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Doença de Hirschsprung

A doença de Hirschsprung (DH), também conhecida como aganglionose congénita ou megacólon congénito, é uma anomalia congénita do cólon causada pela falha na migração das células ganglionares derivadas da crista neural até ao cólon distal. A ausência de inervação envolve sempre o reto e estende-se proximalmente e de forma contigua até distâncias variáveis. Geralmente, o diagnóstico é feito no período neonatal, através da manifestação da tríade clássica de sintomas, que inclui o atraso na passagem de mecônio, a distensão abdominal e os vómitos biliares. As crianças que apresentam graus mais ligeiros de obstrução funcional podem não ser diagnosticadas até à infância tardia, altura em que começam a manifestar obstipação crónica refratária, distensão abdominal e défice de crescimento. O diagnóstico de DH é confirmado pela ausência de células ganglionares na biópsia retal após a realização de exames não invasivos, como a manometria anorretal e o uso de enema de contraste. O tratamento padrão consiste na ressecção cirúrgica do segmento agangliónico.

Última atualização: Jan 17, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

A doença de Hirschsprung (DH), também conhecida como aganglionose congénita ou megacólon congénito, é uma anomalia congénita do cólon causada pela falha na migração das células ganglionares derivadas da crista neural até ao cólon distal.

Classificação

  • Forma esporádica:
    • Forma mais frequente (70%)
    • ⅓ dos casos apresenta uma, ou mais, mutações no gene recetor da tirocina cinase (RET).
  • Formas familiares: Aproximadamente metade dos casos tem uma, ou mais, mutações do gene da RET.
  • Inserido numa síndrome genética:
    • Síndrome de Down (SD)/trissomia 21:
      • Aproximadamente 10% dos indivíduos com DH têm SD.
      • < 1% dos indivíduos com SD têm DH.
    • Síndrome de Waardenburg:
      • Distúrbio pigmentar hereditário autossómico dominante
      • 100% dos indivíduos com síndrome de Waardenburg tipo 4 têm DH.
    • Síndrome de Mowat-Wilson:
      • Deficiência intelectual, microcefalia
      • 41%–71% dos casos têm DH.
    • MEN tipo 2A (MEN2A): neoplasia medular da tiroide e feocromocitoma com, ou sem, hiperparatiroidismo primário

Epidemiologia

  • A incidência anual é de aproximadamente 1 em 5.000 nados-vivos nos EUA.
  • A proporção homens:mulheres é de 3–4:1, mas quando ocorre o envolvimento do cólon total esta é próxima de 1:1.
  • Mais frequente em populações com ascendência Asiática

Etiologia

  • A DH está associada a mutações em múltiplos genes importantes para o crescimento e diferenciação das células da crista neural, mais frequentemente a mutações no gene RET.
  • Os fatores ambientais e modificadores genéticos (alguns associados ao sexo) provavelmente também contribuem.

Fisiopatologia

A fisiopatologia na DH consiste na ausência completa de células ganglionares (aganglionose), importantes na enervação intrínseca do intestino. Isto ocorre devido à falha na migração completa das células ganglionares derivadas da crista neural até aos plexos mioentéricos da parede do cólon.

  • Estende-se proximalmente a partir do esfíncter anal e envolve vários segmentos do cólon
  • O reto é sempre envolvido
  • A ausência do peristaltismo no local onde ocorreu a falha da migração resulta em obstrução funcional
  • O segmento agangliónico apresenta também alterações anormais na expressão de recetores, canais, proteínas do citoesqueleto e fatores neurotróficos.
  • Patologia macroscópica:
    • O envolvimento do cólon retossigmoide é o mais frequente (“doença do segmento curto”): 80%
    • Extensão proximal ao cólon sigmoide (“doença do segmento longo”): 15%–20%
    • Aganglionose do cólon total: 5% dos casos; raramente envolve o íleo ou o intestino delgado na sua totalidade
    • Hipertrofia muscular e dilatação intestinal proximal à obstrução, com possível progressão para megacólon e rutura (habitualmente, no cego)
  • Patologia microscópica:
    • Ausência das células ganglionares entéricas nos plexos submucoso (Meissner) e mioentérico (Auerbach), no reto distal e no intestino proximal, de forma contígua, podendo afetar vários segmentos do cólon
    • Hipertrofia dos nervos mioentéricos aganglionares (variável)

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Apresentação Clínica

Na maioria dos doentes com DH o diagnóstico é feito no 1.º mês de vida. Em, aproximadamente, 10% dos casos, as crianças com doença mais ligeira podem não apresentar sintomas até aos 3 anos.

