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Dor no Tornozelo e no Pé

A dor no tornozelo e no pé é responsável por até 20% das queixas musculoesqueléticas em ambulatório. As etiologias mais comuns de dor no pé e no tornozelo podem ser categorizadas em artrite, trauma, entorse e etiologia sistémica. O diagnóstico é clínico com exames de imagem e/ou laboratoriais para confirmar a suspeita diagnóstica. O tratamento inclui repouso, aplicação de gelo, compressão, elevação e anti-inflamatórios não esteróides (AINEs). A abordagem cirúrgica raramente é necessária.

Última atualização: Oct 19, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Epidemiologia

A dor no pé é mais comum nas pessoas que utilizam calçado desconfortável (geralmente mulheres).

Classificação

  • Aguda: duração < 2 semanas
  • Crónica: duração > 2 semanas

História clínica

  • Caraterísticas da dor (localização, qualidade, duração, fatores de alívio/agravamento)
  • Atenção aos sinais de alarme:
    • Dor intensa, febre, calor e eritema podem indicar artrite séptica.
    • Incapacidade de caminhar 4 passos imediatamente após uma lesão → provável fratura
    • Dormência ou fraqueza → provável fratura com lesão ou compressão nervosa

Exame físico

Regras de Ottawa para o tornozelo e pé:

  • Elevada sensibilidade e reduzida especificidade para fraturas
  • Mais útil quando negativo → exclui a indicação para radiografia
Raio-x qualifica a dor no pé

Regras de Ottawa para o tornozelo e pé

Imagem de Lecturio.

Vídeos recomendados

Diagnóstico Diferencial

A etiologia da dor no tornozelo ou no pé pode ser determinada a partir da localização anatómica do ponto máximo de desconforto ou dor.

Causas comuns de dor no tornozelo
Localização Doença Caraterísticas
Aspeto lateral Entorse do tornozelo (dor aguda)
  • Causa mais comum de dor lateral no tornozelo
  • O ligamento mais frequentemente envolvido é o ligamento talofibular anterior
  • O mecanismo é a inversão do pé em flexão plantar
  • O doente consegue caminhar, mas com dor
  • Se o doente for incapaz de caminhar, considerar a hipótese de fratura da tíbia ou do perónio.
Aspeto medial
  • Causa mais comum de dor medial do tornozelo
  • O ligamento mais frequentemente envolvido é o ligamento deltoide.
  • O mecanismo é a eversão forçada do pé
  • O doente consegue caminhar, mas com dor
  • Se o doente for incapaz de caminhar, considerar a hipótese de fratura da tíbia ou do perónio.
Aspeto posterior Tendinite do Aquiles (dor aguda)
  • Dor em ardor, rigidez e edema sobre o tendão, geralmente 3-5 cm superior à inserção do calcâneo
  • Associado a alteração da intensidade do treino
  • Presença de um som tipo “pop” antes do início súbito da dor
Localização variável Doenças infeciosas e inflamatórias
  • Dor aguda (< 2 semanas):
    • Artrite sética
    • Celulite
    • Artrite gotosa aguda
    • Infeção gonocócica disseminada
  • Dor crónica (> 2 semanas):
    • Artrite reumatóide
    • Artrite reativa
Causas comuns de dor no pé
Localização Doença Caraterísticas
Antepé (dedos do pé + metatarsos distais) Joanete (hallux valgus)
  • Causa mais comum de dor no antepé
  • Dor exacerbada pelo uso de calçado
  • O diagnóstico é clínico com base na história de dor no hálux e deformidade crescente em valgo.
Onicocriptose (unha encravada)
  • Desenvolve-se quando uma espícula da lâmina ungueal lateral perfura a prega ungueal lateral e a pele provocando uma reação inflamatória
  • Elevado risco de infeção
Neuroma de Morton
  • Frequente em corredores
  • O mecanismo envolve uma degeneração neuropática dos nervos interdigitais e a formação de um neuroma induzida mecanicamente.
  • O doente apresenta dor em ardor e dormência no terceiro espaço intermetatársico.
  • Sensação de clique, desconforto e crepitação durante a palpação
Calos e calosidades
  • Surgem por pressão anormal sobre a pele e proeminências ósseas criada por calçado ou desgaste do pé
  • As calosidades representam um espessamento difuso do estrato córneo.
  • Os calos desenvolvem-se de modo semelhante, mas diferem por apresentarem um “núcleo” central hiperqueratótico e frequentemente doloroso.
Verrugas plantares
  • Manifestação cutânea do vírus do papiloma humano tipo 1
  • Associado a dor, desconforto ou incapacidade funcional
  • Distinto dos calos e calosidades por:
    • Ausência de linhas na pele
    • Capilares trombosados que surgem após a raspagem da superfície hiperqueratótica
Fraturas de stress do metatarso
  • Início insidioso com antecedentes de uso excessivo
  • Doente apresenta dor focal nos metatarsos
  • Possível radiografia negativa nas primeiras 6 semanas
  • Fatores de risco incluem:
    • Aumento súbito da intensidade do treino
    • Mecânica de corrida medíocre
    • Mulher com perturbação alimentar restritiva (perda de estrogénio, que resulta em redução da massa óssea)
    • Ingestão inadequada de cálcio e vitamina D
    • Diminuição da ingestão calórica
Médiopé (ossos do tarso, arcos e ligamentos) Osteoartrose
  • Forma mais comum de artrose
  • Dor e rigidez articular progressiva de evolução lenta (anos)
Pé cavo (pes cavus) e pé chato (pes planus)
  • Estudos epidemiológicos sugerem um risco aumentado de dor no mediopé em indivíduos com estas alterações.
  • O pé chato é normal em lactentes e crianças pequenas devido à laxidez ligamentar.
  • O pé chato na idade adulta pode ocorrer por rutura das estruturas de suporte (tendão tibial posterior e ligamento mola).
Fratura de stress navicular
  • Na fratura de stress navicular, os doentes localizam a dor num ponto focal sobre o mediopé dorsomedial.
  • Dor persistente no arco medial, incluindo dor durante o sono, é altamente sugestiva de fratura de stress navicular.
Retropé (tálus + calcâneo) Fasceíte plantar
  • Dor com os primeiros passos de manhã ou após longo período sentado
  • Dor de localização mais medial na superfície plantar.
  • Desconforto provocado pela palpação da fáscia desde o calcanhar até ao antepé com a dorsiflexão dos dedos dos pés do doente.
Síndrome do túnel do tarso
  • Por compressão do nervo tibial ao atravessar o tornozelo
  • Geralmente ocorre após fratura dos ossos do tornozelo
  • Os doentes apresentam ardor, dormência e dor na superfície plantar distal do pé.
  • Dor com irradiação para a perna, por vezes.
Fraturas de stress do calcâneo e do tálus
  • Doente apresenta dor persistente no calcanhar que causa desconforto à noite.
  • História de atividade de elevada intensidade
Apofisite do calcâneo (doença de Sever)
  • Uma das causas mais comuns de dor no calcanhar em crianças e adolescentes
  • Os fatores de risco incluem a realização de desporto ou outras atividades que envolvam a corrida ou o salto.
  • O doente apresenta dor crónica no calcanhar relacionada com a atividade e tem início insidioso.
  • A dor no calcanhar é provocada pela palpação direta da apófise ou pelo teste de compressão do calcâneo.
  • O diagnóstico é clínico, sem radiografia, dado que apresenta uma baixa sensibilidade e especificidade para esta doença.

