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Doença de Refluxo Gastroesofágico

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) deve-se ao refluxo patológico que causa sintomas e complicações, incluindo a esofagite erosiva. Os sintomas comuns são a azia, a saciedade precoce, o distensão abdominal e as eructações. O diagnóstico é clínico e requer endoscopia em adultos com mais de 55 anos, que não respondam à terapeutica empírica com bloqueadores de ácido ou aqueles com sintomas de alarme. A DRGE não complicada pode ser controlada com mudanças de estilo de vida e medicamentos de venda livre. As complicações incluem esofagite erosiva, estenose esofágica e esófago de Barrett, que podem aumentar o risco de cancro esofágico. O tratamento inclui modificações do estilo de vida e da dieta, medicamentos bloqueadores de ácido e, em alguns casos, a cirurgia.

Última atualização: Jan 16, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Epidemiologia e Etiologia

Definição

A Doença de Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é causada pela passagem do conteúdo gástrico para o esófago, dando origem a sintomas ou complicações.

Epidemiologia

  • Prevalência de 19%-28% na América do Norte
  • Mais comum no hemisfério ocidental
  • Fatores de risco:
    • Obesidade
    • Tabagismo
    • Cafeína
    • Álcool
    • Sedentarismo
    • Ansiedade/depressão
    • Stress
    • Hábitos alimentares (refeições abundantes, comer antes de ir para a cama)
    • Gravidez
    • Medicação (nitratos, bloqueadores dos canais de cálcio)
    • Escleroderma
    • Síndrome de Zollinger-Ellison que cause aumento da secreção ácida

Etiologia

  • Aumento dos relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior (TLESRs, pela sigla em inglês)
  • Pressão diminuída do esfíncter esofágico inferior (EEI)
  • Dismotilidade esofágica
  • Atraso do esvaziamento gástrico
  • Hérnia do hiato

Hérnia do hiato

  • Uma porção do estômago projeta-se através do hiato diafragmático para a cavidade torácica.
  • Pode ser classificado como:
    • Hérnia axial (perto de 90% dos casos)
    • Hérnia paraesofagica
    • Mista
  • Fisiopatologia:
    • A junção gastroesofágica localiza-se dentro do hiato diafragmático.
    • Duas faixas de músculo localizam-se centralmente no diafragma e envolvem o esófago para formar uma unidade com o esfíncter esofágico.
    • O aumento da pressão intraabdominal leva à formação fisiológica de uma barreira ao refluxo.
    • Os fundos gástrico e esofágico devem manter-se num ângulo agudo entre eles (cerca de 50º, o chamado ângulo de His) para uma função de barreira ótima.
    • A herniação do fundo leva à diminuição da função de barreira, o que leva a DRGE.
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Diagrama esquemático dos diferentes tipos de hérnia do hiato. A: Anatomia normal. B: Estadio precoce (de notar o alargamento do ângulo esofagogástrico). C: Hérnia do hiato de deslizamento ou axial. D: Hérnia do hiato paraesofágica. 
Imagem: “Hiatus hernia” por Mysid. Licença: Domínio Público, editado por Lecturio.
Licença: CC0 1.0

Fisiopatologia e Apresentação Clínica

Fisiologia

  • EEI:
    • Estrutura de músculo liso de 3–4 cm na junção gastroesofágica
    • Mantém uma zona de alta pressão entre o esófago e o estômago
    • Relaxa temporariamente em resposta às refeições
  • É normal existir algum refluxo do conteúdo do estômago, mas deve ser eliminado pelas contrações esofágicas.

Fisiopatologia

Fatores que levam ao aumento da exposição da mucosa esofágica ao ácido / conteúdo gástrico:

  • Maior frequência e duração dos episódios de refluxo
    • EEI incompetente (pressão basal inferior)
    • Maior frequência de TLESRs
    • Hérnia do hiato (EEI mais curto e mais fraco)
    • Aumento da pressão intragástrica (atraso do esvaziamento gástrico)
  • Diminuição do clearance do material refluído: distúrbios da motilidade esofágica
Refluxo esofágico

Fisiopatologia do refluxo gastroesofágico (DRGE):
Imagem à esquerda (normal): O EEI, uma estrutura na junção gastroesofágica, mantém uma zona de alta pressão entre o esófago e o estômago. Isso previne o refluxo do conteúdo gástrico. O EEI relaxa temporariamente em resposta às refeições.
Imagem à direita (DRGE): A incompetência do EEI (pressão basal inferior) e a frequência aumentada de TLESRs estão entre os fatores que causam DRGE.

Imagem de Lecturio.

