Digestão e Absorção de Hidratos de Carbono

Os hidratos de carbono armazenam energia e são 1 dos 3 principais macronutrientes (para além das proteínas e dos lípidos). Estes estão presentes em diversos alimentos, tais como cereais, frutas, leguminosas e muitos vegetais. Os polissacarídeos, a maioria sob a forma de amido, são a principal fonte alimentar de hidratos de carbono para os seres humanos. Para serem utilizados como energia pelos humanos, a maioria dos hidratos de carbono devem ser digeridos (decompostos) em monossacarídeos que, por sua vez, podem ser absorvidos e depois metabolizados. A digestão dos hidratos de carbono começa na boca com a ação das amilases salivares. O amido restante é ainda decomposto pela amilase pancreática e pelas enzimas da bordadura em escova nos intestinos. A oxidação de 1 g de hidratos de carbono fornece 4 kcal de energia.

Última atualização: Apr 25, 2025

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Revisão da Estrutura dos Hidratos de Carbono

Classificação

Tabela: Classificação dos hidratos de carbono com base no tamanho
Nome Definição Exemplos em humanos
Monossacarídeos Moléculas que consistem num grupo de açúcar simples
  • Glucose
  • Galactose
  • Frutose
    Dissacarídeos Combinação de 2 monossacarídeos
    • Maltose (glucose + glucose)
    • Lactose (glucose + galactose)
    • Sacarose (glucose + frutose)
      Oligossacarídeos Combinação de 3-10 monossacarídeos Geralmente ligados a:
      • Proteínas (formando glicoproteínas)
      • Lípidos (formando glicolípidos)
        Polissacarídeos Combinação de > 10 monossacarídeos
        • Glicogénio
        • Celulose
        • Glicosaminoglicanos (GAGs)
        • Amido (combinação de 2 polissacarídeos: amilose e amilopectina)

          Ligações glicosídicas

          • Ligam uma molécula de açúcar a qualquer outro componente
          • Ligações covalentes entre:
            • O grupo -OH e o carbono anomérico (geralmente C1) de um açúcar
            • O grupo -OH e outro composto (pode ser outra molécula de açúcar ou qualquer outro componente)
          • A formação da ligação resulta na perda de H2O
          • A nomenclatura baseia-se nos carbonos ligados e no anomerismo do carbono anomérico
            • E.g., ligações glicosídicas α-1,4 ligam o carbono C1 (anomérico) ao primeiro sacarídeo (com um grupo hidroxil orientado na configuração α) ao grupo hidroxilo no carbono C4 do sacarídeo seguinte
          Chemical structure of lactose and maltose demonstrating α versus β glycosidic bonds

          Estrutura química da lactose e maltose demonstrando ligações glicosídicas α versus β:
          Na lactose, o carbono anomérico na galactose (C1) está na configuração β (o grupo hidroxilo aponta para cima); portanto, quando se forma uma ligação da galactose com o C4 na glicose, forma-se uma ligação β-1,4-glicosídica. A maltose é constituída por 2 moléculas de glucose. O carbono anomérico na glucose (C1) tem a configuração α (o grupo hidroxilo aponta para baixo); portanto, a ligação na maltose é uma ligação α-1,4-glicosídica entre 2 moléculas de glucose.

          Imagem por Lecturio.

          Digestão dos Hidratos de Carbono

          Os hidratos de carbono são principalmente digeridos por amilases e enzimas da bordadura em escova. Os hidratos de carbono só podem ser absorvidos como monossacarídeos, pelo que estas enzimas decompõem grandes moléculas de amido até serem obtidos monossacarídeos únicos.

          Nota: Muitos hidratos de carbono dietéticos encontram-se sob a forma de amido, que é uma mistura de amilose e amilopectina (ambos são constituídos inteiramente por moléculas de glucose):

          • A amilose é uma cadeia linear de moléculas de glucose unidas a ligações α-1,4-glicosídicas.
          • A amilopectina inclui numerosos ramos formados por ligações α-1,6- glicosídicas.

          Amilases

          • Clivam ligações α-1,4-glicosídicas entre moléculas de açúcar
          • Criam cadeias de polissacarídeos cada vez mais pequenas até que a maioria das ligações α-1,4-glicosídicas sejam decompostas, resultando em:
            • Monossacarídeos
            • Dissacarídeos
            • Oligossacarídeos
            • Amidos indigestos (açúcares unidos por outros tipos de ligações)
          • Ativam na presença de um pH mais elevado:
            • Ativas na boca e no intestino delgado
            • Inativas no estômago
          • Tipos e localização da amilase:
            • Amilase salivar: secretada na boca, por glândulas salivares
            • Amilase pancreática: secretada no duodeno, pelo pâncreas exócrino
          Amylopectin is partially digested by amylase

          A amilopectina é parcialmente digerida pela amilase. As moléculas de amilopectina são cadeias de glucose, unidas por ligações glicosídicas α-1,4 (criam uma cadeia reta de moléculas de glucose) e ligações glicosídicas α-1,6 (criam um ramo fora da cadeia reta). A amilase quebra as ligações glicosídicas α-1,4.