Avaliação diagnóstica:

  • Avaliação laboratorial geral (hemograma, velocidade de sedimentação [VS], proteína C reativa [PCR]) para exclusão de causas infeciosas e autoimunes
  • Imagiologia:
    • Radiografia para pesquisa de fraturas
    • Ressonância magnética (RM) para avaliação de tecidos moles
    • Cintigrafia óssea para avaliação de osteoporose em doentes idosos

Tratamento

  • Fratura de stress:
    • O pilar do tratamento é a redução da carga e, de seguida, a imobilização durante 4-6 semanas.
    • Referenciação para um cirurgião ortopédico se fratura com elevado risco de consolidação anormal:
      • Córtex tibial anterior
      • 5.º metatarso
  • Entorse do tornozelo: RICE (rest (repouso), ice (gelo), compression (compressão), elevation (elevação)) é a terapêutica prescrita habitualmente para os 2-3 dias iniciais, mas não existem dados de qualidade sobre a sua eficácia como terapêutica única).
    • Mobilização precoce com exercícios para o arco de movimento.
    • Arrefecimento
    • Compressão
    • Paracetamol/anti-inflamatórios não esteróides (AINEs)
    • Considerar fisioterapia, sobretudo em doentes com risco de recorrência
  • Neuroma de Morton:
    • Exercícios de força para os músculos intrínsecos do pé (suporte metatársico)
    • Ortótese ou palmilha acolchoadas para diminuição da pressão nas cabeças dos metatarsos
    • Injeção única de glucocorticóide e anestésico local se persistente
    • Cirurgia geralmente reservada para doentes com falha no tratamento conservador.
    • Raramente, um neuroma pode recorrer após a cirurgia.
  • Calos e calosidades:
    • Aplicação de pensos de ácido salicílico
    • Os doentes devem ser aconselhados a evitar calçado mal ajustado.
  • Verrugas plantares:
    • Ácido salicílico tópico e crioterapia com nitrogénio líquido
    • Podem requerer múltiplos tratamentos para prevenir a recorrência
  • Pé cavo (pes cavus) e pé chato (pes planus):
    • Ortóteses
    • Alterações no calçado
    • Tala
  • Fasceíte plantar:
    • Exercícios de alongamento da fáscia plantar e dos músculos da perna
    • Evicção do uso de calçado plano e caminhar descalço.
    • Uso de suportes de arco e/ou protetores de calcanhar.
    • Diminuição da atividade física (e.g., corrida excessiva, dança ou saltos).
    • Teste de curta duração (2-3 semanas) com AINEs
    • Se falha de todas as medidas anteriores, considerar a injeção de glucocorticóides e anestésico local nas áreas dolorosas da região plantar.
  • Apofisite do calcâneo (doença de Sever):
    • Uso bilateral de um protetor ou de uma elevação de calcanhar
    • Diminuição da participação em atividades dolorosas
    • Aplicação diária de gelo na área durante 20 minutos, associadamente a alongamento e fortalecimento dos músculos da perna
    • AINEs, consoante necessário, para a dor na fase inicial do tratamento
Intraoperative photographs showing a morton neuroma