Apresentação clínica

  • Sintomas esofágicos
    • Típicos:
      • Pirose (mais comum)
      • Regurgitação (migração do conteúdo gástrico até à hipofaringe / boca)
    • Atípicos (necessitam de investigação mais aprofundada):
      • Disfagia / odinofagia (secundária a irritação / dano da mucosa)
      • Eructação, náuseas
      • Dor torácica
      • Sensação de globo (“nó na garganta”)
  • Sintomas extraesofágicos (refluxo para a laringe, boca e trato respiratório)
    • Laringite
    • Tosse
    • Rouquidão / disfonia
    • Dor de garganta
    • Erosões dentárias
    • Sialorreia (hipersalivação)

Diagnóstico

Diagnóstico clínico

  • Empírico (não é necessário nenhum estudo adicional)
    • Sintomas clássicos: pirose +/- regurgitação
    • Os sintomas podem desaparecer com inibidores da bomba de protões (IBP); contudo, este achado sozinho não é diagnóstico.
  • Se houver características de alarme ou sintomas extra-esofágicos, é necessário investigação adicional.

Monitorização do pH em ambulatório

  • A monitorização do pH em ambulatório é considerado o gold standard para o diagnóstico de DRGE
  • Usado para confirmar o diagnóstico e avaliar a indicação terapêutica
  • Realizado durante 24 ou 48 horas
  • Mede a a freqência da queda do pH abaixo de 4,0 (tende a coincidir com os sintomas)
  • Deteta de forma confiável:
    • A exposição patológica ao ácido
    • A frequência dos episódios de refluxo
    • A correlação entre os sintomas e os episódios de refluxo
  • Para doentes com sintomas extraesofágicos
  • Para DRGE refratária ao tratamento farmacológico
  • Para doentes sem achados endoscópicos
Monitorização do ph esofágico

Monitorização do pH esofágico em ambulatório (pHmetria): este teste auxilia no diagnóstico de DRGE e avalia a indicação terapêutica nos doentes com sintomas persistentes. Nesta imagem, o dispositivo com sensor de pH é colocado por via nasal e ligado a um gravador de dados portátil.

Imagem de Lecturio.

Endoscopia digestiva alta (EDA)

  • Não é necessária numa apresentação típica de DRGE
  • Pode ser usada para avaliar sintomas histológicos em conjunto com a visualização
  • Está indicada se sinais de alarme (suspeita de complicações de DRGE / doença maligna):
    • Disfagia / odinofagia
    • Dor torácica
    • Sintomas de longa duração (> 5 anos)
    • Idade > 50 anos
    • Anemia / melenas / hematemeses
    • Perda ponderal
    • Vómitos persistentes
    • Cancro gastrointestinal num familiar de 1º grau
  • Achados:
    • Visuais:
      • Os achados da EDA podem ser normais
      • Os achados típicos são áreas de ulceração múltiplas, irregulares e grosseiramente lineares
      • A esofagite é comum
      • Constrições
      • Metaplasia e carcinoma
    • Histológicos:
      • As alterações histológicas podem estar presentes em áreas sem alterações visuais, mas não são específicas de DRGE
      • Penetração de células inflamatórias (eosinófilos, neutrófilos)
      • Dilatação do espaço intracelular
      • Espessamento da membrana basal
Barretts esophagus

Endoscopia digestiva alta de um doente com DRGE persistente: A imagem mostra a substituição do epitélio escamoso por epitélio colunar (Esófago de Barrett).

Imagem : “Barretts esophagus” da US National Library of Medicine. Licença: CC BY 2.0

Esofagograma (radiografia contrastada com bário)

  • O meio de contraste é deglutido e são feitos raio-X seriados para delinear a anatomia
  • Uso limitado no diagnóstico da DRGE em si.
  • Pode mostrar estenoses, tumores, hérnias do hiato e esofagite grave.

Manometria esofágica

  • Uma sonda sensível a pressão é passada através do trato GI superior e são feitas medições seriadas.
  • Para descartar distúrbios da motilidade esofágica
  • Normalmente é realizada antes da cirurgia antirrefluxo, se for considerada.

Tratamento

Tratamento não invasivo

  • Modificações do estilo de vida
    • Evitar comer nas 3 horas antes de deitar.
    • Perda de peso (se obeso)
    • Elevar a cabeceira da cama (se sintomas noturnos).
    • Evitar precipitantes (por exemplo, álcool, café, temperos).
    • Cessação tabágica
  • Terapêutica médica
    • Antiácidos:
      • Não tratam a doença, equilibram o pH
      • Úteis apenas em casos intermitentes
      • Exemplos: carbonato de cálcio, hidróxido de alumínio
    • Antagonistas do recetor de histamina (H2):
      • Diminuem a secreçao ácida através do bloqueio dos recetores H2 nas células parietais gástricas
      • Pode ser adicionado ao deitar em doentes com sintomas noturnos que já fazem inibidores da bomba de protões (IBP)
      • Exemplos: famotidina, cimetidina
    • Inibidores da bomba de protões:
      • Tratamento mais eficaz
      • Terapêutica de manutenção mais comum
      • Permite a resolução da esofagite, se presente
      • Exemplos: omeprazol, pantoprazol

