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Dor Cervical

A dor cervical é uma das queixas mais comuns na população geral. Dependendo da duração da queixa, pode ser classificada como aguda, subaguda ou crónica. Existem diversas etiologias para a dor cervical, incluindo doença degenerativa, trauma, doença reumatológica e infeções. As doenças musculoesqueléticas podem variar em gravidade, desde uma simples distensão até a radiculopatia e mielopatia. Uma história clínica e um exame objetivo cuidadosos são essenciais para averiguar a etiologia e orientar a terapia. O tratamento da maioria dos casos de dor cervical é conservador e baseado em atividade.

Última atualização: Jul 18, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

A dor cervical é uma queixa comum apresentada aos médicos.

  • A maioria dos adultos desenvolve dor cervical ao longo da sua vida
  • A prevalência aumenta na meia-idade
  • Uma das principais causas de incapacidade

Fatores de risco

  • Ocupação (trabalho repetitivo)
  • Ergonomia
  • Depressão
  • Estilo de vida sedentário
  • História prévia de trauma cervical
  • Tabagismo
  • Predisposição genética (síndromes de Turner e de Down)
  • Dor lombar concomitante
  • Doenças reumáticas

Etiologia

Patologias musculoesqueléticas:

  • Distensão cervical, que pode ocorrer por:
    • Lesão dos músculos cervicais
    • Má postura
    • Hábitos de sono
  • Espondilose cervical (termo não específico para alterações degenerativas da coluna vertebral)
  • Dor cervical discogénica (por degeneração do disco)
  • Lesão por chicotada (lesão de aceleração-desaceleração resultante da extensão e flexão cervical súbita)
  • Síndrome da dor miofascial
  • Radiculopatia cervical
    • Disfunção da raiz do nervo espinhal por inflamação, compressão ou dano
    • Pode ser causada por:
      • Doença degenerativa (e.g., estenose foraminal, hérnia do disco)
      • Trauma
      • Enfarte ou avulsão da raiz nervosa
      • Tumor
      • Infeção (e.g., herpes zoster, doença de Lyme)
  • Mielopatia cervical espondilótica
    • Disfunção ou lesão da medula espinhal
    • Etiologia semelhante à da radiculopatia cervical
  • Subluxação ou instabilidade atlantoaxial, que geralmente está associada a:
    • Artrite reumatóide
    • Síndrome de Down

Patologias não musculoesqueléticas:

  • Doença cardiovascular:
    • Angina
    • EAM (enfarte agudo do miocárdio)
  • Infeção:
    • Meningite
    • Abcesso epidural
    • Discite
    • Osteomielite
  • Neurológico:
    • Cefaleias tensionais
    • Malformações de Chiari
  • Doença reumatológica:
    • Polimialgia reumática
    • Artrite reumatóide
    • Espondilite anquilosante
    • Fibromialgia
    • A arterite de células gigantes deve ser considerada num doente com:
      • Dor cervical
      • Cefaleia
      • Claudicação da mandíbula
      • Alterações visuais associadas
  • Malignidade:
    • Doença metastática
    • Tumor do ápice pulmonar
  • Síndrome do desfiladeiro torácico (TOS, pela sigla em inglês)
  • Disseção da artéria vertebral
  • Gastrointestinal:
    • Doença biliar
    • Doença esofágica

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Apresentação Clínica

Classificação

A dor cervical pode ser classificada com base na duração dos sintomas:

  • Agudo: sintomas persistem por < 6 semanas
  • Subagudo: sintomas persistem por ≤ 3 meses
  • Crónico: sintomas persistem por > 3 meses

História clínica

  • Caraterísticas da dor:
    • Início e duração
    • Qualidade da dor
    • Gravidade
    • Fatores de alívio e agravamento
    • Irradiação
  • Sintomas associados importantes:
    • Adormecimento
    • Parestesia
    • Fraqueza muscular
    • Cefaleia
  • Revisão dos sistemas (exemplos, a lista não é exaustiva):
    • Febre ou calafrios → infeção
    • Perda ponderal → malignidade
    • Alterações da visão → arterite de células gigantes
    • Disfagia ou odinofagia → distúrbios esofágicos
    • Toracalgia → angina ou EAM
    • Exantema cutâneo → herpes zoster
    • Incontinência fecal ou vesical → compressão da medula espinhal ou mielopatia
  • Trauma recente
  • História médica prévia
    • Artrite
    • Doença reumatológica
    • Malignidade
    • Doença cardiovascular
    • Osteoporose
    • Cirurgias
    • Imunossupressão
    • Consumo de drogas IV