          Imagem por Lecturio.

          Enzimas da bordadura em escova

          As enzimas de bordadura em escova são proteínas ligadas à membrana, na superfície luminal dos enterócitos, no intestino delgado. Existem 4 grandes enzimas da bordadura em escova envolvidas na digestão dos hidratos de carbono.

          • Isomaltase: cliva as ligações α-1,6-glicosídicas
          • Maltase:
            • Cliva a maltose → glicose + glicose
            • Cliva a maltotriose → glicose + glicose + glicose
          • Lactase: cliva a lactose → glicose + galactose
          • Sacarase:
            • Cliva a sacarose → glicose + frutose
            • Cliva outros oligossacarídeos pequenos

          Absorção de Hidratos de Carbono

          Após a digestão, os hidratos de carbono são absorvidos e transportados através da circulação sanguínea até à circulação portal. O transporte pode ser um mecanismo ativo, facilitado ou passivo.

          • O transporte ativo envolve o uso de enzimas transportadoras, que utilizam energia para movimentarem os hidratos de carbono através da membrana plasmática, mesmo contra o gradiente de concentração.
          • A difusão facilitada ocorre em níveis de concentração mais baixos com a ajuda adicional de enzimas transmembranares que não requerem energia.
          • A absorção passiva faz baixar os níveis de concentração dos açúcares sem assistência enzimática ou energia necessária; é o mecanismo mais lento.

          Os transportadores têm funções específicas e as suas funções podem ser ativas, facilitadas ou passivas.

          • Transportador de glucose tipo 1 (SGLT1, pela sigla em inglês):
            • Encontrado na membrana luminal dos enterócitos, no intestino delgado
            • Atua transportando glicose e galactose para o interior dos enterócitos
            • Depende de um gradiente de sódio gerado ativamente por uma ATPase Na+/K+
            • Transporta 2 iões sódio, 1 glucose ou galactose e água
          • Transportador de glucose 2 (GLUT2, pela sigla em inglês)
            • Encontrado nos rins, no fígado e no pâncreas e na membrana basolateral dos enterócitos do intestino delgado.
            • Transporta os 3 monossacarídeos primários (glucose, galactose e frutose) através de difusão facilitada
            • No que diz respeito à absorção: o GLUT2 transporta monossacarídeos para o exterior dos enterócitos e para o espaço intersticial.
            • A bidirecionalidade permite uma mudança de função dependendo das condições celulares.
          • GLUT5
            • Transporte de frutose através de difusões facilitadas

          A absorção passiva de glucose representa uma pequena parte da capacidade de absorção. A maior parte da absorção ocorre na 1.ª parte do intestino delgado (duodeno, jejuno).

          Ordem de eventos na absorção de monossacarídeos:

          1. Absorção para os enterócitos através da membrana apical:
            • Glucose e galactose: via SGLT1
            • Frutose: via GLUT5
          2. Libertação dos mesmos no espaço intersticial através do GLUT2, na membrana basolateral, através de difusão facilitada
          3. Absorção para os capilares a partir do espaço intersticial
          4. Os capilares drenam para as veias → veia portal → fígado para utilização no metabolismo
          Absorption monosaccharides

          Absorção de monossacarídeos através de enterócitos
          SGLT1: transportador ligado a glucose-sódio
          GLUT5: transportador de glicose 5
          GLUT2: transportador de glicose 2
          (pelas siglas em inglês)

          Imagem por Lecturio.

          Transporte de Monossacarídeos Dentro do Organismo

          Uma vez na circulação sanguínea, os monossacarídeos são transportados para diferentes células em todo o corpo e absorvidos pelas células periféricas, por vários transportadores diferentes. Vários transportadores de glicose importantes incluem:

