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Doença de Kawasaki

A doença de Kawasaki (DK), também conhecida como síndrome do nódulo linfático mucocutâneo ou poliarterite infantil, é uma vasculite necrosante de vasos de médio calibre, que afeta as crianças < 5 anos de idade. São envolvidos múltiplos sistemas, mas o mais grave é a predileção pelas artérias coronárias. O diagnóstico pode ser feito com base em critérios clínicos. Em casos em que se suspeita de DK incompleta, o diagnóstico pode ser suportado por estudos laboratoriais e ecocardiograma. O tratamento envolve imunoglobulina intravenosa e aspirina de alta dose. O acompanhamento requer ecocardiogramas seriados, para monitorização de aneurisma da artéria coronária.

Última atualização: Nov 18, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

  • Uma das vasculites mais comuns da infância
  • Os rapazes são mais frequentemente afetados do que as raparigas.
  • 80%–90% dos casos são em crianças com menos de 5 anos de idade.
  • Variação geográfica:
    • Maior incidência em crianças da Ásia Oriental ou de ascendência asiática, a viver noutras partes do mundo
    • Incidência anual global de 20 por 100.000 crianças menores de 5 anos nos Estados Unidos
  • ¼ dos casos em adultos ocorrem em pacientes com VIH.

Etiologia

A etiologia da doença de Kawasaki (DK) é desconhecida. Existem várias teorias:

Teoria da resposta imune:

  • Encontram-se células inflamatórias a infiltrar artérias de médio calibre
    • Neutrófilos
    • Células T CD8+
    • Eosinófilos
    • Plasmócitos IgA
    • Macrófagos (únicos entre os vasculípedes)
  • Nota-se a expressão elevada de genes inflamatórios durante a fase aguda da doença, incluindo de:
    • Adrenomedulina
    • Grancalcina
    • Granulina
  • O estímulo para esta expressão génica e infiltração inflamatória é desconhecido.

Teoria da infeção:

  • Semelhanças com outras doenças infeciosas pediátricas:
    • Exantema febril com linfadenite e mucosite
    • ↑ Incidência durante o inverno e o verão
    • Ocorre em epidemias
    • Rapazes > raparigas
    • ↑ Incidência em crianças mais novas
  • Exemplos de potenciais agentes patogénicos:
    • Virais:
      • Adenovírus
      • Citomegalovírus
      • Rotavírus
    • Bacterianos: Mycoplasma

Teoria da predisposição genética

  • Suspeita devido ao aumento da frequência em:
    • População asiática
    • Membros da família (irmãos dos afetados com DK tem maior probabilidade de também desenvolver DK do que a população geral)
  • Variações e polimorfismos de genes relacionados com a regulação imune e a homeostasia vascular têm sido associados à DK

Teoria dos fatores ambientais

  • Fatores hipotéticos despoletantes de DK, mas sem evidência científica de suporte:
    • Mercúrio
    • Ácaros
    • Champô para tapetes
    • Pólen
  • Sem evidência científica de suporte

Fisiopatologia

A doença de Kawasaki é uma doença sistémica, inflamatória, que afeta as artérias de médio calibre, sobretudo as artérias coronárias.

  • São envolvidos vários órgãos e tecidos, mas as sequelas a longo prazo ocorrem apenas nas artérias.
  • As lesões nos vasos sanguíneos resultam da infiltração de células inflamatórias nos tecidos vasculares.
    • Fase inicial: túnica média vascular e o endotélio tornam-se edematosos
    • Fase final: um influxo de neutrófilos seguido pela proliferação de células plasmáticas IgA e células T CD8+.
      • Também podem ser proeminentes eosinófilos e macrófagos.
      • Múltiplas citoquinas e metaloproteinases de matriz são secretadas por células inflamatórias, resultando em danos vasculares.
      • O tecido conjuntivo fibroso dentro da parede vascular pode desenvolver-se e levar ao espessamento da íntima, estreitamento do lúmen do vaso e formação de um trombo.
      • A destruição das fibras de elastina e colagénio pode gerar uma perda da integridade estrutural da parede arterial, levando à dilatação e formação de aneurisma.

