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Colestase em Recém-Nascidos e Pequenos Lactentes

A colestase em recém-nascidos e pequenos lactentes corresponde a uma hiperbilirrubinemia conjugada nos 1ºs 3 meses de vida decorrente de uma excreção biliar alterada. As malformações da via biliar que envolvem a vesícula e o ducto biliares são agrupadas em colangiopatias obliterativas quísticas e não quísticas, sendo a mais comum a atresia biliar. Causas menos comuns incluem a síndrome genética de Alagille, causas infecciosas e distúrbios metabólicos. A apresentação clínica é com icterícia obstrutiva. A ecografia e a CPRM são ferramentas de diagnóstico úteis, e, por vezes, é possível realizar um diagnóstico pré-natal através da ecografia. As causas quísticas requerem frequentemente cirurgia para corrigir o defeito e permitir o crescimento normal da criança. Pode ser necessário um transplante hepático em casos de atresia biliar com hipertensão portal.

Última atualização: Feb 23, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

A colestase em recém-nascidos e pequenos lactentes corresponde a uma hiperbilirrubinemia conjugada nos 1ºs 3 meses de vida decorrente de uma excreção biliar alterada.

Etiologia

As malformações da via biliar que envolvem a vesícula e o ducto biliares são agrupadas em colangiopatias obliterativas quísticas e não quísticas, sendo a mais comum a atresia biliar. Causas menos comuns incluem a síndrome genética de Alagille, causas infecciosas e distúrbios metabólicos.

  • Causas obstrutivas:
    • Atresia biliar
    • Quistos do colédoco
    • Outras causas obstrutivas:
      • Pedras
      • Tumores
      • Colangite esclerosante neonatal
  • Causas infeciosas:
    • Infeções TORCH:
      • Toxoplasmosis (toxoplasmose)
      • Other (syphilis) [outras (sífilis)]
      • Rubella (rubéola)
      • Cytomegalovirus (citomegalovírus) (CMV)
      • Herpes simplex virus (vírus Herpes simplex) (VHS)
    • Infeções víricas:
      • Ecovírus
      • Adenovírus
      • Parvovírus B19
    • Infeção do trato urinário neonatal
  • Causas genéticas:
    • Síndrome de Alagille (escassez sindrómica dos ductos biliares interlobulares)
    • Défice de alfa-1-antitripsina
    • Colestase intra-hepática familiar progressiva
    • Fibrose quística
  • Distúrbios metabólicos/erros inatos do metabolismo:
    • Metabolismo dos hidratos de carbono: galactosemia
    • Aminoácidos: tirosinemia
    • Lípidos:
      • Niemann-Pick tipo C
      • Doença de Gaucher tipo 2
    • Distúrbios do metabolismo dos ácidos biliares
  • Tóxicas
    • Doença hepática associada à insuficiência intestinal (nutrição parentérica)
    • Fármacos
Vesícula biliar e vias biliares

Anatomia normal da via biliar

Imagem por Lecturio.

Atresia Biliar

A atresia biliar é uma obliteração idiopática, progressiva e fibrótica da árvore biliar extra-hepática, cuja apresentação é uma obstrução biliar nos primeiros 3 meses de vida.

