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Doença de Wilson

A doença de Wilson (degeneração hepatolenticular) é uma doença autossómica recessiva causada por várias mutações no gene ATP7B, que regula o transporte de cobre dentro dos hepatócitos. A disfunção desse mecanismo de transporte leva à acumulação de quantidades anormais de cobre no fígado, cérebro, olhos e outros órgãos, com consequentes distúrbios hepáticos, neurológicos e psiquiátricos, de expressão variável. O envolvimento do fígado pode manifestar-se como hepatite, insuficiência hepática ou cirrose, enquanto o envolvimento dos gânglios da base causa os sinais extrapiramidais. A maioria dos pacientes é diagnosticada entre as idades de 5 e 35 anos (média: 13 anos). O diagnóstico é estabelecido se o paciente tiver a ceruloplasmina plasmática baixa, depósitos de cobre na córnea (anéis de Kayser-Fleischer) e níveis elevados de cobre na urina. No entanto, muitas vezes são necessários outros exames, pois nem todos os pacientes terão todos estes achados. O prognóstico é bom para pacientes sem doença hepática avançada e que são tratados com os agentes quelantes penicilamina ou trientina. A doença de Wilson não tratada é fatal, podendo os pacientes morrer de cirrose, insuficiência hepática aguda ou complicações devido à doença neurológica progressiva.

Última atualização: Mar 1, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Epidemiologia e Fisiopatologia

Epidemiologia

  • Prevalência mundial: 1 por 30.000 nascidos vivos, com muitas mutações variantes genéticas com diferentes patogenicidades no gene ATP7B
  • A idade típica de início é de 5 a 35 anos (idade média: 13 anos)

Fisiopatologia

  • Metabolismo normal do cobre:
    • O cobre é absorvido no estômago e no duodeno → liga-se à albumina circulante → absorvida em vários tecidos
    • O excesso de cobre é excretado na bile → eliminado nas fezes
  • A doença de Wilson é uma doença autossómica recessiva causada por mutações no gene ATP7B encontrado no cromossoma 13.
    • Codifica uma ATPase transportadora de cobre ligada à membrana
      • Regula o transporte de cobre para dentro dos hepatócitos
    • A deficiência ou disfunção da proteína ATP7B causa o seguinte:
      • Excreção deficiente de cobre na bile → acumulação hepática de cobre → toxicidade do cobre por dano oxidativo no fígado
      • Incorporação diminuída de cobre na apoceruloplasmina → o cobre acumula-se nos tecidos com baixos níveis circulantes de ceruloplasmina (proteína circulante de transporte de cobre)
    • Mutações/variantes diferentes no gene ATP7B ajudam a explicar algumas das diferentes manifestações clínicas.
  • À medida que a doença progride, o cobre acumula-se no seguinte:
    • Fígado
    • Cérebro
    • Córnea
    • Rins

Apresentação Clínica

A doença de Wilson geralmente apresenta-se em crianças e adultos jovens. Raramente se manifesta após os 40 ano. As manifestações clínicas são principalmente hepáticas, neurológicas e psiquiátricas e podem incluir:

  • Doença hepática
    • Hepatomegalia +/– esplenomegalia
    • Ascite
    • Dor abdominal
    • Icterícia
    • Pode incluir hepatite, falência hepática aguda ou cirrose
  • Anéis Kayser-Fleischer
    • Depósitos de cobre na membrana de Descemet da córnea, manifestados como anéis castanho-esverdeados que circundam a íris
    • Presente em:
      • > 90% dos pacientes com apresentações neurológicas ou psiquiátricas
      • 50%–60% dos pacientes com doença hepática
  • Sintomas neurológicos: Depósitos de cobre no cérebro causam distúrbios motores extrapiramidais.
    • Nos gânglios da base → tremor e sintomas semelhantes ao parkinsonismo (Nota: O termo “degeneração lenticular” usado na descrição original por Wilson, que era estudante de medicina na época, refere-se ao núcleo lenticular [putamen + globus pallidus] parte dos gânglios da base.)
    • No cerebelo → disartria, disfagia, descoordenação e ataxia
    • No cérebro → psicose, demência e perturbação afetiva
  • Sintomas psiquiátricos: depressão, irritabilidade ou perturbações de personalidade
  • Doença hemolítica: Anemia hemolítica (AH) Coombs-negativa, frequentemente associada a icterícia na apresentação. A anemia hemolítica é comumente observada na falência hepática aguda devido à doença de Wilson, mas também pode ser observada sem insuficiência hepática como AH de baixo grau e crónica ou AH episódica.
Doença de wilson anéis de kayser-fleischer

Anel de Kayser-Fleischer: deposição de cobre na córnea

Imagem : Kayser-Fleischer rings” por Bentham Science Publishers, 2012. Licença: CC-BY-2.5

