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Coxiella/Febre Q

A febre Q é uma infeção bacteriana zoonótica causada por Coxiella burnetii. A transmissão ocorre sobretudo através da inalação de aerossóis contaminados e exposição a produtos de animais infetados. A apresentação clínica é variável, frequentemente na forma de doença ligeira com sintomas semelhantes aos da gripe. Outras manifestações incluem pneumonia, hepatite, endocardite e meningite assética. A doença pode evoluir para crónica  numa pequena percentagem de pacientes. O diagnóstico baseia-se numa elevada suspeita clínica associada a testes serológicos e PCR. A antibioterapia é a base do tratamento.

Última atualização: May 17, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Características Gerais da Coxiella

Características gerais da Coxiella

  • Microorganismo Gram-negativo
  • Bastonete pleomórfico
  • Intracelular obrigatório
  • Aeróbio
  • Anteriormente designada como Rickettsia
  • Classificada como Gammaproteobacteria

Espécies clinicamente relevantes

A espécie Coxiella burnetii causa a febre Q.

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Epidemiologia e Patogénese

Epidemiologia

  • Distribuição geográfica:
    • Identificada em todo o mundo, exceto na Nova Zelândia
    • Nos Estados Unidos, apresenta uma maior incidência no Centro-Oeste e na Califórnia.
    • Mais comum em áreas rurais
  • Mais comum em homens do que em mulheres
  • Mais comum em adultos do que em crianças
  • Maior incidência na primavera e no verão

Reservatório

  • Carraças (reservatório principal)
  • Mamíferos (incluindo animais de fazenda e animais de estimação)
  • Aves

Vias de transmissão

  • Inalação de aerossóis
  • Consumo de leite/produtos lácteos não pasteurizados contaminados
  • Inoculação intradérmica
  • Transfusões sanguíneas
  • Transplacentária (materno-fetal)

Fatores de risco do hospedeiro

  • Contacto com animais de fazenda:
    • Agricultores
    • Trabalhadores de matadouros
    • Veterinários
    • Pastores
  • Indivíduos que vivem perto de fazendas
  • Trabalhadores de laboratório

Fatores de virulência

Variação de fase antigénica:

  • Fase I:
    • Altamente infecioso
    • Contém lipopolissacarídeos lisos (LPS)
    • Confere proteção contra os mecanismos de defesa do hospedeiro
  • Fase II:
    • Não infecioso
    • Contém LPS ásperos (ausência de açúcares do antigénio O terminal)

Variantes morfológicas:

  • Variante de pequenas células:
    • Aparência semelhante a esporos
    • Metabolicamente inativa
    • Resistente ao stress ambiental:
      • Calor
      • Dessecação
      • Produtos químicos
      • Pressão
  • Variante de grandes células:
    • Metabolicamente ativa
    • Capaz de se replicar em fagolisossomos

Mecanismos de escape à morte intracelular:

  • Inibição da fusão da catepsina
  • Produção de superóxido dismutase

Fisiopatologia

  • O microorganismo é frequentemente inalado (variante de células perquenas persistente em fómitos) → fagocitado por macrófagos alveolares
  • Acidificação no fagolisossoma → transformação de C. burnetii para o seu estado metabolicamente ativo (variante de grandes células)
  • Replicação dentro do fagolisossoma → rotura da célula hospedeira → os microorganismos propagam-se, sobretudo para o sistema reticuloendotelial (fígado, baço e medula óssea)
  • A resposta imune resulta em granulomas não necrosantes.
  • Pode ocorrer produção de autoanticorpos.

Apresentação Clínica

Os pacientes podem apresentar uma ampla variedade de sintomas que variam em gravidade de doença assintomática a grave.

Febre Q aguda

O período de incubação para infecção aguda é de aproximadamente 20 dias. Os pacientes podem apresentar qualquer uma das seguintes condições:

  • Doença assintomática
  • Doença semelhante à gripe (duração de 1 a 3 semanas):
    • Início abrupto de febre elevada
    • Fadiga
    • Cefaleia com fotofobia associada
    • Mialgias
    • Anorexia
  • Pneumonia (duração de 10 a 90 dias):
    • Febre
    • Tosse não produtiva
    • Dispneia
    • Dor torácica pleurítica
  • Hepatite (granulomatosa):
    • Febre
    • Hepatomegalia
    • Dor abdominal QSD
    • Náuseas e vómitos
    • Diarreia
    • Elevação das transaminases
  • Envolvimento cardíaco:
    • Endocardite aguda (autoimune)
    • Pericardite
    • Miocardite
  • Envolvimento neurológico:
    • Meningite assética
    • Encefalite
    • Neuropatia periférica

Febre Q crónica

A infeção crónica pode manifestar-se meses ou anos após uma infeção aguda.