Apresentação Clínica

Sintomas frequentemente presentes

  • Febre (manifestação mais consistente de DK):
    • < 101.3ºF (38.5ºC)
    • Minimamente responsiva aos antipiréticos
  • Rash:
    • Apresenta-se de forma muito variável (polimórfico)
    • Normalmente NÃO é vesicular
    • Encontrado no tronco, extremidades e região perineal
  • Mal-estar
    • Muitas vezes descrito como “inconsolável”
    • A diminuição da atividade e do apetite são comuns.
  • Conjuntivite
    • Bilateral
    • Não exsudativa
    • Bulbar
    • Poupa o limbo
    • Apresenta-se dias após o início da febre
    • Por vezes ocorre fotofobia
  • Mucosite
    • Eritema dos lábios e mucosa oral
    • “Língua em morango”
  • Alterações nas extremidades
    • Edema e/ou eritema nas palmas das mãos e plantas dos pés
    • Descamação periungueal
    • Geralmente encontradas numa fase tardia da doença
  • Linfadenopatia cervical
    • Manifestação menos consistente da DK
    • Tende a envolver as cadeias linfáticas cervicais anteriores
  • Pródromos não específicos de sintomas respiratórios ou gastrointestinais (GI)

Manifestações menos comuns

Sistema Manifestações
Gastrointestinal Diarreia, dor abdominal, vómitos, disfunção hepática, pancreatite, hidrópsia da vesícula biliar, ascite, enfarte esplénico.
Musculo-esquelético Poliartrite, artralgias
Sistema Cardiovascular Miocardite, pericardite, taquicardia, doença cardíaca valvular
Genitourinário Uretrite, prostatite, cistite, nefrite intersticial, síndrome nefrótico
Sistema nervoso central Letargia, irritabilidade fácil, meningite assética, surdez neurossensorial
Respiratório Dispneia, doença influenza-like, derrame pleural, tosse, rinorreia
Pele Eritema e endurecimento no local de vacinação da BCG (bacille Calmette-Guérin), linhas de Beau, gangrena dos dedos
Geral Irritabilidade, diminuição do consumo de energia, letargia.

Diagnóstico

Critérios de diagnóstico

  • Febre com duração de ≥ 5 dias E pelo menos 4 dos seguintes:
    • Injeção conjuntival bilateral, não exsudativa
    • Alterações da mucosa oral: lábios fissurados, língua em morango, faringite
    • Alterações das extremidades periféricas: eritema das palmas das mãos/pés, edema das mãos/pés, descamação periungueal
    • Erupção cutânea eritematosa polimórfica
    • Linfadenopatia cervical: pelo menos 1 nódulo > 1,5 cm de diâmetro, geralmente unilateral
  • Se apenas 2-3 critérios → Kawasaki atípico, completar com os exames laboratoriais abaixo
Diagnostic algorithm for children with fever_diagnosis of kawasaki disease

Algoritmo de diagnóstico para crianças com febre/diagnóstico de doença de Kawasaki. Unidades: PCR (CRP, pela sigla em inglês) em mg/dL; VS (ESR, pela sigla em inglês) em mm/h. Exames laboratoriais positivos (≥3 achados laboratoriais) incluem: Anemia (para a idade) ↑ Contagem plaquetária ↑ Leucócitos ↓ Albumina ↑ ALT Piúria

Imagem por Lecturio.

Exames laboratoriais e de imagem

  • Hemograma com contagem diferencial:
    • ↑ leucócitos
    • ↑ plaquetas
    • Anemia
  • Testes de função hepática:
    • ↑ aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT)
    • ↓ albumina
  • Reagentes de fase aguda:
    • ↑ PCR
    • ↑ velocidade de sedimentação (VS)
  • Análise sumária de urina: piúria estéril
  • ECG:
    • Pode mostrar alterações relacionadas com miocardite, pericardite ou isquemia/enfarte do miocárdio
    • Exemplos de achados potenciais:
      • ↑ intervalo PR
      • Ondas Q
      • Alterações ST
      • Baixa voltagem
  • Ecocardiograma:
    • Achados potenciais:
      • ↑ tamanho da artéria descendente anterior esquerda ou da coronária direita
      • Observação de aneurisma da artéria coronária
      • ↓ função ventricular esquerda
      • Disfunção valvular (por exemplo, regurgitação)
      • Derrame pericárdico
    • Deve ser realizado em todos os doentes com DK
    • Estabelece um ponto de referência para um acompanhamento longitudinal
    • Determina a eficácia do tratamento
  • Angiografia:
    • Utilizada para observar aneurismas já detetados através de ecocardiograma
    • Não é utilizada para deteção ou diagnóstico inicial

Mnemónica

CRASH e Burn:

Conjunctivitis (conjuntivite)

Rash (erupção cutânea)

Adenopathy (adenopatia)

