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Dermatomiosite (DM)

A dermatomiosite (DM) é uma miopatia inflamatória autoimune. Embora a sua etiologia não seja clara, existem várias associações genéticas e ambientais. A dermatomiosite é frequente em mulheres por volta dos 50 anos. Os doentes apresentam fraqueza proximal e simétrica, manifestações cutâneas características e sintomas sistémicos. O diagnóstico baseia-se na apresentação clínica e estudo analítico, sendo confirmado com biópsia muscular. Os marcadores específicos da DM são anticorpos como o anti-Mi-2. O tratamento inclui glucocorticoides sistémicos, imunossupressores e fisioterapia. Todos os doentes devem ser submetidos a rastreio oncológico dado existir uma forte associação de DM com malignidade.

Última atualização: Apr 7, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Definição e Epidemiologia

Definição

A dermatomiosite (DM) é uma miopatia inflamatória idiopática e imunomediada que causa uma fraqueza muscular progressiva, proximal e simétrica, assim como manifestações cutâneas características.

A síndrome antissintetase é um subtipo de DM caracterizada pela presença de anticorpos antissintetase e por determinadas manifestações extramusculares.

Epidemiologia

  • Incidência: 0,5-8,4 casos por milhão
  • As mulheres são duas vezes mais suscetíveis.
  • A idade de apresentação tem uma distribuição bimodal:
    • 5–15 anos
    • 45–60 anos
  • O pico do início é por volta dos 50 anos.

Etiologia e Fisiopatologia

Etiologia

  • Não se conhece a etiologia exata
  • Fatores genéticos possíveis:
    • HLA-DR3
    • HLA-DR5
    • HLA-DR7
  • Precipitantes ambientais:
    • Infeções:
      • Vírus Coxsackie B
      • Enterovírus
      • Parvovírus
      • Vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 (HTLV-1, pela sigla em inglês)
      • Toxoplasma
      • Borrelia
    • Fármacos:
      • AINEs – Anti-inflamatórios não esteroides (diclofenac)
      • Antibióticos (penicilina e sulfonamidas)
      • Agentes antineoplásicos (hidroxiureia e ciclofosfamida)
      • Interferão
      • Fármacos anti-fator de necrose tumoral
      • Estatinas
    • Radiação ultravioleta (UV)
  • Condições de saúde predisponentes:
    • Hábitos tabágicos
    • Deficiência de vitamina D
    • Neoplasias malignas

Fisiopatologia

  • Nos músculos:
    • Ativação do complemento e produção de anticorpos → deposição de complexos imunes nos capilares e arteríolas do endomísio
    • Associação com infiltração do espaço perivascular e perimisial por linfócitos B, células dendríticas, macrófagos e células T CD4
    • Inflamação → destruição de capilares → microenfartes músculares → atrofia muscular e degeneração
      • Inicialmente observa-se atrofia perifascicular.
      • Mais tarde encontram-se fibras necróticas e degenerativas
  • Na pele:
    • A patogénese da DM é mal compreendida.
    • Provavelmente é semelhante ao envolvimento muscular
    • Resulta em:
      • Hiperqueratose e disqueratose (queratinização anormal das células da camada espinhal)
      • Alterações vacuolares na camada basal
      • ↑ Infiltrado linfocitário
      • Deposição de mucina

Apresentação Clínica

Manifestações músculo-esqueléticas

  • Fraqueza muscular
    • Envolve os músculos proximais:
      • Deltoide
      • Flexores da anca
      • Flexores do pescoço
    • Simétricas
    • Desenvolve-se durante semanas a meses
    • Situações nas quais é mais evidente:
      • Subir escadas
      • Escovar o cabelo
      • Colocar de pé a partir de uma posição sentada
  • Os músculos raramente são dolorosos.
  • Pode ocorrer atrofia muscular.
  • Artralgias ou artrite não erosiva: observadas na síndrome antissintetase