Fotografias intraoperatórias que mostram um neuroma de Morton (um neuroma interdigital do pé):
(a):Curso do nervo interdigital com desvio dorsal e neuroma
(b): Neuroma com inclinação transversa que mostra a impressão no seu centro (assumidamente feita prlas cabeças dos metatarsos adjacentes)

Imagem: “Intraoperative photograph” por Takumi Matsumoto. Licença: CC BY 4.0

Relevância Clínica

De seguida estão descritas condições comuns associadas à dor no tornozelo e no pé:

  • Articulação do tornozelo: também denominada de articulação talocrural, a articulação do tornozelo é uma verdadeira articulação de dobradiça formada entre as superfícies articulares da tíbia distal, do perónio distal e do tálus. A articulação do tornozelo funciona como uma articulação de dobradiça, com flexão plantar, dorsiflexão e um pequeno grau de abdução, adução e rotação.
  • Infeção gonocócica disseminada: uma infeção que ocorre frequentemente em doentes jovens sexualmente ativos. A apresentação clínica pode ser sob a forma de uma poliartralgia assimétrica (frequentemente, mas nem sempre associada a tenossinovite e exantema cutâneo) ou monoartrite ou oligoartrite séptica isolada. O diagnóstico implica a aspiração e análise do fluido articular, e é confirmado pela coloração de Gram do líquido sinovial, hemocultura e teste de amplificação de ácidos nucleicos genital/faríngeo para Neisseria gonorrhoeae.
  • Artrite reumatóide: uma doença inflamatória sistémica crónica com progressão em estadios. A doença baseia-se numa inflamação da membrana sinovial, i.e., a camada interna da cápsula articular. Atribuível à sinovite, pode cursar com doenças secundárias, tais como a artrite, a bursite ou a tenossinovite.
  • Osteoartrose: uma doença degenerativa da cartilagem articular, juntamente com os ossos subcondrais e outras estruturas articulares. A osteoartrose é o tipo mais comum de doença articular e a principal causa de incapacidade em idosos. Os principais fatores de risco para a osteoartrose são a história familiar da doença, sexo feminino, trauma prévio na articulação envolvida, envelhecimento e obesidade.
  • Gota: definida pela precipitação de ácido úrico nos tecidos (articulações, tofos e rins). Uma crise aguda de gota indica uma hiperuricemia exacerbada. Uma crise de gota manifesta-se com uma monoartrite, geralmente à noite. Em 90% dos casos, a crise de gota afeta a primeira articulação metatarsofalângica (podagra). Os sinais da gota articular aguda incluem eritema, edema e dor extrema com o toque. Também se pode manifestar com febre devido à produção de citocinas e ao desenvolvimento de inflamação sistémica.
  • Pseudogota: deposição de cristais de pirofosfato de cálcio dihidratado nos tecidos periarticulares das articulações e tecidos moles. A pseudogota pode induzir danos consideráveis nas articulações afetadas. Os sintomas incluem dor, edema e calor na articulação afetada. O diagnóstico é realizado pela identificação de cristais de CPP com birrefringência positiva na microscopia de luz polarizada compensada no líquido articular aspirado.
  • Anorexia nervosa: uma perturbação alimentar marcada por restrição alimentar voluntária e hábitos alimentares inadequados devido a um medo patológico de ganho ponderal e perceção inadequada da forma e peso do corpo. Os doentes apresentam um peso corporal baixo acentuado (IMC < 18.5) e diversas complicações fisiológicas e psicológicas. Uma das complicações comuns da anorexia nervosa são as fraturas de stress.

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