  • Classificação:
    • Forma neonatal (80%–90% dos doentes):
      • Atresia biliar isolada
      • O recém-nascido é normal ao nascimento; desenvolvimento progressivo da obliteração dos ductos biliares extra-hepáticos, durante semanas.
    • Forma embrionária ou fetal:
      • Presente no nascimento
      • Associada a outras alterações congénitas (situs inversus, poliesplenia, má rotação intestinal, cardiopatia)
    • Gravidade da obstrução:
      • Incorrigível: obliteração de toda a árvore biliar extra-hepática está presente em aproximadamente 85% dos casos
      • Forma cirurgicamente corrigível (menos comum): obliteração segmentar distal do ducto biliar, com ductos extra-hepáticos patentes
  • Epidemiologia:
    • 1 em 10.000–15.000 nados vivos
    • Mais comum na população do leste asiático
    • É improvável que ocorra dentro da mesma família
  • Etiologia: a patogénese é desconhecida, mas vários mecanismos têm sido descritos:
    • Vírica
    • Resposta inflamatória mediada por toxinas
    • Fatores genéticos
    • Etiologias do foro imunológico
  • Fisiopatologia:
    • O insulto perinatal (possível infeção vírica) causa uma lesão no ducto biliar.
    • Resposta imune→ infiltração inflamatória e obstrução
    • Proliferação epitelial → esclerose progressiva → obliteração dos ductos biliares extra-hepáticos e atresia nos primeiros meses de vida
    • Colestase → lesão hepatocelular com cirrose secundária
  • Apresentação clínica:
    • Pode não estar presente ao nascimento e aparecer nas primeiras 2 semanas de vida
    • Durante as primeiras semanas de vida, o apetite e o crescimento podem ser normais
    • Graus variáveis de:
      • Icterícia, icterícia das escleras
      • Colúria (bilirrubinúria)
      • Acolia (fezes pálidas)
      • Hepatomegalia
      • Na presença de hipertensão portal, pode haver o desenvolvimento gradual de esplenomegalia.
    • A icterícia fisiológica (hiperbilirrubinemia indireta; resolve dentro de 2 semanas) retorna após 8 semanas (hiperbilirrubinemia direta, patológica)
    • Sopros cardíacos podem sugerir outras anomalias associadas.
  • Diagnóstico:
    • Rastreio nas populações de alto risco: cartões para a coloração das fezes
    • Estudo analítico:
      • Bilirrubina total e direta (conjugada): ambas elevadas
      • Padrão obstrutivo das enzimas hepáticas: elevação significativa da fosfatase alcalina, elevação ligeira da ALT e AST
    • A ecografia abdominal pode identificar:
      • Outras causas de colestase neonatal
      • Anomalias associadas, como a poliesplenia
      • Vesícula biliar hipoplásica ou ausente
      • Sinal do cordão triangular: representa o remanescente ductal fibroso do ducto biliar extra-hepático na atresia biliar
    • A CPRM pode estar indicada para avaliação pré-operatória.
    • Biópsia hepática percutânea:
      • O teste mais informativo
      • Apresenta proliferação e obstrução dos ductos biliares com uma estrutura lobular relativamente intacta
  • Tratamento:
    • Laparotomia exploradora + colangiografia direta (preferencialmente antes das 8 semanas de vida)
    • Correção das lesões cirurgicamente corrigíveis.
    • Lesões não corrigíveis: tratadas a curto prazo com uma porto-enterostomia (procedimento de Kasai)
      • Anastomose entre o fígado e um pedaço de intestino, permitindo que vários pequenos ductos biliares remanescentes se esvaziem no intestino.
      • Este procedimento atrasa o início da cirrose e permite o crescimento normal.
      • A maioria dos indivíduos com lesões não corrigíveis desenvolvem, eventualmente, hipertensão portal e disfunção hepática recorrente.
      • Mais tarde é realizado um transplante de fígado curativo.

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Síndrome de Alagille

A síndrome de Alagille é uma doença genética caracterizada por uma escassez de ductos biliares no fígado, o que culmina em colestase. Esta síndrome afeta também outros órgãos.

  • Etiologia:
    • Mutações autossómicas dominantes no gene JAG1 em > 90% dos doentes
    • Outros têm mutações no gene NOTCH2.
  • Apresentação clínica:
    • Manifestações hepáticas:
      • Escassez dos ductos biliares interlobulares
      • Colestase crónica (em 90%)
      • Icterícia
      • Cirrose
      • Prurido (80%)
      • Xantomas
    • Em 85%-91% estão presentes um sopro ou alterações cardíacas, mais frequentemente a estenose pulmonar
    • Displasia renal
    • Vértebras em borboleta
    • Características faciais típicas:
      • Face “triangular” com uma testa proeminente, ponte nasal larga e queixo saliente
      • Olhos profundos
    • Outras alterações minor no crescimento e défice intelectual
  • Diagnóstico:
    • Estudo analítico:
      • Hiperbilirrubinemia conjugada
      • Elevação das enzimas hepáticas (aminotransferases) e uma elevação desproporcional da gama-glutamil transpeptidase (GGTP)
    • Biópsia hepática: número reduzido de ductos biliares interlobulares
    • Testes genéticos para confirmar apresença de mutação
  • Tratamento:
    • A doença hepática colestática tem uma gravidade variável; pode estabilizar durante a idade escolar.
    • Tratamento médico do prurido, de forma a melhorar a qualidade de vida:
      • Ácido ursodesoxicólico
      • Sequestradores de ácidos biliares (colestiramina, colesevelam)
      • Refratário ao tratamento médico em aproximadamente 40% dos doentes; pode estar indicada a cirurgia com derivação biliar ou o transplante hepático.
    • Complicação: hipertensão portal, posteriormente na infância
    • Prognóstico: Num estudo com 293 indivíduos, a sobrevida livre de transplante foi de 24% até aos 18 anos.
Histology_of_normal_and_defective_intrahepatic_bile_ducts.

