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Colite Ulcerosa

A colite ulcerosa (CU) é uma condição inflamatória idiopática que envolve a superfície da mucosa do cólon. É um tipo de doença inflamatória intestinal (DII), assim como a doença de Crohn (DC). O reto está sempre envolvido e a inflamação pode estender-se proximalmente através do cólon. A colite ulcerosa causa friabilidade difusa, erosões com sangramento e perda de haustras, que são visíveis na endoscopia. Os doentes, geralmente, apresentam diarreia sanguinolenta, dor abdominal em cólica, tenesmo e urgência fecal. O diagnóstico é estabelecido por endoscopia com biópsia e pela exclusão de outras causas de diarreia sanguinolenta. O tratamento é feito principalmente com mesalazina tópica, 6-mercaptopurina ou colectomia em casos graves. As complicações incluem colite fulminante, megacólon tóxico, perfuração intestinal e aumento do risco de cancro colorretal.

Última atualização: Jan 17, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Epidemiologia e Fisiopatologia

Epidemiologia

  • Incidência: distribuição bimodal
    • 15-35 anos (média ligeiramente superior à da doença de Crohn [DC])
    • Um pico menor ocorre entre os 50 e os 70 anos de idade
  • Homens > Mulheres
  • O risco de doença é menor em fumadores.
  • Mais comum entre leucodérmicos e judeus da Europa Oriental (Ashkenazi)
  • Incidência: 9-20 casos por 100.000 pessoas por ano

Fatores de risco

Um risco aumentado de desenvolver colite ulcerosa (CU) pode estar associado ao seguinte:

  • Genética: HLA-B27 (codifica genes para o complexo principal de histocompatibilidade [MHC, pela sigla em inglês])
  • História familiar de doença inflamatória intestinal (DII)
    • A taxa de concordância entre gémeos é de 10%15%
    • Familiares de primeiro grau têm um risco 4 vezes maior de desenvolver CU.
  • Aumento da ingestão de gordura na dieta
  • Uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)
  • O stress psicológico e as infeções intestinais podem desencadear o aparecimento da doença.

Fisiopatologia

A fisiopatologia exata é desconhecida, mas provavelmente está associada a uma combinação de desregulação do epitélio intestinal e do sistema imunológico.

  1. Defeitos na lâmina própria e na barreira epitelial do trato gastrointestinal (GI) permitem que mais agentes patogénicos penetrem → recrutamento e ativação de células citotóxicas
  2. Além disso, acredita-se que os pANCA (anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos perinucleares) reconhecem bactérias não patogénicas e as células epiteliais como agentes patogénicos.
  3. Libertação excessiva de citocinas pró-inflamatórias, especialmente de células Th2, que parecem ter como alvo células epiteliais → inflamação intestinal
  4. Causa dano no epitélio intestinal, incluindo ulcerações, erosões e necrose

A inflamação envolve invariavelmente o reto e pode estender-se proximalmente através do cólon de forma contínua.

  • As lesões irregulares não são vistas.
  • O intestino delgado não é afetado, exceto em casos graves de pancolite.
  • Pancolite: afeta todo o cólon
  • Proctite ulcerosa ou proctossigmoidite ulcerosa: efeitos limitados ao reto ou retossigmoide

Apresentação Clínica

A apresentação típica da CU é uma doença recorrente que inclui o seguinte:

  • Manifestações gastrointestinais:
    • Diarreia sanguinolenta que dura semanas a meses (com ou sem muco)
    • Urgência e/ou incontinência fecal
    • Tenesmo
    • Dor abdominal inferior em cólica que é temporariamente aliviada pela defecação
  • Manifestações gerais:
    • Sinais de anemia: fadiga, palidez, dispneia, palpitações
    • Perda de peso
    • Febre baixa
  • Manifestações extraintestinais (em geral, menos comuns que na DC):
    • Colangite esclerosante primária (muito mais comum na CU do que na DC)
    • Pioderma gangrenoso: pápulas vermelhas dolorosas rapidamente progressivas → pústulas → úlceras profundas com necrose central
    • Eritema nodoso: nódulos vermelhos e dolorosos que geralmente aparecem nas canelas
    • Inflamação ocular (episclerite, uveíte)
    • Ulcerações orais (estomatite aftosa)
    • Artrite periférica, espondilite anquilosante ou osteoporose
    • Úlceras aftosas
    • Trombose venosa profunda e/ou embolia pulmonar
Tabela: Índice de gravidade de Truelove e Witts para a colite ulcerosa
A colite ulcerosa é classificada com base na gravidade.
Características Ligeira Moderada Grave
Frequência de fezes por dia < 4 4–6 > 6
Sintomas
  • Sangue visível
  • De forma intermitente
  • Cólicas ligeiras
  • Ligeiros a moderados
  • Frequentemente
  • Sangue visível
  • Continuamente
  • Cólicas severas
Toxicidade sistémica Achados normais:
  • FC < 90
  • Apirexia
  • Hb > 11,5 g/dL
Alterações laboratoriais:
  • FC < 90
  • Apirexia
  • Anemia (Hb 10,5 g/dL–11,5 g/dL)
Alterações laboratoriais:
  • FC > 90
  • Febre
  • Anemia (Hb < 10,5 g/dL)
  • +/- Perda de peso rápida
Velocidade de sedimentação eritrocitária (ESR, pela sigla em inglês) < 20 20-30 > 30