Tratamento cirúrgico

  • Indicações:
    • Presença de hérnia do hiato para além dos sintomas de DRGE
    • Sintomas refratários após administração de terapêutica médica otimizada
    • Efeitos adversos dos fármacos
    • Desejo de descontinuar os fármacos
  • Terapêutica endoscópica:
    • Fundoplicatura transoral sem incisão
    • Procedimento de Stretta (aplicação de radiofrequência no EEI)
  • Cirurgia:
    • Fundoplicatura:
      • O fundo gástrico é enrolado à volta da parte inferior do esófago.
      • Completa (Nissen, 360º)
      • Parcial (Toupet, 270º; Dor, 180º)
      • Reparação concomitante da hérnia do hiato, se presente
    • Bypass gástrico se o doente for obeso (IMC> 35)

Complicações

Esofagite erosiva

  • 30% dos doentes com DRGE não tratada
  • Ulcerações irregulares ou lineares múltiplas no esófago distal
  • Classificada com base na gravidade (Classificação de Los Angeles da Doença de Refluxo Gastroesofágico):
    • Grau A: erosões da mucosa <5 mm de comprimento
    • Grau B: pelo menos 1 erosão da mucosa > 5 mm (não contínua entre as pregas adjacentes da mucosa)
    • Grau C: pelo menos 1 erosão da mucosa (contínua entre as pregas adjacentes da mucosa, mas não circunferencial)
    • Grau D: A erosão da mucosa envolve pelo menos ¾ da circunferência do lúmen esofágico.

Estenose esofágica

  • Resulta da cicatrização da esofagite erosiva
  • A deposição e contração do colágeno levam ao estreitamento luminal.
  • Causa disfagia para sólidos / impactação de alimentos
  • Tratada com dilatação endoscópica e IBPs para prevenir a recorrência
Upper gastrointestinal series stricture

Esofagograma com bário: Foi observada uma estenose severa medindo 85 mm no eixo longitudinal, estendendo-se do esófago torácico médio ao inferior, causada por esofagite de refluxo

Imagem: “Upper gastrointestinal series” pelo Department of Gastroenterological Surgery, Tokai University School of Medicine, 143 Shimokasuya, Isehara, Kanagawa, 259-1193, Japan. Licença: CC BY 4.0

Esófago de Barrett

  • Metaplasia intestinal colunar da mucosa escamosa do esófago distal
  • Precursor de adenocarcinoma esofágico
  • Diagnosticado por endoscopia com biópsia
  • Mucosa cor de salmão na endoscopia de luz branca
Segmento longo de esófago de barrett

Segmento longo de Esófago de Barrett

Imagem : “Long segment Barrett’s esophagus” da Japan Esophageal Society. Licença: CC BY 4.0

Adenocarcinoma esofágico

  • DRGE e / ou Esófago de Barrett são fatores de risco bem estabelecidos.
  • Afeta o terço distal do esófago
  • Aparece como uma massa, estenose ou úlcera de grandes dimensões na endoscopia
  • Os doentes apresentam disfagia, perda ponderal e anemia.

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Diagnóstico Diferencial

As seguintes condições são diagnósticos diferenciais de DRGE / esofagite de refluxo:

  • Esofagite induzida por comprimidos: também se manifesta com dor retroesternal e disfagia; no entanto, uma história de uso de medicação precipitante e a presença de odinofagia desde os estadios iniciais da doença ajudam a diferenciar a esofagite induzida por comprimidos da esofagite de refluxo. Frequentemente, os sintomas desaparecem com a descontinuação da medicação em causa.
  • Esofagite infeciosa: geralmente apresenta-se com dor retroesternal em doentes imunocomprometidos. A imunidade reduzida e a odinofagia de início precoce ajudam a diferenciar esofagite infeciosa de esofagite de refluxo. O diagnóstico é confirmado por biópsia.
  • Esofagite eosinofílica: também se apresenta com dor retroesternal e disfagia; no entanto, a presença de atopia ou asma concomitantes ajuda a diferenciar a esofagite eosinofílica da esofagite de refluxo. Para confirmação é necessária uma EDA com biópsia.
  • Esofagite corrosiva: também se manifesta com dor retroesternal e disfagia. A doença pode-se manifestar com lesões em estruturas adjacentes, como mediastinite. A história de ingestão de uma substância corrosiva e a presença de odinofagia diferenciam a esofagite corrosiva da esofagite de refluxo.
  • Distúrbios da motilidade esofágica: apresentam-se frequentemente com disfagia e dor torácica. Estas doenças consistem em disrupções do peristaltismo esofágico normal. Os distúrbios da motilidade esofágica são diagnosticados através de uma manometria esofágica e podem estar presentes isolados ou coexistir com o refluxo.

Referências

  1. Clarrette D.M. (2018). Gastroesophageal Reflux Disease (GERD). https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6140167/
  2. Kahrilas P.J. Clinical manifestations and diagnosis of gastroesophageal reflux in adults. Obtido a 22 de novembro de 2020, em https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-gastroesophageal-reflux-in-adults?search=GERD&source=search_result&selectedTitle=3~150&usage_type=default&display_rank=3
  3. Kahrilas P.J. Medical management of gastroesophageal reflux disease in adults. Obtido a 22 de novembro de 2020, em https://www.uptodate.com/contents/medical-management-of-gastroesophageal-reflux-disease-in-adults?search=GERD&source=search_result&selectedTitle=2~150&usage_type=default&display_rank=2

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