Mnemónica

As perguntas abertas importantes a serem feitas ao avaliar um doente com dor podem ser memorizadas com:

  • O: onset (início)
  • P: provocation and palliation (fatores desencadeantes e de alívio)
  • Q: quality (qualidade da dor)
  • R: radiation or region (irradiação ou região)
  • S: severity (gravidade)
  • T: timing (tempo de evolução)

Exame físico

Exame básico:

  • Observação:
    • Postura e alinhamento
    • Deformidades
    • Exantemas cutâneos
  • Palpação cervical:
    • Sensibilidade
    • Rigidez muscular
    • Edema
    • Assimetria
    • Massas
  • Amplitude de movimento (ROM, range of motion)
    • Rotação
    • Flexão lateral
    • Flexão anterior
    • Extensão
  • Exame neurológico:
    • Exame dos dermátomos dos membros superiores
    • Avaliação da força
    • Reflexos tendinosos profundos (DTRs, pela sigla em inglês)
    • Marcha

Testes e sinais especiais:

  • Sinal de Lhermitte:
    • Avaliação de mielopatia cervical
    • Flexão cervical passiva ou ativa desencadeia uma sensação aguda de choque elétrico nos membros superiores ou na coluna.
  • Sinal de Hoffmann:
    • Avaliação do neurónio motor superior (e.g., mielopatia cervical)
    • Flexão repentina do dedo médio desencadeia flexão involuntária do polegar e do dedo indicador.
  • Teste de Spurling (teste de compressão cervical):
    • Avaliação da presença de radiculopatia cervical por compressão da raiz nervosa afetada
    • Execução cuidadosa para evitar mais lesões.
    • Evicção em doentes com sinal de Lhermitte
    • Procedimento:
      • O pescoço do doente encontra-se em extensão e rotação lateral
      • Aplicação de força descendente no topo da cabeça do doente
      • A irradiação da dor para a extremidade superior ipsilateral indica um teste positivo

Sinais e sintomas de alarme

Os seguintes sintomas sugerem a presença de uma patologia grave e devem suscitar uma avaliação urgente:

  • Fraqueza dos membros inferiores
  • Alteração da marcha
  • Disfunção vesical ou fecal
  • Febre
  • Perda ponderal inexplicável
  • Sinal de Lhermitte positivo

Diagnóstico

Os diagnósticos diferenciais da dor cervical são extensos e podem ser reduzidos com base na história clínica e no exame físico.

  • Estudos imagiológicos podem não estar indicados durante a avaliação inicial (sintomas com duração < 6 semanas).
  • Exceções:
    • Sinais e sintomas de alarme
    • Lesão grave

Estudos imagiológicos

  • Os estudos imagiológicos são considerados, ou estão indicados, nos seguintes cenários clínicos:
    • Trauma agudo associado
    • Alterações neurológicas graves ou progressivas
    • Sinais e sintomas constitucionais
    • Antecedentes de malignidade
    • Fatores de risco infeciosos:
      • Consumo de drogas IV
      • Imunossupressão
    • Sinal de Lhermitte positivo
    • Dor cervical persistente que não responde à terapêutica apropriada
  • A radiografia simples pode avaliar:
    • Alterações degenerativas
    • Perda de altura do disco
    • Desalinhamento
    • Fratura
    • Instabilidade da coluna cervical
  • TC:
    • Método de escolha para a deteção de fraturas durante a avaliação de um trauma
    • Avaliação da anatomia óssea e fraturas
  • RM para avaliar anormalidades de:
    • Tecidos moles
    • Discos intervertebrais
    • Medula espinhal
    • Raízes nervosas

Estudos adicionais

  • Eletromiografia e estudos de condução nervosa:
    • Não são necessários rotineiramente
    • Frequentemente utilizados na avaliação da neuropatia periférica
  • Os estudos laboratoriais estão indicados apenas na pesquisa de patologia adicional
    • Velocidade de hemossedimentação e PCR → doenças inflamatórias, infeção
    • Avaliação reumatológica (se apropriado)
    • Hemograma → leucocitose pode indicar infeção
    • Troponina → isquemia miocárdica

Comparação de diagnósticos

A tabela seguinte compara as pistas clínicas e diagnósticas para algumas doenças musculoesqueléticas comuns que se apresentam com dor cervical.

