Drenagem Venosa Pulmonar Anómala Total (DVPAT)

A drenagem venosa pulmonar anómala total (DVPAT) é uma cardiopatia congénita cianótica em que as veias pulmonares drenam para outros locais anatómicos que não a aurícula esquerda. O subtipo mais comum é a forma supra-cardíaca, em que a drenagem é feita para a veia cava superior. Os pacientes geralmente têm cianose desde o nascimento e apresentam insuficiência respiratória e cardíaca logo após o nascimento. Ao exame físico, há um segundo som cardíaco fixo e alargado, e um raio-X torácico pode revelar o sinal do "boneco de neve". O diagnóstico é confirmado com um ecocardiograma, que pode ser feito no período pré-natal. Todos os pacientes necessitam de cirurgia para sobreviver e o tratamento médico é usado como suporte até à cirurgia.

Última atualização: Mar 19, 2025

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A drenagem venosa pulmonar anómala total (DVPAT) é uma cardiopatia congénita cianótica que resulta na drenagem das 4 veias pulmonares para a circulação venosa sistémica, e não para a aurícula esquerda, resultando na mistura de sangue oxigenado e desoxigenado. Deve haver uma comunicação interauricular (CIA, FOP ou PCA) para permitir o desvio de sangue misto para o lado esquerdo do coração e para a circulação arterial sistémica.

Classificação

  • Baseado no local para onde as veias pulmonares drenam:
    • Supracardíaca (50% dos casos): na veia cava superior (VCS)
    • Infracardíaca (20%): na veia cava inferior (VCI)
    • Cardíaca (20%): na aurícula direita (AD)
    • Mista (10%): combinação das formas acima
  • DVPAT obstruída: A veia pulmonar é estreita, resultando em impedância ao fluxo de sangue para fora da circulação pulmonar.
Dvpat vs coração normal

Um coração com anatomia normal versus um coração com drenagem venosa pulmonar anómala total:
A forma mais comum de DVPAT apresenta as 4 veias pulmonares que drenam para a veia cava superior (VCS), como mostrado aqui. Note o aumento do tamanho da parede ventricular direita, devido à sobrecarga ventricular progressiva.

Imagem por Lecturio.

Epidemiologia

  • Malformação rara: 0,7%–1,5% de todas as CC
  • Prevalência: ~ 6,8 por 100.000 nados vivos

Embriologia

Esta malformação surge devido à falha na fusão da aurícula esquerda com o plexo venoso pulmonar duranteo desenvolvimento fetal.

  • 1º mês de gestação: os vasos cardinais e umbilicovitelinos primitivos drenam a circulação sistémica para o coração fetal.
  • 27-29 dias desde a conceção:
    • O plexo venoso pulmonar surge do plexo esplâncnico.
    • A aurícula esquerda (AE) embrionária dá origem à veia pulmonar comum (VPC).
    • A VPC funde-se com plexo venoso.
    • A VPC divide-se em 4 e é incorporada na parede da AE.
  • Falha na fusão da veia pulmonar comum com o plexo venoso resultando em DVPAT:
    • Ligação com o sistema venoso cardinal primitivo (drenagem para a AD ou a VCS) e sistema umbilicovitellino (VCI, veia hepática ou veia porta)
Embriologia da dvpat

A: Durante o primeiro mês de gestação a veia cardinal comum esquerda e direita (LCCV, RCCV) e a veia umbilical (UV) drenam o plexo esplâncnico (a vasculatura pulmonar primitiva) para o coração fetal.
B: No final do primeiro mês de gestação, a aurícula esquerda (LA) embrionária dá origem à veia pulmonar comum (CPV) que se funde com o plexo venoso.
C: A ligação à LCCV, à RCCV e à UV desaparece
D: A CPV divide-se em 4 e é incorporada na parede da aurícula esquerda
AR: auricula direita
LLB: botão do pulmão esquerdo
RLB: botão do pulmão direito

Imagem por Lecturio.