Manifestações cutâneas

  • Rash heliotrópico:
    • Característica patagnomónica
    • Eritema cutâneo em redor das pálpebras superiores
    • Edema periorbitário
  • Pápulas de Gottron:
    • Característica patagnomónica
    • Simétricas
    • Pápulas eritematosas
    • Localizadas na face dorsal das articulações metacarpofalângicas e interfalângicas
  • Eritema facial:
    • Padrão em “borboleta” que simula o eritema malar do lúpus.
    • Envolve os sulcos nasolabiais
  • Sinal de Gottron:
    • Máculas ou manchas eritematosas
    • Frequente nas superfícies extensoras (por exemplo, nas mãos, cotovelos, joelhos e tornozelos)
  • Poiquilodermia fotossensível
    • Hipo e hiperpigmentação
    • Ligeira atrofia da epiderme
    • Telangiectasias
    • Afeta os locais expostos à luz (incluindo o couro cabeludo):
      • Sinal do xaile: envolve a parte superior das costas, o pescoço posterior e ombros.
      • Sinal em V: envolve a parte superior do peito, o pescoço anterior e os ombros.
      • Sinal de coldre: envolve as regiões laterais das coxas
  • Alterações nas unhas:
    • Capilares dilatados nas pregas ungueais proximais
    • Eritema periungueal
    • Hipertrofia das cutículas
  • Calcinose cutânea (comum em crianças): deposição de cálcio na pele
  • “Mãos de mecânico”:
    • Hiperqueratoses na extermidade palmar e faces laterais dos dedos
    • Associação com a síndrome antissintetase

Manifestações sistémicas

  • Gerais:
    • Fadiga
    • Febre
    • Perda ponderal
    • Fenómeno de Raynaud
  • Respiratórias:
    • Doença pulmonar intersticial:
      • Tosse seca
      • Dispneia
      • Crepitações bilaterais
      • Presente na síndrome antissintetase
    • Fraqueza muscular diafragmática e da parede torácica:
      • Insuficiência respiratória
  • Gastrointestinais:
    • Envolvimento dos músculos da faringe e esófago:
      • Disfagia
      • Disfonia
      • Refluxo gastroesofágico
    • Gastrite e úlceras gástricas (mais comuns em crianças)
  • Cardiovasculares:
    • Distúrbios da condução aurículo-ventricular
    • Miocardite
    • Cardiomiopatia dilatada

Diagnóstico

Diagnóstico

  • Estudo analítico inicial:
    • Hemograma:
      • Leucocitose
      • Trombocitose
    • Marcadores inflamatórios
      • ↑ Velocidade de sedimentação (VS)
      • ↑ PCR
    • Enzimas musculares (utilizadas para monitorizar a resposta ao tratamento)
      • ↑ CK
      • ↑ Aldolase
      • ↑ AST e ALT
      • ↑ LDH
    • ANA positivo
      • Não específico e não diagnóstico
  • Seguimento com o doseamento de anticorpos específicos para miosite:
    • Anticorpos anti-Jo-1
      • Anticorpo anti-histidil tRNA sintetase
      • Presente na síndrome antissintetase
      • Ocorre em 20%‒30% dos doentes
    • Anticorpos anti-Mi-2
      • Observado em 10% dos doentes
      • Altamente específico mas pouco sensível
    • Anticorpos anti-proteinas de reconhecimento de sinal (anti-SRP, pela sigla em inglês)
      • Específico para miopatias inflamatórias
      • Associado a miosite grave
  • Caso o diagnóstico não seja claro, devido a achados inespecíficos ou atípicos, devem ser realizados estudos adicionais:
    • Eletromiografia (EMG)
      • Consiste no estudo da condução nervosa. Inclui a estimulação nervosa repetitiva e o exame dos músculos com agulha.
      • Alterado em 90% dos casos de DM
      • Pode apoiar o diagnóstico mas não é diagnóstico
    • Biópsia muscular e histopatologia
      • Exame com maior precisão para confirmar o diagnóstico
      • Achados: lesão capilar, atrofia e fibrose perifascicular e infiltrado de células inflamatórias.