Tabela: Comparação de pistas diagnósticas de doenças musculoesqueléticas comuns que provocam dor cervical
Doença Caraterísticas clínicas Diagnóstico
Distensão cervical
  • Dor cervical
  • Rigidez
  • Cefaleias
  • Sensibilidade à palpação dos músculos cervicais e do trapézio
  • Manobras provocatórias de radiculopatia cervical são negativas.
Clínico
Espondilose cervical
  • Dor sobretudo de natureza crónica e mecânica.
  • Cefaleias
  • Com ou sem sintomas neurológicos
  • Pode estar associada a radiculopatia ou mielopatia cervical
  • Exame físico varia de acordo com a gravidade do processo degenerativo.
  • Clínico
  • Achados degenerativos na imagem
Lesão por chicotada
  • Dor cervical
  • Restrição de movimento
  • Cefaleias occipitais
  • Menos frequentemente associado a tontura
  • Clínico
  • Estudos de imagem (se indicados) para excluir outra patologia
Radiculopatia cervical
  • Dor radicular
  • Possíveis anomalias sensoriais e motoras
  • Teste de Spurling positivo
  • Clínico
  • Exames imagiológicos indicados para défices neurológicos:
    • Estenose da foramina neural
    • Compressão da raiz nervosa
Mielopatia cervical
  • Dor cervical progressiva
  • Alteração da marcha
  • Fraqueza das extremidades
  • Anormalidades vibratórias/proprioceptivas
  • Disfunção fecal e urinária
  • Alterações do neurónio motor superior
  • Sinal de Lhermitte positivo
RM com:
  • Compressão da medula espinhal cervical
  • Alterações na medula espinhal
  • Estenose do canal vertebral

Tratamento

O tratamento precoce da dor cervical envolve uma avaliação inicial adequada, retoma precoce do movimento, controlo da dor e uso criterioso da fisioterapia.

Tratamento após um grande trauma

  • Plano duro e colar cervical rígido
  • Avaliação airway, breathing, circulation (ABC) (da via aérea, respiração e circulação)
  • Referenciação para cuidados de emergência imediatos

Medidas conservadoras

As medidas conservadoras são geralmente aconselhadas aos doentes sem traumas grandes ou sinais e sintomas de alerta.

Tratamento geral:

  • Educação e tranquilização
  • Modificações e melhoria da postura
  • Evicção de fatores de agravamento
  • Recomendações acerca da posição para dormir
  • Terapia com calor ou frio (o que proporcionar alívio do desconforto) para controlo da dor

Fisioterapia e terapia do movimento:

  • Exercícios de terapia no domicílio:
    • ROM
    • Alongamentos
    • Postural
  • Exercício aeróbico (e.g., caminhada)
  • Fisioterapia: essencial no tratamento da dor cervical e na prevenção da dor cervical crónica
  • Terapia manual ou de manipulação
  • Considerar os exercícios mente-corpo:
    • Tai chi
    • Ioga

Medidas farmacológicas

  • Paracetamol
  • AINEs (cautela em doentes com doença ulcerosa péptica, doença cardíaca e doença renal)
  • Relaxantes musculares:
    • Controversos
    • Falta de evidência com qualidade
    • Evicção do seu uso prolongado
  • Tramadol
    • Potencial efeito aditivo quando utilizado juntamente com o paracetamol
    • Evicção do seu uso prolongado
  • Duloxetina, gabapentina ou antidepressivos tricíclicos para doentes com falência terapêutica do previamente exposto.
  • Corticóides sistémicos ou epidurais
    • Pode ser considerado em doentes com dor radicular
    • Controverso
    • Falta de evidência com qualidade
  • Os opióides raramente estão indicados.

Terapêuticas intervencionais

Os seguintes podem ser considerados em associação com o tratamento da dor e/ou medicina física e reabilitação:

  • Acupuntura
  • Punção seca
  • Injeções no ponto-gatilho
  • Bloqueio do ramo cervical medial
  • Neurotomia percutânea

Intervenções cirúrgicas

  • Raramente indicadas na dor cervical não radicular
  • Taxas de sucesso superiores em doentes com dor radicular ou doença mielopática
  • A referenciação cirúrgica precoce está indicada para:
    • Fraqueza muscular significativa
    • Fraturas
    • Mielopatia