  • Endocardite (culturas negativas) é a manifestação crónica mais comum:
    • Febre baixa
    • Suores noturnos
    • Fadiga
    • Dispneia
    • Tromboembolismo sético
    • Insuficiência cardíaca
  • Derrame pericárdico
  • Hepatite crónica
  • Osteomielite
  • Artrite sética
  • Mononeurite
  • Fibrose intersticial
  • Pseudotumores
  • Glomerulonefrite

Complicações

A febre Q na gravidez está associada a:

  • Aborto espontâneo
  • Restrição de crescimento fetal intrauterino
  • Prematuridade

Diagnóstico

A apresentação clínica da febre Q é inespecífica; portanto, o diagnóstico depende de um alto índice de suspeição, baseado nos fatores de risco do paciente.

Avaliação laboratorial

Exames de diagnóstico:

  • Imunofluorescência indireta para IgG e IgM (alta sensibilidade e especificidade)
  • PCR para detetar o ADN de C. burnetii
  • Culturas:
    • Não cresce em culturas de rotina
    • Requer cuidados especiais de biossegurança devido à sua infecciosidade

Dados de suporte:

  • Contagem normal de leucócitos (90% dos casos)
  • Trombocitopenia
  • ↑ ALT e AST → hepatite
  • Autoanticorpos associados:
    • Anticorpos antifosfolipídeos
    • Anticoagulante lúpico
  • Biópsia hepática → alterações granulomatosas

Imagiologia

  • Radiografia do tórax: consolidação, derrame pleural → pneumonia
  • Ecocardiograma: vegetação numa válvula cardíaca → endocardite
  • Ecografia: hepatomegalia → hepatite granulomatosa

Tratamento e Prevenção

Tratamento

A antibioticoterapia inclui:

  • Doxiciclina (1ª linha)
  • Trimetoprim-sulfametoxazol
    • Fármaco de eleição em grávidas
    • Dado até ao fim do 7.º mês (evicção de riscos perinatais perto do parto)
    • Tomado com ácido fólico durante o primeiro trimestre
  • Claritromicina
  • Fluoroquinolonas
  • A hidroxicloroquina pode ser adicionada à doxiciclina em pacientes com:
    • Envolvimento cardiovascular
      • Endocardite: 18 meses
      • Infeção vascular (por exemplo, enxerto vascular): 24 meses
    • Febre Q crónica

Prevenção

  • Vacinas humanas:
    • Recomendadas nos indivíduos com risco ocupacional
    • Contraindicadas em indivíduos previamente expostos
  • Vacinas animais para reduzir a excreção bacteriana
  • Descarga adequada da placenta e produtos do parto
  • Evitar produtos lácteos não pasteurizados
  • Testar os animais por rotina
  • Colocar os animais importados de quarentena

Comparação entre Bactérias Pertencentes à Classe Gammaproteobacteria

Tabela: Comparação de espécies e doenças bacterianas semelhantes
Microorganismo Coxiella burnetii Legionella pneumophila Francisella tularensis
Características
  • Gram negativo
  • Pleomórfico
  • Aeróbio
  • Aparência semelhante a esporos
  • Gram negativo
  • Pleomórfico
  • Aeróbio
  • Microorganismo não formador de esporos
  • Flagelado
  • Gram negativo
  • Pleomórfico
  • Aeróbio
  • Microorganismo não formador de esporos
Reservatório
  • Carraças
  • Mamíferos
  • Aves
Aquático
  • Carrapatos
  • Mamíferos
  • Aves
Transmissão
  • Inalação de aerossóis
  • Contacto com produtos animais contaminados
  • Inalação de aerossóis
  • Aspiração
  • Através de carraças
  • Contacto com produtos de animais contaminados
  • Inalação de aerossóis
Apresentação clínica Febre Q
  • Doença dos legionários
  • Febre de Pontiac
Tularemia
Diagnóstico
  • Serologia
  • PCR – reação em cadeia da polimerase
  • Antigénio urinário
  • PCR – reação em cadeia da polimerase
  • Cultura
  • Cultura
  • Serologia
  • PCR – reação em cadeia da polimerase
Tratamento Doxiciclina
  • Fluoroquinolonas
  • Macrólidos
Estreptomicina