Fisiopatologia e Apresentação Clínica

Fisiopatologia

  • Na DVPAT não obstruída:
    • O sangue oxigenado do plexo venoso pulmonar flui para o sangue desoxigenado encontrado na AD, VCI ou VCS → mistura venosa
    • O sangue misto é desviado da direita para a esquerda através do shunt intra-auricular (CIA) para a circulação sistémica → causando cianose
    • A AD e o VD dilatam para acomodar o volume extra → insuficiência cardíaca do lado direito
  • Na obstrução moderada ao retorno pulmonar: aumento da pressão na veia pulmonar → aumento da pressão na artéria pulmonar → hipertensão da arterial pulmonar → insuficiência cardíaca do lado direito
Fisiopatologia da drenagem venosa anómala total

Mistura de sangue na drenagem venosa pulmunar anómala total:
Na DVPAT, o sangue oxigenado dos pulmões regressa à circulação venosa sistémica misturando-se com sangue desoxigenado. Este sangue misto, em seguida, desloca-se para o lado esquerdo do coração através de uma comunicação interauricular e flui para o resto do corpo, resultando em cianose.

Imagem: “Illustration of totaly anomalyous pulmonary venous return” por Centers for Disease Control and Prevention. Licença: CC0

Apresentação clínica

O grau de obstrução das veias pulmonares determina a idade em que a doença se apresenta:

  • Obstruída:
    • Ao nascer
    • Cianose
    • Sinais de choque
    • Difícil de despertar
    • Falta de ar grave ou apneia
  • Desobstruída:
    • Mais de 30 dias de idade
    • Cianose subtil
    • Má alimentação
    • Respiração trabalhosa

Diagnóstico

Exame físico

  • Cianose:
    • Oximetria de pulso: ↓ Sp02
  • Má progressão estaturo-ponderal
  • Sons cardíacos:
    • S2 alto, com desdobramento fixo
    • Sopro contínuo no local da obstrução
    • Válvula pulmonar → sopro sistólico
    • Válvula tricúspide → ronco diastólico
  • Sinais de insuficiência respiratória:
    • Taquipneia
    • Grunhido
    • Adejo nasal
  • Sinais de insuficiência cardíaca:
    • Hepatomegalia
    • Taquicardia
    • Hipotensão
    • Extremidades frias
    • Pulsos fracos
  • Asplenia (visto em pacientes com síndromes heterotáxicas)

Imagiologia

  • Ecocardiograma:
    • Confirma o diagnóstico
    • Pode ser realizado no período pré-natal
    • Avalia:
      • Tipo de DVPAT
      • Grau de obstrução
      • Shunt direito-esquerdo
      • Dilatação do VD
      • Com doppler → pressão vascular pulmonar
  • Radiografia do tórax:
    • Sinal clássico do “boneco de neve” visto na DVPAT supracardíaca
    • Congestão venosa pulmonar
    • Alargamento do coração direito
  • ECG:
    • Desvio direito do eixo
    • Hipertrofia do ventrículo direito
Drenagem venosa pulmonar anómala total

Drenagem venosa pulmunar anómala total: congestão pulmonar acentuada e infiltrações reticulogranulares bilaterais difusas

Imagem: “Total anomalous pulmonary vein drainage” por Departments of Pathology and Cell Biology, School of Medicine, University of Occupational and Environmental Health, Fukuoka Shin Mizumaki Hospital, Kitakyushu, Japan. Licença: CC BY 2.5

Tratamento

  • A cirurgia é necessária em todos os pacientes
  • O tratamento médico é necessário para estabilizar o paciente e fazer a ponte para a cirurgia:
    • O2 suplementar
    • Inotrópicos
    • Prostaglandina E1 IV para manter o canal arterial aberto (se essa for a única ligação intra-auricular)
    • Suporte ventilatório
  • Tratamento cirúrgico:
    • Terapêutica definitiva com o objetivo de redirecionar a drenagem das veias pulmonares para a AE
    • A cirurgia paliativa na DVPAT com obstrução grave (recém-nascidos doentes) inclui:
      • Septostomia auricular
      • Colocação de stent

Prognóstico

  • Se não for tratado, o recém-nascido geralmente morre no 1º mês de vida.
  • A reparação cirúrgica tem uma taxa de mortalidade muito baixa e um excelente resultado a longo prazo.

