangramento gastrointestinal. Os pacientes apresentam uma progressão dos sintomas desde confusão ligeira e asterixis até estupor e coma. O diagnóstico é clínico e requer a exclusão de outros diagnósticos diferenciais. O tratamento envolve a abordagem do fator causal e também provocar a diminuição da absorção sistémica de amónia com lactulose ou rifaximina.

Última atualização: Jan 17, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

  • Afeta:
    • 30%–45% dos doentes com cirrose
    • 10%–50% dos doentes submetidos a derivações portossistémicas intra-hepáticas transjugulares (TIPS)
  • 2ª causa mais comum de hospitalização em pacientes cirróticos (antecedido pela ascite)

Etiologia

A encefalopatia hepática é observada em pacientes com doença hepática grave ou insuficiência hepática e pode ser exacerbada por:

  • Metabolismo ou depuração de amónia diminuídos
    • Insuficiência renal
    • Diuréticos
    • Derivação portossistémica intra-hepática transjugular (TIPS)
  • Aumento da produção ou absorção de amónia
    • Excesso de ingestão de proteína na dieta
    • Hemorragia gastrointestinal (GI)
    • Obstipação
    • Infecão (peritonite bacteriana espontânea)
  • Distúrbios hidroeletrolíticos
    • Hipocaliemia
    • Alcalose metabólica
  • Problemas respiratórios
    • Hipóxia
    • Hipercapnia
  • Oclusão vascular
    • Trombose da veia porta
    • Trombose da veia hepática
  • Fármacos
    • Opiáceos
    • Benzodiazepinas
    • Álcool
    • Hipnóticos

Fatores precipitantes para encefalopatia hepática podem ser relembrados pela mnemônica “HEPATICS”:

H Hemorragia no trato GI
E Excesso de proteína na dieta
P Potássio (hipocalemia)
A Alcalose ou azotemia
T Procedimento TIPS
I Infeção
C Obstipação (Constipation)
S Sedativos
Principais fatores de risco para encefalopatia hepática

Principais fatores de risco para encefalopatia hepática num paciente com insuficiência hepática
AKI: lesão renal aguda
SBP: peritonite bacteriana espontânea

Imagem por Lecturio.

Fisiopatologia

Fisiologia normal:

  • O trato GI é a principal fonte de amónia, onde é produzida por:
    • Enterócitos a partir da glutamina
    • Catabolismo do nitrogénio pelas bactérias colonizadoras do trato GI
  • A amónia entra na circulação pela veia porta.
  • O fígado faz o clearance dessa amónia convertendo-a em glutamina → impede a entrada na circulação sistémica

A doença hepática provoca a interrupção da regulação normal da amónia:

  • Disfunção dos hepatócitos: ↓ conversão de amónia em glutamina → ↑ amónia sérica
  • Vasodilatação esplâncnica e periférica: desvio portossistémico do fígado → ↑ amónia sérica
  • ↑ Permeabilidade da barreira hematoencefálica: permite ↑ entrega de amónia aos astrócitos

A função cerebral prejudicada resulta de uma acumulação de amónia:

  • É utilizada para produzir glutamina → ↑ pressão osmótica e edema dos astrócitos → edema cerebral
  • Liga-se aos recetores do ácido γ-aminobutírico (GABA) → ↑ Função inibitória GABA-energética
  • Inibe uma etapa do ciclo de Krebs → ↓ suprimento de combustível metabólico
Efeitos da hiperamonemia no ciclo glutamato-glutamina

A amónia (NH 3) atravessa a barreira hematoencefálica e é absorvida e metabolizada pelos astrócitos. Estas células usam a amónia ao sintetizar glutamina a partir de glutamato. O aumento dos níveis de glutamina leva a um aumento da pressão osmótica nos astrócitos, que ficam edemaciados, resultando em edema cerebral. A amónia também aumenta a atividade do sistema inibitório GABA e reduz a produção de energia.

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

Sintomas

  • Comprometimento cognitivo (lentidão mental, confusão, sonolência e coma)
  • Distúrbios do padrão de sono
    • Insónia
    • Hipersónia
    • Geralmente precede outras alterações do estado mental
  • Mudanças de humor
    • Euforia
    • Depressão

Achados do exame físico

  • Asterixis (movimento das mãos quanto estendidas e dorsifletidas)
  • Ataxia
  • Hiperreflexia
  • Nistagmo
  • Evidência de doença hepática crónica (e.g., icterícia, distensão abdominal, ascite, edema)

Gravidade

Os critérios de West Haven são usados para classificar a gravidade clínica.

Estadio Consciência Compreensão e comportamento Achados neurológicos
0 Normal Normal Normal
Mínima Normal Os testes psicométricos (velocidade psicomotora/ função executiva) ou neurofisiológicos encontram-se alterados. Os testes psicométricos (velocidade psicomotora/ função executiva) ou neurofisiológicos encontram-se alterados.
1 Leve alteração de consciência Compreensão lenta, apatia, inquietação, alteração do sono Asterixis ligeira, alteração cognitiva
2 Letárgico Desorientação moderada, sonolência, comportamento inadequado Asterixis, fala lentificada
3 Sonolento, mas despertável Desorientação, fala incoerente Asterixis, hiperreflexia, clônus, rigidez muscular
4 Coma Coma Descerebração ou descorticação, asterixis geralmente estão ausentes
Mínima e grau 1: considerada encefalopatia hepática inobservável
Grau 2‒4: considerada encefalopatia hepática evidente (OHE, pela sigla em inglês)

Diagnóstico

A encefalopatia hepática é um diagnóstico clínico e outras condições devem ser excluídas.