Diagnóstico

Análises laboratoriais:

  • O hemograma completo mostrará anemia, leucocitose e trombocitose (ocasionalmente).
  • Painel metabólico completo para verificar se a diarreia crónica causou desequilíbrios eletrolíticos
  • ↑ VS

Análise de fezes: pode ser usada para excluir outras causas de diarreia inflamatória (e.g., infeção)

Imagens abdominais:

  • Raio-X, tomografia computadorizada (TAC) e/ou ressonância magnética (RMN):
    • Achados inespecíficos: espessamento da parede intestinal, dilatação do cólon
    • Enema de bário: microulcerações, perda de haustras com aspeto de “tubo de chumbo” e mucosa granular
  • Colonoscopia com biópsia:
    • Ajuda a determinar a extensão da doença
    • Contraindicado durante uma exacerbação aguda devido ao risco de perfuração intestinal
    • Achados macroscópicos:
      • Inflamação difusa e contínua da mucosa envolvendo sempre o reto
      • Infiltração de neutrófilos limitada à mucosa e submucosa
      • Mucosa friável
      • Perda de haustras, dando ao trato GI uma aparência de “tubo de chumbo”
      • Pseudopólipos: áreas elevadas causadas por ulceração recorrente, cicatrização e cicatrização da mucosa
    • Achados microscópicos:
      • Abcessos crípticos
      • Úlceras de base ampla que não penetram na muscular própria
      • Sem formação de granulomas
      • Hemorragia GI
      • Metaplasia epitelial
      • Fibrose submucosa e atrofia da mucosa

Tratamento

As terapêuticas médicas para a CU dependem da gravidade da doença. Os 2 principais objetivos terapêuticos são:

  1. Controlar a exacerbação aguda e sintomática
  2. Prevenção de exacerbações recorrentes

Medidas terapêuticas gerais

  • Cuidados preventivos: colonoscopia para rastreio de cancro colorretal (maior risco em doentes com CU)
    • 8 10 anos após o diagnóstico inicial
    • A cada 1 2 anos depois
  • Terapêutica médica direcionada:
    • Corticosteroides
      • Em exacerbações, na doença aguda
      • A duração é limitada devido a complicações do uso a longo prazo
    • Agentes 5-ASA (mesalazina tópica ou oral, sulfassalazina)
    • Imunomoduladores (6-mercaptopurina)
    • Terapêutica com anti-TNF (infliximab, adalimumab)
    • Agentes antidiarreicos
  • Intervenção cirúrgica:
    • Colectomia
      • Considerada curativa
      • Reservada para a doença grave, se terapêutica médica ineficaz, megacólon tóxico refratário ou malignidade comprovada por biópsia
    • Necessária em caso de complicações
Colectomia e anastomose bolsa ileal-anal

Colectomia e anastomose com bolsa ileal-anal

Imagem por Lecturio.

Tratamento segundo a gravidade

  • Doença leve a moderada:
    • Mesalazina tópica (via supositório ou enema) se exacerbações agudas
    • Se não houver resposta em 4 semanas, considerar a adição de um corticosteroide tópico/oral ou um agente oral de 5-ASA
  • Doença moderada a grave:
    • Corticosteroide oral e agente 5-ASA em exacerbações agudas
    • Se não houver resposta, considerar adicionar terapêuticas com anti-TNF
    • Os doentes que atingem a remissão são mantidos com mesalazina oral +/- um agente anti-TNF.
  • Doença grave-fulminante ou refratária:
    • Não manter nada por via oral (NPO) por 24 a 48 horas, administrar fluidos IV, monitorizar eletrólitos e transfundir se anemia, conforme necessário.
    • Corticosteróides IV
    • Para doentes que não respondem aos corticosteroides dentro de 4 a 7 dias, o tratamento adicional inclui infliximab /ciclosporina.
    • No caso de megacólon tóxico, os antibióticos de amplo espectro podem ser adicionados para reduzir as complicações sépticas.