A: Fígado fetal às 16 semanas de desenvolvimento, onde se observam dilatações focais (setas) nos precursores das células epiteliais biliares em redor da veia porta (PV, pela sigla em inglês).
B: Fígado maduro com os ductos biliares (BD, pela sigla em inglês) e artéria hepática (HA, pela sigla em inglês) embutidos no mesênquima periportal num arranjo característico, conhecido como a “tríade portal”. Os hepatócitos dispostos em cordas circundam esta tríade.
C: Região da tríade portal de um indivíduo com síndrome de Alagille, com quistos ductais em vez dos ductos biliares normais, devido a defeitos na remodelação da placa ductal.

Imagem : “Histology of normal and defective intrahepatic bile ducts” pelo Smallbot. Licença: CC BY 3.0

Quistos do Colédoco

Os quistos do colédoco são anomalias congénitas do ducto biliar com um aumento anormal do tamanho e obstrução dos ductos biliares intra e/ou extra-hepáticos.

  • Classificação:
    • Tipo I (90%–95% dos casos): dilatação quística sacular ou fusiforme do ducto biliar extra-hepático
    • Tipo II: divertículo do ducto biliar comum
    • Tipo III (coledococelo): quisto na parede duodenal do ducto biliar comum
    • Tipo IV: envolve dilatação dos ductos intra e extra-hepáticos
    • Tipo V (menos comum): múltiplas dilatações quísticas nos ductos intra-hepáticos
  • Etiologia:
    • Desconhecida, provavelmente envolve > 1 mecanismo
    • Pode ser congénita (mais comum) ou adquirida (rara) após colecistectomia
    • Associa-se a uma variedade de outras anomalias anatómicas:
      • Junção pancreatobiliar anormal
      • Atresia biliar, duodenal ou cólica
      • Ducto biliar comum duplicado
      • Ânus imperfurado
      • Defeito do septo ventricular
      • Hipoplasia aórtica
  • Epidemiologia:
    • Incidência em países ocidentais: 1 em 100.000–150.000
    • Maior incidência no Japão: cerca de 1 em 1000
    • A proporção entre mulheres e homens é de 3-4:1
    • Diagnosticados mais frequentemente em lactentes ou na infância, mas também na idade adulta
  • Apresentação clínica:
    • Lactentes:
      • Icterícia obstrutiva
      • Massa palpável
      • Acolia
      • Hepatomegalia
      • Os quistos podem ser um achado incidental numa ecografia pré-natal
    • Crianças (a maioria das apresentações clínicas ocorrem com < 10 anos):
      • Dor abdominal
      • Icterícia
      • Massa palpável
      • Náuseas e vómitos
      • Febre
      • Prurido
      • Perda de peso
      • Crises de pancreatite aguda; ocasionalmente colangite aguda
  • Diagnóstico:
    • Estudo analítico:
      • Hiperbilirrubinemia direta (conjugada)
      • Enzimas hepáticas com padrão obstrutivo: elevação significativa da fosfatase alcalina, elevação ligeira da ALT e AST
    • Ecografia
    • CPRM para avaliação pré-operatória
  • Tratamento: excisão primária do quisto + anastomose bilio-entérica (Y de Roux)
  • Complicações:
    • Se a obstrução não for aliviada (sobretudo nos lactentes), pode levar rapidamente a disfunção hepática grave e coagulopatia.
    • Na ausência de uma resseção adequada há um risco aumentado de colangiocarcinoma

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Referências

  1. Wildhaber, B.E. (2012). Biliary atresia: 50 years after the first Kasai. ISRN Surg. DOI: 10.5402/2012/132089
  2. Erlichman, J., Loomes, K.M. (2021). Causes of cholestasis in neonates and young infants. UpToDate. Retrieved December 15, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/causes-of-cholestasis-in-neonates-and-young-infants
  3. Kamath, B.M., Ye, W., et al. (2020). Outcomes of childhood cholestasis in Alagille syndrome: results of a multicenter observational study. Hepatology Commun 4:387–398. DOI: 10.1002/hep4.1468
  4. Erlichman, J., Loomes, K.M. (2021). Biliary atresia. UpToDate. Retrieved December 15, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/biliary-atresia
  5. Topazian, M. (2021). Biliary cysts. UpToDate. Retrieved December 15, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/biliary-cysts

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