  • Evidências a favor do diagnóstico: ↑ amónia sérica (ajuda na avaliação, mas não é diagnóstico)
  • Avaliação dos fatores precipitantes e diagnósticos alternativos:
    • Avaliação laboratorial
      • Glicose → hipoglicemia ou hiperglicemia
      • Painel metabólico → hipocalemia, alcalose, insuficiência renal
      • Hemograma completo → infeção, hemorragia GI
      • Hormona estimulante da tiróide → coma, mixedema
      • Gasimetria arterial → alcalose, hipercapnia
      • Toxicologia
      • Medição da alcoolemia
      • Hemoculturas → infeção
      • Urina II → infeção
    • Imagiologia
      • Tomografia computadorizada (TC) cerebral → descartar patologia intracraniana
      • Ecografia
        • Pode auxiliar no diagnóstico de trombose da veia porta
        • Avaliação da ascite → paracentese diagnóstica → descartar peritonite bacteriana espontânea (PBE)

Dica: A peritonite bacteriana espontânea deve ser descartada em todos os pacientes que apresentam encefalopatia hepática e ascite.

Tratamento

O tratamento tem como foco a identificação e gestão de fatores precipitantes, assim como a redução da concentração sérica de amónia.

  • Tratamento de suporte:
    • Estabelecer um ambiente seguro para o paciente.
      • Hospitalização em caso de sintomas graves ou incapacidade para adesão terapêutica
      • Os sintomas leves podem ser tratados em ambulatório.
    • Hidratação adequada
    • Evite sedativos
    • Tratar causas precipitantes
    • Suporte nutricional
  • Tratamento para redução da amónia:
    • Lactulose
      • Convertido em ácido lático pela flora intestinal → a acidificação leva à conversão de amónia (NH₃) em amónio (NH₄+) → o amónio é excretado nas fezes → ↓ absorção
      • A dose é titulada para produzir pelo menos 3 evacuações por dia.
    • Rifaximina
      • Antibiótico não absorvido para diminuir a carga bacteriana intestinal
      • Usado em pacientes que inicialmente não respondem ou não toleram a lactulose
    • A monitorização da resposta ao tratamento é baseada no exame clínico, não nos níveis de amónia.

Diagnóstico Diferencial

  • Doença de Wilson: causada por um defeito no transporte de cobre dentro dos hepatócitos. Comumente apresenta-se em adultos jovens com doença hepática, manifestações neurológicas e sintomas psiquiátricos, que podem ser confundidos com encefalopatia hepática. No entanto, a doença de Wilson está associada a anéis de Kayser-Fleischer, baixa ceruloplasmina plasmática e alta excreção urinária de cobre. Agentes quelantes são necessários para o tratamento.
  • Encefalopatia tóxico-metabólica: uma disfunção das fisiologia cerebral causada por outras condições, como infeção, disfunção renal, anormalidades eletrolíticas e medicamentos. Os pacientes apresentam sonolência, desorientação, alterações motoras ou convulsões. Asterixis normalmente não está presente. Os exames laboratoriais podem ajudar a distinguir a causa e diferenciar esta condição da encefalopatia hepática. O tratamento concentra-se na causa subjacente.
  • Acidente vascular cerebral isquémico: uma doença na qual há uma interrupção do fluxo sanguíneo para o cérebro e que resulta em morte celular. Os sintomas incluem fraqueza focal, parestesias, perda de visão, disartria e alteração do estado mental. Asterixis não é comum. A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) do cérebro são usadas para o diagnóstico e diferenciarão esta condição da encefalopatia hepática. O tratamento inclui aspirina, estatinas e tratamento dos fatores de risco.
  • Encefalite: uma alteração da função cerebral normal por inflamação, mais comumente causada por um vírus. Os pacientes podem ter alteração do estado de consciência, cefaleia, febre, convulsões e distúrbios do movimento. A imagiologia cerebral pode ser útil, mas a punção lombar com análise do líquido cefalorraquidiano é necessária para o diagnóstico e para diferenciar a encefalite da encefalopatia hepática. O tratamento depende do agente causador e inclui antivirais, antibióticos e cuidados de suporte.
  • Encefalopatia de Wernicke: uma complicação neurológica da deficiência de tiamina, geralmente observada em casos de dependência crónica de álcool. Os pacientes podem apresentar desorientação, delírio, disfunção oculomotora, ataxia da marcha ou coma. Este é um diagnóstico clínico, portanto, a história e o exame devem ajudar a diferenciar a encefalopatia de Wernicke da encefalopatia hepática. Tratada com tiamina intravenosa.

Referências

  1. Ferenci, P. (2020). Hepatic encephalopathy in adults: Clinical manifestations and diagnosis. In Robson, K.M. (Ed.), UpToDate. Retrieved November 2, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/hepatic-encephalopathy-in-adults-clinical-manifestations-and-diagnosis
  2. Ferenci, P. (2020). Hepatic encephalopathy: Pathogenesis. In Robson, K.M. (Ed.), UpToDateRetrieved November 2, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/hepatic-encephalopathy-pathogenesis
  3. Ferenci, P. (2020). Hepatic encephalopathy in adults: Treatment. In Robson, K.M. (Ed.), UpToDate. Retrieved November 2, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/hepatic-encephalopathy-in-adults-treatment
  4. Wolf, D.C. (2020). Hepatic encephalopathy. In Anand, B.S. (Ed.), Medscape. Retrieved November 2, 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/186101-overview

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