Contexto
Casos marcantes nos Estados Unidos
Nos Estados Unidos, 4 decisões judiciais (“casos de referência”) no início do século 20 lançaram as bases para o princípio da autonomia do doente no planeamento de procedimentos médicos diagnósticos e/ou terapêuticos:
1905: Mohr v Williams: O médico acusado mudou o plano original da cirurgia depois do doente ser anestesiado.
1905: Pratt v Davis: O médico realizou uma histerectomia sem o consentimento da doente, alegando que esta não era competente pela sua história de epilepsia.
1913: Rolater vs Strain: O cirurgião removeu um osso do pé de um doente, durante a incisão e drenagem de uma infeção, apesar das instruções explícitas do mesmo para não o remover.
1914: Schloendorff v Society of New York Hospital: A doente consentiu que fosse realizada uma cirurgia exploratória, mas declarou o seu desejo de não realizar uma histerectomia para remoção de um tumor fibróide sem seu consentimento. O juiz da Suprema Corte de Nova York, Benjamin Cardozo, escreveu: “Todo ser humano de idade adulta e mente sã tem o direito de determinar o que deve ser feito com seu próprio corpo; e um cirurgião que conduz uma operação sem o consentimento do seu doente comete uma agressão, pela qual é responsável pelos danos”.
Outros casos
1947: O Código de Nuremberg, relativo ao consentimento informado em estudos de investigação que envolvem seres humanos:
- Este código foi formulado pelo Tribunal Militar Internacional durante a investigação de crimes de guerra nazis no final da Segunda Guerra Mundial, num julgamento de 23 médicos e burocratas acusados de crimes contra a humanidade e crimes de guerra por experiências médicas realizadas em prisioneiros de campos de concentração.
- Consiste em 10 regras básicas para a condução de investigação em humanos
- Representa a primeira tentativa explícita de regular a conduta ética de experiências e investigações em seres humanos
- Coloca ênfase no consentimento voluntário e que a pessoa “deve ter conhecimento e compreensão suficientes dos elementos do assunto envolvido, de modo a permitir-lhe tomar uma decisão compreensiva e esclarecida”.
1957: Nos Estados Unidos, a primeira vez que o princípio do “consentimento informado” foi nomeado e se tornou juridicamente vinculativo:
- No caso de Salgo v Leland Stanford Jr. University Board of Trustees
- O querelante, Sr. Martin Salgo, tinha arteriosclerose da aorta. Foi injetado um agente de contraste na sua aorta para identificar bloqueios, mas o procedimento resultou em paralisia permanente dos membros inferiores.
- O Sr. Salgo processou o centro médico da universidade e o seu cirurgião-chefe por ausência de divulgação desse potencial risco.
- A decisão judicial foi a primeira a identificar a necessidade de informar o doente sobre os potenciais benefícios e riscos de qualquer procedimento médico.
1964: Declaração de Helsínquia adotada pela World Medical Association (adenda final em 2013):
- Uma declaração de princípios éticos para a investigação médica que envolve seres humanos, incluindo pesquisa em material e dados humanos identificáveis.
1966: Henry Beecher, especialista em ética médica e anestesista nos Estados Unidos:
- Publicou um artigo no New England Journal of Medicine, “Ethics and Clinical Research”, sobre experimentação médica antiética nos Estados Unidos
- Esta publicação foi fundamental para a implementação das regras federais dos EUA sobre a investigação em humanos e a regulamentação do CI
1972: “Tuskegee Study of Untreated Syphilis in the Negro Male”
- O estudo começou em 1932, mas os participantes não foram tratados, mesmo depois de a penicilina se tornar o tratamento de eleição em meados da década de 1940
- Provocou descontentamente público, levando a:
- Gasto de $10 milhões num acordo extrajudicial de uma ação coletiva, em nome dos participantes do estudo, em 1974
- Criação do National Research Service Award Act em 1974
- A National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research em 1974
- O Relatório Belmont em 1979, que especifica 3 conceitos críticos para o processo do consentimento informado em investigação: informação, compreensão e voluntariedade
1981 (revisto em 2018): The Common Rule (A Regra Comum) Code of Federal Regulations (CFR) 28 Parte 46, subparte A):
- Chamada de “The Common Rule” porque foi adotada por 17 departamentos e agências federais
- Um diretiva ética nos Estados Unidos, baseada no Relatório Belmont e na Declaração de Helsínquia, acerca da investigação biomédica e comportamental envolvendo seres humanos
- The Common Rule regula os conselhos de revisão institucional para supervisão da investigação em humanos.
- A última revisão expressa preocupação com os CIs que são muito longos e complicados, interferindo na compreensão: “O consentimento informado deve começar com uma apresentação concisa e focada nas principais informações que provavelmente ajudarão, um possível sujeito ou representante legalmente autorizado, a entender os motivos pelos quais alguém pode ou não querer participar na investigação. Esta parte do consentimento informado deve ser organizada e apresentada de forma a facilitar a compreensão.”
- O preâmbulo da The Common Rule revista sugere que os 5 elementos a seguir sejam incluídos no resumo das informações principais:
- Uma declaração de que o projeto é uma investigação e que a participação é voluntária
- Um resumo da investigação, incluindo:
- Propósito
- Duração
- Lista de procedimentos
- Riscos ou desconfortos razoáveis e previsíveis
- Benefícios razoáveis e esperados
- Procedimentos alternativos ou curso de tratamento, se existir
2000: O Office for Human Research Protections (OHRP) foi estabelecido no Gabinete do Secretário Adjunto da Saúde:
- O Department of Health and Human Services (HHS) forma o National Human Research Protections Advisory Committee (NHRPAC), substituído pelo Secretary’s Advisory Committee on Human Research Protections (SACHRP) para aconselhar o HHS sobre a proteção de seres humanos
2005: Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (Artigo 6, Conferência Geral da UNESCO):
- “Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só poderá ser realizada com o consentimento prévio, livre e informado do interessado, com base em informações adequadas. O consentimento deve, quando apropriado, ser expresso e pode ser retirado pelo interessado a qualquer momento e por qualquer motivo, sem prejuízo ou desvantagem.”
- “A pesquisa científica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre, expresso e informado do interessado. A informação deve ser adequada, fornecida de forma compreensível e deve incluir as modalidades de suspensão do consentimento. O consentimento pode ser retirado pelo interessado a qualquer momento e por qualquer motivo, sem qualquer desvantagem ou prejuízo. Exceções a este princípio devem ser feitas somente de acordo com os padrões éticos e legais adotados pelos Estados, consistentes com os princípios e disposições estabelecidos nesta Declaração, em particular no artigo 27, e no direito internacional dos direitos humanos.”
- “Em casos apropriados, de investigação realizada num grupo de pessoas ou numa comunidade, pode-se procurar o acordo adicional dos representantes legais do grupo ou comunidade em questão. Em nenhum caso um acordo coletivo comunitário ou o consentimento de um líder comunitário ou outra autoridade deve substituir o consentimento informado de um indivíduo”.