          • GLUT4:
            • O transportador mais importante de absorção de glucose
            • Encontra-se expressa sobretudo no músculo esquelético e no tecido adiposo
            • Estimulado pela insulina para transportar glicose circulante para as células, para utilização e/ou armazenamento
          • SGLT2:
            • Localizado no túbulo contornado proximal (TCP) nos rins
            • Responsável por > 90% da reabsorção da glicose filtrada
          Tabela: Revisão dos transportadores
          Transportador Localização Função
          GLUT1 Maioria das células humanas: hemácias, SNC, córnea, placenta, tecido fetal…
          • Controla a absorção de glucose para o SNC através da barreira hemato-encefálica
          • Absorção basal de glucose em todas as células
          • Alta afinidade para a glicose
          GLUT2
          • Intestino delgado: membrana basolateral dos enterócitos
          • Fígado: hepatócitos
          • Células β dos ilhéus pancreáticos
          • Rim e intestino delgado
          • Transporta os monossacarídeos da membrana basolateral dos enterócitos para o sangue
          • Permite que os hepatócitos absorvam e libertem glucose para a glicólise e para a gluconeogénese
          GLUT3
          • Maioria das células humanas
          • SNC
          • Placenta
          • Transporta glucose através da barreira hemato-encefálica, mesmo em momentos de hipoglicemia relativa
          • Alta afinidade para a glicose
          GLUT4
          • Tecido adiposo
          • Tecido muscular
          • Regula a homeostasia da glicose
          • Estimulado pela insulina: captação e armazenamento controlado da glucose
          • Induzido pelo exercício físico
          GLUT5
          • Enterócitos
          • Espermatócitos
          • Transporta frutose
          SGLT1
          • Membrana apical dos enterócitos do intestino delgado
          • Absorção de glucose e galactose a partir do lúmen intestinal para os enterócitos
          SGLT2 Túbulo contornado proximal (TCP)
          • Proteínas de transporte de alta afinidade e baixa capacidade
          • Responsável por >90% da reabsorção de glucose

          Relevância Clínica

          • Intolerância à lactose: perturbação gastrointestinal de má absorção causada por deficiência de lactase, uma enzima da margem das vilosidades envolvida na digestão e absorção da lactose. A lactose é um dissacarídeo composto por glicose e galactose. Pacientes com intolerância à lactose apresentam dor abdominal, diarreia e flatulência após o consumo de produtos à base de lactose. O tratamento é a modificação alimentar ou suplementação com lactase em casos mais leves.
          • Galactosemia: doença autossómica recessiva que impede o processamento de galactose, devido ao défice em 1 de 3 enzimas chave, a mais comum sendo a galactose-1-fosfato uridiltransferase. A galactosemia é uma patologia grave que se apresenta cedo na vida dos lactentes, que sofrem de letargia, náuseas, vómitos, diarreia e icterícia. As manifestações tardias podem incluir sintomas do neurodesenvolvimento, cataratas, atraso no crescimento e insuficiência ovárica prematura. O tratamento passa pela reeducação alimentar.
          • Diabetes mellitus: doença metabólica causada por hiperglicemia crónica. A diabetes mellitus é devida a deficiência ou resistência à insulina. Os transportadores GLUT4 são insulinossensíveis e ajudam a promover o armazenamento de glicose em determinadas condições. Doentes com diabetes mellitus tipo 2 têm uma interrupção na resposta à insulina e, assim, a glicose acumula-se no sangue, causando hiperglicemia crónica. Os sintomas incluem frequência urinária, aumento da sede e aumento do apetite. As complicações graves da diabetes mellitus incluem cetoacidose diabética, doença cardiovascular, neuropatia e doença renal.

          Referências

          1. Berg, J. M., Tymoczko, J. L., Gatto, G. J., & Stryer, L. (2021). Biochemistry (9th ed.). W.H. Freeman and Company.
          2. Davidson, M. H., & Passmore, R. (2022). Human Nutrition and Dietetics (12th ed.). Churchill Livingstone.
          3. Gray, G. M. (1975). Carbohydrate digestion and absorption: Role of the small intestine. The New England Journal of Medicine, 292(23), 1225–1230. https://doi.org/10.1056/NEJM197506052922308​:contentReference[oaicite:4]{index=4}
          4. Hamza, I., Puy, H., & Bonkovsky, H. L. (2024). Update on heme biosynthesis, tissue-specific regulation, heme transport, relation to iron metabolism and cellular energy. Liver International, 44(9), 2235–2250.
          5. Murray, R. K., Bender, D. A., Botham, K. M., Kennelly, P. J., Rodwell, V. W., & Weil, P. A. (2022). Harper’s Illustrated Biochemistry (32nd ed.). McGraw-Hill Education.
          6. Slavin, J. L. (2013). Fiber and prebiotics: Mechanisms and health benefits. Nutrients, 5(4), 1417–1435. https://doi.org/10.3390/nu5041417
          7. Turner, J. R. (2011). Intestinal mucosal barrier function in health and disease. Nature Reviews Immunology, 9(11), 799–809. https://doi.org/10.1038/nri2653
          8. Wright, E. M., Loo, D. D. F., & Hirayama, B. A. (2011). Biology of human sodium glucose transporters. Physiological Reviews, 91(2), 733–794. https://doi.org/10.1152/physrev.00055.2009

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