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Relevância Clínica

  • Osteoartrose: causa de espondilose cervical; devido à destruição da cartilagem e alterações do osso subcondral. Doentes com osteoartrose apresentam dor articular gradual, rigidez com duração < 30 minutos, e diminuição do ROM. O exame físico pode revelar crepitação com o movimento articular. O diagnóstico é clínico e suportado por achados radiográficos articulares. O tratamento inclui medidas conservadoras, analgesia, injeções intra-articulares de glucocorticóides e cirurgia para doença avançada.
  • Hérnia discal: prolapso de um disco intervertebral através do anel fibroso, que pode provocar irritação e conflito numa raiz nervosa adjacente com radiculopatia. Os sintomas da hérnia discal incluem dor, parestesia e fraqueza, dependendo da gravidade do envolvimento do nervo. A imagem demonstra a protrusão discal. O tratamento inclui medidas conservadoras, analgesia, fisioterapia e cirurgia para doença grave.
  • Fibromialgia: doença não articular e não inflamatória que provoca dor crónica. A fibromialgia é uma doença pouco compreendida, mas provoca sensibilidade muscular generalizada, incluindo no pescoço. O diagnóstico é clínico e o tratamento baseia-se no alívio do stress, otimização do sono, abordagem da saúde mental e analgésicos não opióides.
  • Síndrome da dor miofascial: distúrbio doloroso dos músculos semelhante à fibromialgia. No entanto, a dor na síndrome da dor miofascial é tipicamente localizada numa região anatómica (como o pescoço). O diagnóstico é baseado na presença de pontos gatilho. O tratamento pode incluir fisioterapia, massagem e analgésicos não opióides.
  • Artrite reumatóide: doença autoimune articular que provoca uma artrite inflamatória e destrutiva. A subluxação atlantoaxial é comum na artrite reumatóide e pode causar rigidez do pescoço e ombros, radiculopatia e mielopatia. O diagnóstico baseia-se na apresentação clínica, marcadores inflamatórios, fator reumatoide (FR) e anticorpo antipeptídeo citrulinado cíclico (CCPs). O tratamento inicia-se com glucocorticóides, fármacos anti-reumáticos modificadores da doença (DMARDs) e AINEs.
  • Espondilite anquilosante: espondiloartropatia seronegativa caraterizada por inflamação crónica indolente do esqueleto axial. A doença grave pode cursar com fusão e rigidez da coluna. Os doentes com espondilite anquilosante apresentam dor progressiva no pescoço e na região lombar (que melhora com a atividade), rigidez matinal e diminuição do ROM da coluna. O diagnóstico é baseado na história clínica, exame físico e imagiologia. A maioria dos doentes é tratado com fisioterapia e AINEs.
  • Arterite de células gigantes: vasculite de grandes vasos que afeta predominantemente a aorta e os seus principais ramos, com predileção pelos ramos da carótida (incluindo a artéria temporal). Doentes com arterite de células gigantes podem apresentar cefaleias, dor cervical, dor mandibular e alterações da visão. O diagnóstico é realizado com biópsia da artéria temporal. O tratamento imediato com glucocorticóides pode aliviar os sintomas e prevenir a perda de visão.
  • Síndrome do desfiladeiro torácico: causada pela compressão das estruturas neurovasculares no desfiladeiro torácico, principalmente aquelas que atravessam o triângulo interescalénico. Os sinais e sintomas podem incluir dor no membro superior, ombro ou pescoço e parestesias. O diagnóstico é realizado com exame clínico, imagiologia e eletrodiagnóstico. O tratamento geralmente inclui fisioterapia e analgesia.
  • Abcesso epidural: acumulação de pus no espaço epidural. Doentes com abcesso epidural podem apresentar dor nas costas ou no pescoço (dependendo da localização) e febre. A disfunção neurológica pode ocorrer se o abcesso comprimir a medula espinhal. A ressonância magnética confirma o diagnóstico. O tratamento inclui antibióticos e aspiração do abcesso. A cirurgia é necessária em doentes com disfunção neurológica.

Referências

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  3. Robinson, J. et al. (2020). Clinical features and diagnosis of cervical radiculopathy. In Shefner, J.M. (Ed.), UpToDate. Retrieved June 15, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-features-and-diagnosis-of-cervical-radiculopathy
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  5. Levin, K. (2020). Cervical spondylotic myelopathy. In Aminoff, M.J. (Ed.), UpToDate. Retrieved June 15, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/cervical-spondylotic-myelopathy
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  8. Teichtahl, A.J., McColl, G. (2013). An approach to neck pain for the family physician. Australian Family Physician 42:774–777. https://www.racgp.org.au/afp/2013/november/neck-pain/
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  10. Freeman, M.D. (2021). Cervical sprain and strain. In Lorenzo, C.T. (Ed.), Medscape. Retrieved June 23, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/306176-overview

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