Strawberry tongue (língua de morango)

Hands and feet (mãos e pés)

Burn: febre

Tratamento

  • A doença de Kawasaki é autolimitada!
  • O tratamento tem como objetivo prevenir complicações e atenuar os sintomas.
  • Base do tratamento:
    • Imunoglobulina intravenosa (IGIV):
      • 2 g/kg administrados numa única infusão durante 8-12 horas
      • Iniciar dentro de 10 dias após o início da febre, de forma a reduzir o risco de aneurismas das artérias coronárias.
      • Confirmar a resolução da febre, durante 24 horas após a conclusão da infusão de IGIV.
      • Os pacientes com alto risco de resistência a IGIV são tratados complementarmente com glicocorticoides sistémicos.
    • Aspirina:
      • 30–50 mg/kg diários divididos em 4 doses
      • Efeitos anti-inflamatório e antiplaquetário
      • Previne a formação de trombos nas artérias coronárias
  • Acompanhamento com ecocardiogramas seriados às 2 e 6 semanas
Tabela: Outros fármacos que podem ser usados
Fármaco Indicação
Clopidogrel, dipiridamol e outros fármacos antiplaquetários Para aneurismas de tamanho pequeno a médio das artérias coronárias e alto risco de formação de trombos
Heparina, varfarina e outros anticoagulantes de baixo peso molecular Para aneurismas grandes das artérias coronárias com alto risco de formação de trombos
Infliximab, ciclofosfamida e ciclosporina Casos refratários com aneurisma coronário
Corticosteroides Pacientes que não respondem aos tratamentos padrão ou que estão em risco de resistência à IGIV

Complicações

  • Choque: a síndrome de choque da DK (SCDK) é a hipotensão sistólica sustentada ou sinais clínicos de má perfusão. Se presença de trombocitose, idade mais jovem e alterações das artérias coronárias é altamente sugestivo de SCDK.
  • Complicações cardíaca: dilatação, aneurisma e/ou estenose das artérias coronárias, disfunção ventricular, regurgitação valvular e derrame pericárdico são complicações encontradas na DK. Monitorizar com ecocardiogramas seriados.
  • Síndrome de ativação de macrófagos: ativação e proliferação de macrófagos e células T. Pode levar a complicações com risco de vida, tais como coagulação intravascular disseminada, citopenias e trombose.
  • Isquemia, gangrena: a obstrução arterial periférica pode levar a isquemia de vísceras ou gangrena das extremidades.
  • Alterações urinárias: a piúria estéril é comum na DK, enquanto que a nefrite intersticial, proteinúria ligeira e LRA são manifestações incomuns.
  • Alterações GI: a hidrópsia da vesícula biliar é um achado comum durante a fase aguda da DK mas de resolução rápida após administração de IGIV.
  • Sistema nervoso central: a irritabilidade é uma característica comum da fase aguda da DK. Pensa-se estar relacionada com a pleocitose do LCR, encontrada em 40% das crianças com DK.
  • Perda auditiva neurossensorial: pode ocorrer na fase aguda da DK, mas raramente persiste.