Diagnóstico Diferencial

  • Tetralogia de Fallot (TF): cardiopatia congénita caracterizada pela ocorrência de 4 características fundamentais: aorta superior, comunicação interventricular, obstrução da saída do ventrículo direito e hipertrofia do ventrículo direito. Pacientes com cianose e história de períodos de hipóxia (desmaios durante o choro). O diagnóstico é confirmado pelo ecocardiograma e o paciente é tratado cirurgicamente.
  • Atresia da válvula tricúspide (AVT): cardiopatia congénita caracterizada pela falta de desenvolvimento da válvula tricúspide. Apresenta-se com cianose, dificuldade respiratória e períodos hipóxicos. No exame físico estão presentes sopro holosistólico e S2 único. Diagnóstico feito por ecocardiograma. O tratamento final é cirúrgico.
  • Transposição dos grandes vasos (TGV): cardiopatia congénita caracterizada pela comutação dos grandes vasos, de modo a que a aorta se origina do ventrículo direito e a artéria pulmonar do ventrículo esquerdo. Apresenta-se com cianose, taquipneia, insuficiência cardíaca, hipoxemia e falta de resposta ao oxigénio suplementar. O tratamento definitivo é cirúrgico.
  • Truncus arteriosus (TA): emergência da aorta e da artéria pulmonar a partir de um tronco comum sobre uma comunicação interventricular (CIV). Sintomático desde o 1º dia de vida, incluindo cianose, dificuldade respiratória, insuficiência cardíaca, má alimentação e sudorese excessiva. Diagnosticado por ecocardiograma. O tratamento definitivo é cirúrgico.
  • Anomalia de Ebstein (AE): cardiopatia congénita na qual há deslocamento para baixo dos folhetos da válvula tricúspide causando taquicardia pela obstrução da via de saída do ventrículo direito (VSVD). Apresenta-se com cianose, arritmias e má progressão estaturo-ponderal. Diagnosticado por ecocardiograma. O tratamento definitivo é cirúrgico.

Referências

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  2. Hoffman, J. I., & Kaplan, S. (2002). The incidence of congenital heart disease. Journal of the American College of Cardiology39(12), 1890–1900. https://doi.org/10.1016/s0735-1097(02)01886-7
  3. Sadler, T. W., & Langman, J. (2012). Langman’s medical embryology (12th ed.). Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins.
  4. Seale, A. N., Uemura, H., Webber, S. A., Partridge, J., Roughton, M., Ho, S. Y., McCarthy, K. P., Jones, S., Shaughnessy, L., Sunnegardh, J., Hanseus, K., Berggren, H., Johansson, S., Rigby, M. L., Keeton, B. R., Daubeney, P. E., & British Congenital Cardiac Association (2010). Total anomalous pulmonary venous connection: morphology and outcome from an international population-based study. Circulation122(25), 2718–2726. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.110.940825
  5. Soriano, B. D., & Fulton, D. R. (2024). Total anomalous pulmonary venous connection. In J. K. Friedman (Section Ed.) & C. Armsby (Deputy Ed.), UpToDate. Retrieved March 19, 2025, from https://www.uptodate.com/contents/total-anomalous-pulmonary-venous-connection
  6. Centers for Disease Control and Prevention. (2024). About total anomalous pulmonary venous return. Centers for Disease Control and Prevention. https://www.cdc.gov/heart-defects/about/tapvr.html

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