Complicações

  • Colite fulminante
    • Causada por inflamação da mucosa do cólon
    • Apresenta-se com > 10x fezes sanguinolentas por dia, dor e distensão abdominal e sintomas sistémicos de choque
    • Aumenta o risco de desenvolver megacólon tóxico
  • Megacólon tóxico
    • Envolve inflamação que se estende além das camadas mucosas até às camadas musculares do cólon
    • Caracterizada por:
      • Dilatação cólica de > 6 cm em Rx simples
      • Sinais de toxicidade grave
    • O tratamento envolve aspiração nasogástrica, NPO, antibióticos e corticosteroides.
  • Hemoragia gastrointestinal:
    • Pode ocorrer agudamente durante uma exacerbação ou cronicamente
    • Pode levar a anemia
  • Perfuração intestinal: geralmente causada pela realização de uma colonoscopia durante uma exacerbação aguda
  • Obstrução do intestino grosso: devido à estenose cólica produzida por episódios recorrentes de ulceração e cicatrização da mucosa
  • Aumento do risco de cancro colorretal

Diagnóstico Diferencial

As condições seguintes são diagnósticos diferenciais de colite ulcerosa:

  • Síndrome do intestino irritável : apresenta-se com dor abdominal recorrente; no entanto, a SII requer 2 ou mais dos seguintes: dor abdominal que melhora com a defecação, alteração na frequência das fezes ou alteração na consistência das fezes (predominantemente diarreia, predominantemente obstipação ou mista). O diagnóstico é clínico e a condição não está associada a alterações estruturais.
  • Colite infeciosa: apresenta-se com febre de início agudo e diarreia. Agentes patogénicos entéricos etiológicos comuns incluem Shigella, Salmonella, Campylobacter, E. coli O157:H7, Yersinia e Clostridioides difficile. Essas infecões podem ser autolimitadas ou requerer tratamento antibiótico e podem ser confirmadas com cultura de fezes e reação em cadeia da polimerase (PCR, pela sigla em inglês).
  • Colite por radiação: também se apresenta com diarreia sanguinolenta, mas, geralmente, é precedida por irradiação pélvica (meses/anos atrás). Os achados histológicos sugestivos de colite por radiação incluem infiltrados eosinofílicos, o que pode ajudar a diferenciá-la da CU.
  • Doença diverticular: também apresenta hemorragia pelo reto, mas pode ser diferenciada da DII pela presença de divertículos característicos na colonoscopia.
  • Doença de Crohn: apresenta-se com dor abdominal em cólica intermitente e diarreia não sanguinolenta. Esta condição causa inflamação irregular e transmural que pode afetar qualquer área do trato GI; entretanto, o íleo terminal e o cólon proximal são os mais frequentemente envolvidos. A biópsia intestinal mostra granulomas não caseosos.
    Uma das formas mais eficazes de aprender sobre a colite ulcerosa é compará-la e contrastá-la com a doença de Crohn, a outra forma de DII. A tabela abaixo fornece uma comparação:
Tabela: Doença inflamatória intestinal
Doença de Crohn Colite ulcerosa
Padrão de envolvimento Lesões irregulares em qualquer parte do trato GI:
  • Mais frequentemente no íleo terminal e cólon proximal
  • Poupa o retal
Lesões contínuas:
  • Mais localizado no cólon
  • Envolvimento retal
Sintomas gastrointestinais Geralmente diarreia não sanguinolenta, às vezes pode ser sanguinolenta Diarreia sanguinolenta
  • Pode apresentar muco às vezes
  • Frequência das fezes: CU >> DC
Manifestações extraintestinais Colelitíase e nefrolitíase com cálculos de oxalato de cálcio Colangite esclerosante primária
  • Eritema nodoso
  • Pioderma gangrenoso
  • Uveíte
  • Úlceras aftosas
  • Artrite
Complicações
  • Fístulas
  • Má absorção ou síndrome do intestino curto
  • Fissuras e fístulas perianais
  • Megacólon tóxico
  • Colite fulminante
  • Hemorragia gastrointestinal
  • Perfuração intestinal
  • Obstrução intestinal
  • Cancro colorretal
Achados macroscópicos Inflamação transmural
  • Mucosa em pedra de calçada
  • Espessamento da parede intestinal (“sinal do cordão” no estudo da deglutição de bário)
Inflamação da mucosa e submucosa
  • Mucosa friável
  • Perda de haustras (aparência de “tubo de chumbo” na radiografia abdominal)
  • Úlceras de base ampla
Achados microscópicos
  • Granulomas não caseosos
  • Agregados linfóides da lâmina própria
  • Sem granulomas
  • Abcessos crípticos e úlceras
  • Metaplasia epitelial
  • Infiltração de neutrófilos
Tratamento
  • Corticosteroides
  • Antibióticos (ciprofloxacina, metronidazol)
  • Imunomoduladores (azatioprina)
  • Agentes anti-TNF (infliximab, adalimumab)
  • Agentes 5-ASA (mesalazina)
  • Imunomoduladores (6-mercaptopurina)
  • Agentes anti-TNF (infliximab)
  • Colectomia

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