Avaliação das manifestações sistémicas

  • Doença pulmonar intersticial:
    • Radiografia do tórax
    • Estudos da função pulmonar
  • Disfagia:
    • Estudo com deglutição de bário
    • Manometria esofágica
  • Distúrbios de condução: ECG- Eletrocardiograma
  • Miocardite ou cardiomiopatia: ecocardiografia

Rastreio oncológico

  • Os doentes diagnosticados com DM devem ser avaliados para a presença de possível neoplasia.
  • O rastreio é baseado na idade e sexo do doente.
  • Rastreio inicial:
    • Mamografia
    • Citologia cervical
    • Colonoscopia
    • TAC toraco-abdomino-pélvico
  • Estudos adicionais com base nos fatores de risco, sintomas ou resultados anormais do rastreio inicial:
    • Antigénio cancerígeno 125 (CA 125, pela sigla em Inglês)
    • Ecografia transvaginal (para mulheres com alto risco de neoplasia dos ovários)
    • Endoscopia digestiva alta (para neoplasia do esófago)
    • Ressonância Magnética (RM)
    • Tomografia por emissão de positrões (PET, pela sigla em inglês)

Tratamento

O tratamento da DM é dirigido à recuperação da força muscular e diminuição da inflamação.

  • Consulta de Reumatologia
  • Tratamento médico:
    • Glucocorticoides sistémicos (tratamento de 1ª linha):
      • Normalmente, o tratamento é necessário durante 9 – 12 meses.
      • O desmame é feito lentamente
      • Para avaliar a resposta ao tratamento monitorizam-se os níveis das enzimas musculares.
    • Imunossupressores:
      • Metotrexato e azatioprina
      • Permitem reduzir a necessidade do uso de esteroides e o risco de complicações associadas ao tratamento
    • Imunoglobulina intravenosa (IVIG, pela sigla em inglês):
      • Usada em doentes com fraqueza muscular grave comprometedora de vida (por exemplo, disfagia grave ou insuficiência respiratória)
      • Promove um início de ação mais rápido do que os esteroides
    • Para a doença recorrente ou refratária:
      • Rituximab
      • Micofenolato mofetil
      • Tacrolimus
  • Fisioterapia para manter e melhorar a função muscular
  • Tratamento das manifestações cutâneas:
    • Uso de roupas protetoras e protetor solar
    • Evitar exposição à luz solar e a radiação UV (solários)
  • Tratamento da disfagia:
    • Terapia da fala
    • Elevar a cabeceira da cama
    • Modificação da dieta
    • Alimentação entérica para os doentes com disfagia grave
  • Profilaxia (durante a corticoterapia de longa duração):
    • Osteoporose:
      • Suplementação de cálcio e vitamina D
      • Bisfosfonatos em doentes de alto risco ou com osteoporose
    • Pneumocystis jirovecii: sulfametoxazol-trimetoprima
    • Vacinação apropriada

Complicações e Prognóstico

Complicações

  • Envolvimento cardíaco (50% dos doentes):
    • Distúrbios de condução → arritmia
    • Miocardite ou cardiomiopatia dilatada → insuficiência cardíaca
    • ↑ Risco de enfarte do miocárdio
  • Complicações respiratórias:
    • Doença pulmonar intersticial (30% dos doentes) → hipertensão pulmonar e cor pulmonale
    • Pneumonia de aspiração devido à disfagia
  • Neoplasia maligna (25% dos doentes):
    • Os doentes com DM têm risco significativamente ↑ (5–7 vezes)
    • Frequentemente no 1º ano após o diagnóstico de DM
    • Mais comuns: pulmão, mama, ovário, estômago, pâncreas, próstata, bexiga, colorretal e linfoma não Hodgkin
  • Efeitos adversos do tratamento médico:
    • Tratamento com corticosteroides:
      • Osteoporose e fraturas de compressão
      • Insulinorresistencia→ diabetes mellitus
      • Hipertensão arterial
      • Dislipidemia
      • Ganho ponderal
      • Atraso no crescimento das crianças
      • Miopatia induzida por esteroides
    • Tratamento imunossupressor:
      • Infeções oportunistas
      • Infeções do trato respiratório superior e pneumonia
      • Infeções cutâneas
      • Bacteremia e sépsis