  • Tríade clássica de sintomas:
    • Atraso na passagem de mecónio (> 48 horas num recém-nascido de termo)
    • Distensão abdominal
    • Vómitos biliares
  • Sinais e sintomas associados no período neonatal:
    • Expulsão explosiva de gases e fezes após o toque retal, sugerindo o alívio temporário da obstrução
    • Enterocolite (mais comum caso o diagnóstico seja tardio):
      • Sépsis com febre
      • Vómitos, diarreia e distensão abdominal, que podem levar a megacólon tóxico
    • Volvo do sigmoide ou de outra região
    • Perfuração do apêndice
  • Apresentações tardias:
    • Obstrução funcional com menor gravidade
    • Em alguns casos pode ocorrer uma “DH com segmento ultracurto” (< 4 cm do esfíncter anal interno).
    • Sintomas e sinais:
      • Obstipação crónica refratária
      • Distensão abdominal
      • Má evolução estaturo-ponderal
  • Anomalias congénitas associadas:
    • Presentes em 20%–25% dos indivíduos com DH
    • A cardiopatia congénita ocorre em 50% dos casos sindrómicos, principalmente naqueles com SD
    • Anomalias genitourinárias:
      • Hidronefrose
      • Hipoplasia renal
    • Anomalias visuais: defeitos visuais refratários e outros
    • Défice auditivo
    • Malformações anorretais

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

Caso exista uma suspeita de DH com base nos sintomas apresentados no período neonatal ou pós-natal, são utilizados os seguintes exames:

  • Enema de contraste: pode mostrar o sinal patognomónico da “zona de transição” (segmento em forma de funil entre o reto aganglionar e o cólon próximal dilatado)
  • Manometria anorretal:
    • Útil no rastreio de doentes com DH com envolvimento de segmento ultra-curto
    • A ausência de relaxamento do esfíncter anal interno com distensão retal por balão é sugestiva de DH.
  • Radiografia abdominal: habitualmente não é necessária, mas permite visualizar uma diminuição ou ausência de ar no reto
  • Biópsia retal: necessária para a confirmação do diagnóstico e documenta a ausência de células ganglionares
Doença de hirschsprung vista no estudo de enema de bário com contraste

A imagem representa um estudo contrastado com enema baritado, onde é possível visualizar a doença de Hirschsprung através da seta que mostra a “zona de transição” entre o intestino normal e aganglionar

Imagem: “Contrast enema showing a CETZ at rectosigmoid, arrow” de Pratap, A., et al. Licença: CC BY 2.0, editado por Lecturio.

Tratamento

  • Avaliar as anomalias associadas:
    • Ecografia genitourinária para a avaliação de malformações do sistema urinário
    • Rastreio de anomalias auditivas
    • Rastreio de anomalias visuais
    • Se necessário, referenciar para estudo genético nos casos de suspeita de MEN2A
  • Ressecção cirúrgica do segmento intestinal aganglionar
  • DH com envolvimento de um segmento ultracurto (aganglionose < 4 cm do esfíncter anal interno):
    • Tratamento médico com dieta, emolientes fecais, laxantes ou injeções de toxina botulínica
    • Pode ser necessário tratamento cirúrgico com realização de miomectomia.

Complicações

  • Enterocolite:
    • Complicação potencialmente fatal
    • Frequente no segmento dilatado devido à estase e ao supercrescimento bacteriano
  • Úlceras estercorais: úlceras planas, bem delimitadas e com inflamação da mucosa, causadas pela pressão fecal no cólon obstruído
  • Potenciais complicações da cirurgia:
    • Obstrução intestinal
    • Obstipação
    • Obstrução mecânica (por exemplo, estenose)
    • Aganglionose persistente ou adquirida → é necessário voltar a biopsar para avaliar
    • Aumento do tónus do esfíncter anal interno → o uso de toxina botulínica pode ser útil
    • Comportamento de retenção fecal
    • Enterocolite (enterocolite associada à DH):
      • Taxa de incidência: até 45% no pós-operatório
      • Etiologia: provavelmente causada pela estase intestinal
      • Sinais e sintomas: dor abdominal, diarreia sanguinolenta com odor fétido, febre, sépsis, necrose intestinal e perfuração
      • Risco aumentado na “doença do segmento longo”, sobretudo se aganglionose total do cólon
      • Evolução temporal: normalmente, ocorre < 1 ano após a cirurgia
      • Tratamento: fluidos IV, antibióticos, irrigação retal de repetição
    • Mais frequentes na “doença do segmento longo”:
      • Escoriações perianais
      • Desequilíbrio eletrolítico
      • Deiscência da anastomose
    • Volvo
    • Incontinência e diarreia:
      • Frequente no pós-operatório percoce
      • Habitualmente melhora com o tempo
      • 12% dos doentes apresentam problemas a longo prazo.
    • A maioria dos doentes com SD/DH apresentam patologias intestinais a longo prazo:
      • Incontinência, diarreia, enterocolite
      • Pode ser necessário uma colostomia permanente
    • Podem ocorrer complicações urológicas e sexuais:
      • Incontinência urinaria
      • Disfunção erétil