Diagnósticos Diferenciais

  • Escarlatina: doença que decorre da infeção estreptocócica do grupo A, também conhecido como Streptococcus pyogene. Os sinais e sintomas incluem odinofagia, febre, cefaleia, adenopatias, uma erupção cutânea característica (vermelha e em forma de lixa) e língua vermelha/rugosa. A faringite exsudativa na DK pode ser confundida com a faringite estreptocócica. O diagnóstico de escarlatina geralmente é confirmado com deteção rápida de antigénio ou cultura da orofaringe. O tratamento é com penicilina ou amoxicilina.
  • Sarampo: infeção pelo paramyxovirus, que se manifesta com febre, conjuntivite e uma erupção polimórfica altamente contagiosa. As lesões intra-orais discretas presentes na DK podem ser confundidas com as manchas de Koplik do sarampo. O diagnóstico é obetido pela técnica de reação em cadeia da polimerase viral (PCR) e o tratamento é de suporte e envolve isolamento.
  • Doença de Lyme: Uma doença infeciosa causada por Borrelia burgdorferi, que se propaga através de carraças. O sinal mais comum é o eritema migrans, que aparece no local da picada, cerca de uma semana após a sua ocorrência. Outros sintomas que podem estar presentes são artralgias, cefaleia forte, rigidez no pescoço, palpitações. O diagnóstico assenta nos achados clínicos e exposição a carraças e é suportado por testes serológicos. Para o tratamento usam-se antibióticos como doxiciclina.
  • Febre maculosa das Montanhas Rochosas: Infeção bacteriana que se propaga por uma picada de um carrapato infetado. Os sintomas incluem vómitos, febre alta repentina, cefaleia, dor abdominal, rash e mialgias. O diagnóstico baseia-se nas características clínicas, biópsia da erupção cutânea e testes serológicos. O tratamento envolve antibióticos, como a doxiciclina.
  • Rotavírus: O rotavírus é a causa mais comum de gastroenterite grave. Os pródromos de sintomas gastrointestinais (GI) inespecíficos, como diarreia, dor abdominal e vómitos também observados na DK, podem ser confundidos com uma infeção por rotavírus. Geralmente não é necessário testes diagnósticos para rotavírus. A base do tratamento é a terapia de reidratação oral.
  • Pneumonia: inflamação aguda ou crónica do tecido pulmonar, causada por infeção por bactérias, vírus ou fungos, considerada uma doença infantil comum. Os pródromos de sintomas respiratórios e gastrointestinais inespecíficos da DK podem ser confundidos com o diagnóstico de pneumonia. O diagnóstico de pneumonia baseia-se na história clínica e exame objetivo e é suportado por exames de imagem (como o raio-X torácico). O tratamento envolve cuidados de suporte e agentes antimicrobianos com base na etiologia.
  • Adenovírus: causa infeção respiratória ligeira das vias aéreas superiores em crianças pequenas. Os pródromos de sintomas respiratórios inespecíficos com conjuntivite não exsudativa concomitante da DK podem ser confundido com uma infeção comum das vias respiratórias superiores por adenovírus. O diagnóstico de adenovírus é confirmado com testes de PCR e de antigénio. A maior parte das infeções são autolimitadas, pelo que o tratamento geralmente é de suporte.
  • Meningite: inflamação das meninges frequentemente causada por bactérias e vírus. A irritabilidade é uma manifestação em comum da DK e meningite. Outros sinais e sintomas à apresentação incluem febre, alteração do estado mental e rigidez da nuca. O diagnóstico é confirmado com análise do LCR. O tratamento inclui antibióticos de largo espectro, que podem ser dirigidos após a identificação do agente patogénico agressor.
  • Síndrome de Stevens-Johnson (SSJ): reação de hipersensibilidade mediada por imunocomplexos, que pode ser desencadeada por etiologias infeciosas ou pela utilização de anticonvulsivantes, antibióticos ou outros fármacos. A síndrome é caracterizada por necrólise epidérmica, separação da epiderme da derme e formação de bolhas na pele, incluindo na face, lábios, faringe e extremidades. A erupção bolhosa ou vesicular da DK pode ser confundida com a do SSJ. O diagnóstico de SSJ geralmente é clínico e o tratamento é basalmente de suporte. É necessária a remoção de qualquer agente causal.
  • Vírus Epstein-Barr: causa mononucleose infeciosa, associada ao linfoma de Burkitt, linfohistiocitose hemofagocítica e linfoma de Hodgkin. A linfadenopatia generalizada observada na DK pode ser confundida com a linfadenopatia generalizada da mononucleose infeciosa. O diagnóstico é clínico e confirmado com teste de anticorpos heterófilos ou serologia. O tratamento é de suporte.

References:

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  2. Sundel, R. (2020). Kawasaki disease: Epidemiology and etiology. In TePas, E. (Ed.), UpToDate. Retrieved February 15, 2022, from https://www.uptodate.com/contents/kawasaki-disease-epidemiology-and-etiology
  3. Sundel, R. (2020). Kawasaki disease: Initial treatment and prognosis. In TePas, E. (Ed.), UpToDate. Retrieved February 15, 2022, from https://www.uptodate.com/contents/kawasaki-disease-initial-treatment-and-prognosis
  4. Raab, C.P. (2021). Kawasaki disease. [online] MSD Manual Professional Version. Retrieved February 15, 2022, from https://www.msdmanuals.com/professional/pediatrics/miscellaneous-disorders-in-infants-and-children/kawasaki-disease
  5. Modesti, A.M., and Plewa, M.C. (2021). Kawasaki disease. [online] StatPearls. Retrieved February 15, 2022, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK537163/
  6. Sosa, T.K., and Shah, S.S. (2018). Kawasaki disease. In Steele, R.W. (Ed.), Medscape. Retrieved February 15, 2022, from https://emedicine.medscape.com/article/965367-overview

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