Mnemónica

Apresentação clínica da doença de Wilson: ABCD

  • A: Asterixis
  • B: Basal ganglia – Sintomas de degeneração dos gânglios da base (parkinsonismo)
  • C: Cirrose, Depósitos corneanos (anel de Kayser-Fleischer)
  • D: Demência

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

  • A testagem para Doença de Wilson deve ser considerada em qualquer paciente com alterações hepáticas, neurológicas ou psiquiátricas inexplicáveis, e familiares de primeiro grau de pacientes com doença de Wilson devem ser rastreados para a doença.
  • Exame físico: Os anéis de Kayser-Fleischer são vistos com a lâmpada de fenda (presente apenas em 50%–60% daqueles com envolvimento hepático isolado, e em> 90% dos pacientes com envolvimento neurológico).
  • Estudo inicial:
    • Transaminases aumentadas com relação AST/ALT > 2
    • Ceruloplasmina sérica diminuída
    • Excreção urinária de cobre em 24h aumentada
    • Hemograma
  • Imagiologia: a ecografia pode mostrar:
    • Esteatose hepática
    • Hepatomegalia ou esplenomegalia
    • Achados de cirrose
  • Gold Standard:
    • Biópsia hepática: ensaio quantitativo deteta aumento de cobre (se a investigação inicial for indeterminada)
    • Estudo genético molecular

Tratamento

  • Estilo de vida:
    • Dieta restrita em cobre: evitar alimentos ricos em cobre, como vísceras, mariscos, nozes e chocolate.
  • Terapêutica médica (obrigatória):
    • Quelação de cobre com penicilamina ou trientina
    • Se mal tolerado: zinco oral
  • O transplante hepático pode ser necessário em casos graves, como falência hepática fulminante.

Prognóstico

  • A doença de Wilson não tratada é fatal devido à acumulação contínua de cobre, acabando por morrer de cirrose, falência hepática aguda ou complicações devido à doença neurológica progressiva.
  • A esperança média de vida é desconhecida, mas variável. Uma sobrevida media de aproximadamente 5 anos após o aparecimento de sintomas neurológicos foi relatada num estudo. Dos pacientes que desenvolvem falência hepática aguda devido à doença de Wilson, 95% morrem em poucos dias/semanas sem transplante hepático.
  • A sobrevivência com o tratamento é excelente, mesmo na presença de lesão hepática (mas não se presente doença hepática avançada). É necessário tratamento ao longo da vida.

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Diagnóstico Diferencial

  • Doença de Huntington: também pode apresentar manifestações neuropsiquiátricas em um paciente < 40 anos. Os sintomas incluem coreia, atetose, agressão, depressão e demência. A doença de Huntington é causada por mutação autossómica dominante que consiste na repetição de trinucleotídeos (CAG) no cromossoma 4. A imagem cerebral mostra atrofia do caudado e do putâmen. Os anéis de Kayser-Fleischer não estão presentes na doença de Huntington.
  • Doença de Parkinson: também se pode apresentar com as seguintes manifestações neuropsiquiátricas: tremor, rigidez em roda dentada, bradicinesia, instabilidade postural e marcha arrastada. A doença de Parkinson está associada à perda de neurónios dopaminérgicos da substância nigra. A histologia mostra depósitos de α-sinucleína (inclusões eosinofílicas intracelulares). Os anéis de Kayser-Fleischer não estão presentes na doença de Parkinson.
  • Hepatite por outras causas (p. ex., álcool, acetaminofeno): As manifestações neuropsiquiátricas da doença de Wilson ajudam a diferenciá-la de outras causas de hepatite (embora a encefalopatia hepática possa estar associada à insuficiência hepática). História clínica, estudo analítico e exames de imagem podem ajudar a diferenciar as diferentes causas de hepatite da doença de Wilson.

Referências

  1. Michael L Schilsky, MD. Wilson disease: Clinical manifestations, diagnosis, and natural history. Retrieved on July 20, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/wilson-disease-clinical-manifestations-diagnosis-and-natural-history
  2. Kasper, D. L., & Braunwald, F. (2017). Harrison’s Principle of Internal Medicine 19th edition Volume I. (Pages 2519-2520)
  3. Wilson SAK. Progressive Lenticular Degeneration: A Familial Nervous Disease Associated with Cirrhosis of the Liver. Brain, 1912;34(4):295–507. https://doi.org/10.1093/brain/34.4.295
  4. Kumar, M., Gaharwar, U., Paul, S., et al. WilsonGen a comprehensive clinically annotated genomic variant resource for Wilson’s Disease. Sci Rep10, 9037 (2020). https://doi.org/10.1038/s41598-020-66099-2
  5. Hermann W. Classification and differential diagnosis of Wilson’s disease. Ann Transl Med. 2019;7(Suppl 2):S63. doi:10.21037/atm.2019.02.07

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