Prognóstico

  • Recorrência:
    • Verifica-se na maioria dos doentes
    • Pode ocorrer em qualquer momento
  • Cerca de 25% dos doentes têm fraqueza muscular persistente ou incapacidade.
  • Mortalidade:
    • A taxa de sobrevivência em 5 anos é de 75%.
    • A mortalidade é maior em doentes com mais de 65 anos
    • Frequentemente secundária a:
      • Insuficiência cardíaca
      • Doença pulmonar intersticial
      • Infeções (oportunistas ou não oportunistas)
      • Neoplasias malignas

Diagnóstico Diferencial

  • Polimiosite: miopatia inflamatória autoimune mediada por células T. Os doentes apresentam sintomas semelhantes à DM expeto as manifestações cutâneas características. O diagnóstico baseia-se na apresentação clínica e doseamento dos anticorpos e pode ser confirmado com biópsia. O tratamento inclui glucocorticoides sistémicos e fármacos imunossupressores. Deve ser feito o rastreio de neoplasias malignas.
  • Miosite por corpos de inclusão: miopatia inflamatória caracterizada por fraqueza muscular lentamente progressiva. No entanto, a fraqueza é assimétrica e envolve os músculos distais, especialmente os das mãos. O exame objetivo revela atrofia muscular significativa e ausência de lesões cutâneas. O diagnóstico é confirmado pela biópsia que mostra corpos de inclusão no tecido muscular. A miosite por corpos de inclusão é refratária aos glucocorticoides, pelo que deve ser excluída nos casos de DM refratária.
  • Hipotiroidismo: deficiência das hormonas tireoideias causada por distúrbios da tiroide, hipotálamo ou hipófise. A fraqueza muscular proximal é uma queixa comum. Os doentes normalmente apresentam muitas outras manifestações sistémicas, incluindo intolerância ao frio, alterações neuropsiquiátricas, pele seca, obstipação e bradicardia. O estudo analítico da função tiroideia pode fazer o diagnóstico. O tratamento consiste na reposição das hormonas tiroideias.
  • Miastenia gravis: doença caracterizada por episódios de fraqueza muscular fatigável como consequência da presença de autoanticorpos contra os recetores de acetilcolina (AChR, pela sigla em inglês). A miastenia gravis é induzida pela atividade e normalmente afeta os músculos bulbares e oculares. Não existem manifestações cutâneas. O diagnóstico é baseado no doseamento de anticorpos AChR, EMG e teste com edrofónio. O tratamento inclui inibidores da acetilcolilesterase, imunossupressores, esteroides e IVIG.
  • Síndrome de Cushing: distúrbio endócrino caracterizado pela exposição crónica a corticosteroides exógenos ou endógenos. Os doentes com síndrome de Cushing podem apresentar fraqueza muscular proximal devido à atrofia dos glúteos e músculos da coxa. Adicionalmente, podem apresentar a obesidade truncal característica, face em lua e hematomas fáceis. O diagnóstico baseia-se na história clínica e nos estudos do cortisol. O tratamento depende da causa subjacente.
  • Lúpus eritematoso sistémico: doença autoimune multisistémica que ocorre predominantemente em mulheres jovens. O eritema malar clássico é semelhante ao da DM expeto pelo facto de poupar as pregas nasolabiais. Associadamente os doentes podem apresentar artrite, fenómeno de Raynaud, pleurite, doença renal e sintomas neuropsiquiátricos. O diagnóstico requer o cumprimento dos critérios clínicos e serológicos. O tratamento é feito com corticosteroides e imunossupressores.
  • Polimialgia reumática: doença inflamatória que afeta adultos com > 55 anos. Os doentes apresentam dor e rigidez nos grupos musculares proximais. Não há fraqueza muscular ou atrofia. O diagnóstico é clínico e baseado na elevação dos marcadores inflamatórios. O tratamento inclui corticosteroides. Os doentes devem ser avaliados para a presença de arterite temporal.

Referências

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