Diagnósticos Diferenciais

  • Doença de Lyme: infeção causada por Borrelia burgdorferi, transmitida pela carraça Ixodes. A apresentação depende do estadio da doença e pode incluir uma erupção cutânea característica, o eritema migratório. A erupção cutânea geralmente não faz parte da apresentação da febre Q. Em estadios mais avançados as manifestações neurológicas, cardíacas, oculares e articulares também são comuns. O diagnóstico baseia-se em achados clínicos e na história de exposição à carraça, apoiado por testes serológicos. A antibioterapia com doxiciclina e ceftriaxone é a base do tratamento.
  • Febre maculosa das Montanhas Rochosas: doença transmitida por carraças, causada pela espécie Rickettsia rickettsii. Os pacientes apresentam uma tríade clássica de febre, cefaleia e erupção cutânea. A erupção geralmente não faz parte da apresentação da febre Q. Outros sintomas incluem mal-estar, desconforto GI e sintomas neurológicos como confusão, letargia e estupor. O diagnóstico é estabelecido com base nos achados clínicos, biópsia da erupção cutânea e testes serológicos. O tratamento envolve antibioterapia com doxiciclina.
  • Erliquiose e anaplasmose: infeções causadas por Ehrlichia chaffeensis e Anaplasma phagocytophilum, respetivamente, ambas transmitidas por carraças. O quadro clínico é caracterizado por febre, cefaleia e mal-estar. A presença de erupção cutânea é pouco frequente, mas podem ocorrer erupções cutâneas petequiais ou maculopapulares. O diagnóstico é obtido por PCR, que permite diferenciar estas doenças da febre Q. O tratamento de ambas as doenças é feito com doxiciclina.
  • Babesiose: infeção por Babesia, transmitida por carraças. Os pacientes podem ser assintomáticos ou desenvolver febre, fadiga, mal-estar e artralgias. Os pacientes asplénicos, imunodeprimidos e idosos apresentam maior risco de desenvolver doença grave, como anemia hemolítica, trombocitopenia, hepatoesplenomegalia, insuficiência renal e morte. O diagnóstico é confirmado com esfregaço de sangue periférico, teste serológico e PCR. O tratamento envolve antibioterapia com atovaquona associada a azitromicina.
  • Brucelose: infeção zoonótica causada por várias espécies de Brucella, transmitida maioritariamente por ingestão ou contacto direto com produtos animais infetados. As manifestações clínicas incluem febre, artralgias, mal-estar, linfadenopatia e hepatoesplenomegalia. O diagnóstico é estabelecido pela história clínica, serologias e cultura. A brucelose pode ser diferenciada da febre Q pelo teste serológico. O tratamento envolve um esquema de associação de antibióticos com doxiciclina, rifampicina e aminoglicosídeos.
  • Mononucleose infeciosa: doença causada pelo vírus Epstein-Barr, que se caracteriza por febre, fadiga, linfadenopatia e faringite. O diagnóstico é baseado nas características clínicas e nos testes de pesquisa de anticorpos heterófilos ou serológico. A apresentação clínica e a serologia ajudam a diferenciar a mononucleose da febre Q. O tratamento é de suporte.
  • Hepatite viral: inflamação do fígado causada pelo vírus da hepatite. Os pacientes podem apresentar um quadro prodrómico viral caracterizado por febre, anorexia e náuseas. Dor abdominal no quadrante superior direito, icterícia e elevação das transaminases também podem estar presentes na apresentação. O diagnóstico é estabelecido por teste serológico, que ajuda a diferenciar a hepatite vírica da febre Q. O tratamento da hepatite aguda é de suporte.

Referências

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  4. Hartzell, J.D., Wood-Morris, R.N., Martinez, L.J., Trotta, R.F. (2008). Q fever: Epidemiology, diagnosis, and treatment. Mayo Clin Proc. https://reference.medscape.com/medline/abstract/18452690
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