Prognóstico

  • Outcomes a longo prazo:
    • No geral: >90% dos doentes com DH reportam outcomes satisfatórios.
    • Muitos doentes apresentam anomalias da função intestinal durante vários anos.
    • Aproximadamente 1% dos doentes têm incontinência incapacitante, que requer colostomia permanente.
  • Os outcomes piores são observados em:
    • Doentes com aganglionose total do cólon:
      • 33% têm incontinência persistente.
      • 14% necessitam de uma ileostomia permanente.
    • Doentes com anomalias e síndromes cromossómicas associadas

Diagnóstico Diferencial

As causas de obstrução intestinal no período neonatal podem ser diferenciadas da DH com base nas características clínicas e na presença de gânglios na biópsia retal.

  • Atresia intestinal: resulta na obstrução completa do lúmen intestinal no período neonatal, mas, habitualmente, é rara. Cerca de 50% dos casos envolvem o duodeno e 20% dos casos ocorrem em crianças com alguma anomalia cromossómica associada.
  • Quisto de duplicação: causa sintomas semelhantes aos observados na presença de uma massa abdominal por compressão do intestino adjacente; é raro e habitualmente ocorre no intestino delgado.
  • Má rotação intestinal com volvo: ocorre devido à interrupção da rotação normal do intestino embrionário. A ocorrência de vómitos biliares numa criança pode sugerir a presença de uma lesão obstrutiva.
  • Íleo meconial (IM) devido à fibrose quística (FQ): obstrução do íleo terminal associado a espessamento meconial. Aproximadamente 80%–90% das crianças com IM têm FQ. O rastreio pré-natal para portador e a ecografia pré-natal ajudam no tratamento proativo.
  • MEN2: A MEN2A está associada à DH; A NEM2B pode estar associada à ganglioneuromatose, deformações esqueléticas e hábito marfanoide.
  • Displasia nervosa intestinal e outras pseudo-obstruções intestinais crónicas ou agudas: distúrbios da dismotilidade funcional e obstruções não mecânicas. A displasia nervosa intestinal e outras pseudo-obstruções intestinais crónicas ou agudas, constituem, habitualmente, causas neuropáticas ou miopáticas nos lactentes.
  • Síndrome do rolhão meconial: patologia que ocorre em 1 de 500 recém-nascidos, causada pela dismotilidade do cólon ou consistência anormal do mecónio. Cerca de 15% dos casos apresentam DH. O uso de enema com contraste é, simultaneamente, diagnóstico e terapêutico.

Causas de obstrução intestinal em latentes mais velhos e crianças:

  • Acalásia do esfíncter anal interno: O diagnóstico é feito por manometria anorretal, ao revelar a ausência do reflexo retoesfincteriano aquando da insuflação do balão retal.
  • Hipotiroidismo: condição associada ao aumento do peso ao nascimento e macroglossia. O rastreio neonatal permite o diagnóstico precoce de hipotiroidismo congénito.
  • Pseudo-obstrução intestinal crónica: distúrbios funcionais da dismotilidade, que não correspondem a obstruções mecânicas. Habitualmente, a pseudo-obstrução intestinal crónica constitui uma causa neuropática ou miopática de obstrução em lactentes.

Referências

  1. Kumar, V., Abbas, A.K., Aster, J.C. (Eds.). (2020). Hirschsprung Disease. In Robbins & Cotran Pathologic Basis of Disease. 10th ed. pp. 755–756.
  2. Wesson, D.E., Lopez, M.E. (2021). Congenital aganglionic megacolon (Hirschsprung disease). UpToDate. Retrieved July 14, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/congenital-aganglionic-megacolon-hirschsprung-disease
  3. Wesson, D.E., Lopez, M.E. (2021). Emergency complications of Hirschsprung disease. UpToDate. Retrieved July 15, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/emergency-complications-of-hirschsprung-disease
  4. Zhang, Z., et al. (2017). Sporadic Hirschsprung disease: Mutational spectrum and novel candidate genes revealed by next-generation sequencing. Scientific Reports. 7(1), 14796. https://doi.org/10.1038/s41598-017-14835-6
  5. Kapur, R.P., Smith, C., Ambartsumyan, L. (2020). Postoperative pull-through obstruction in Hirschsprung disease: Etiologies and diagnosis. Pediatric and Developmental Pathology. 23, 40–59. https://doi.org/10.1177/1093526619890735
  6. Wagner, J.P., Shekherdimian, S., Lee, S.L. (2020). Hirschsprung disease: Background, pathophysiology, epidemiology. Retrieved July 15, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/178493-overview#a2

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