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Canabinoides

Os canabinoides são uma classe de compostos que interagem com os recetores do mesmo nome. Dividem-se em 3 tipos: fitocanabinoides (derivados naturais da flora), endocanabinoides (endógenos) e canabinoides sintéticos (produzidos artificialmente). Os endocanabinoides são neurotransmissores neuropeptídicos endógenos presentes no sistema nervoso humano. Estes compostos têm um efeito psicotrópico, o que propicia uma utilização recreativa frequente, no entanto, dados os efeitos únicos dos canabinoides no SNC, estes apresentam também indicações farmacológicas. A prescrição destes compostos serve para o tratamento de dores, náuseas, vómitos e crises epiléticas, bem como para estimular o apetite.

Última atualização: May 2, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Estrutura Química e Farmacodinâmica

Estrutura química

O tetrahidrocanabinol (THC, pela sigla em inglês) é o componente psicoativo da canábis:

  • O THC é um lípido.
  • Terpenoide aromático (terpeno modificado por remoção de um grupo metil ou adição de um átomo de oxigénio)
Estrutura do thc

Estrutura do tetrahidrocanabinol (THC, pela sigla em inglês): o componente psicoativo da canábis

Imagem: “THC” por Harbin. Licença: Public Domain

Mecanismo de ação

  • Os recetores canabinoides são metabotrópicos (acoplados a proteína G) e atuam através de mensageiros secundários para iniciar uma resposta celular.
  • Os canabinoides ligam-se e ativam o recetor canabinoide tipo 1 (CB1) e o recetor canabinoide tipo 2 (CB2):
    • Recetores CB1: regulam a neurotransmissão de glutamato e GABA (localizam-se no SNC e tecidos periféricos)
    • Recetores CB1: recetores acoplados à proteína Gαi com a maior expressão cerebral:
      • Gαi → a subunidade α da proteína G inibe a adenilil ciclase
      • As subunidades ꞵ e 𝛾 libertadas da Gαi: ativam canais de K+ e inibem canais de Ca2+
    • Recetores CB2: atuam na regulação da dor e emese (localizam-se nas células do sistema imune)
    • A ativação do recetor CB provoca uma↓ da libertação dos neurotransmissores através dos seguintes mecanismos:
      • Inibição da adenilil ciclase pré-sináptica → inativação da proteína cinase A (PKA, pela sigla em inglês) pré-sináptica
      • Ativação da proteína cinase ativada pelo mitógeno pré-sináptica (MAPK, pela sigla em inglês)
      • Inibição dos canais de Ca2+ dependentes de voltagem pré-sinápticos → ↓ Influxo de Ca2+
      • Ativação dos canais de K+ “retificadores do interior” pré-sinápticos → ↑ efluxo de K+

Tetrahidrocanabinol (THC, pela sigla em inglês)

  • Agonista pré-sináptico do CB1
  • O THC prolonga a ativação dos recetores CB1, o que provoca uma inibição contínua da libertação dos neurotransmissores nos terminais nervosos pré-sinápticos GABAérgicos e glutamatérgicos que expressam estes recetores:
    • O THC não mimetiza os efeitos dos endocanabinoides libertados localmente (por exemplo, anandamida, 2-araquidonoilglicerol (2-AG)).
    • O THC não induz a síntese de anandamida e 2-AG.
  • O THC liga-se aos recetores CB1 dos interneurónios GABAérgicos inibitórios na VTA (área tegmental ventricular, do inglês “ventricular tegmental area”), cursando com diminuição da libertação de GABA e ausência de inibição dos neurónios dopaminérgicos → ↑ dopamina

Efeitos fisiológicos

Os canabinoides ligam-se a recetores periféricos e centrais:

  • A ativação do recetor periférico provoca:
    • Xerostomia
    • Taquicardia
    • Hipotensão
    • Diminuição do esforço respiratório
  • A ligação dos canabinoides aos recetores CB ocorre em várias áreas do SNC causando:
    • Hipocampo: compromisso da memória a curto prazo
    • Neocórtex: compromisso da capacidade de julgamento e alterações da sensibilidade
    • Hipotálamo: aumento do apetite
    • Amígdala: paranoia
    • Tronco cerebral: efeito antiemético
    • Medula espinhal: efeito analgésico
Os canabinóides formam uma conexão com os receptores canabinóides

Conexão dos canabinoides com os seus recetores do mesmo nome:
Os neurotransmissores (incluindo a dopamina) inundam a fenda sináptica, fazendo com que o cálcio seja bombeado para o neurónio pós-sináptico em níveis mais altos do que os observados com estímulos naturais saudáveis. O aumento da quantidade de neurotransmissores provoca a “moca” associada à canábis. Através da ação nos recetores canabinoides, o THC ativa o sistema de recompensa cerebral. O tetrahidrocanabinol também altera o funcionamento do cerebelo e dos gânglios da base, que regulam o equilíbrio, a postura, a coordenação e o tempo de reação.
No 1º diagrama observa-se a atividade sinática normal e no 2º o que acontece com a adição do THC.
A: THC
B: recetores CB1
C: neurotransmissores
D: recetores pós-sinápticos
E: canabinoide

Imagem por Lecturio.

Farmacocinética

Absorção

  • A cinética dos canabinoides difere consoante a via de administração e formulação.
  • A cinética dos canabinoides não aprovados pelo FDA é diferente (por exemplo, canábis fumada, canábis comestível):
    • Administração oral:
      • Início tardio (30-90 minutos)
      • Baixa biodisponibilidade devido à metabolização/eliminação hepática de 1ª passagem
    • Aerossolização: A canábis fumada é absorvida em segundos.

Metabolismo

  • Metabolizados no fígado
  • Alguns canabinoides são armazenados no tecido adiposo.
  • Metabolizados frequentemente pelo sistema do citocromo P450 (particularmente a CYP2C9):
    • Os inibidores da CYP2C9 impedem que haja metabolização.
    • A utilização destes inibidores cursa com um prolongamento da intoxicação.
  • Os hidrocarbonetos produzidos pela combustão da marijuana inibem a CYP1A2.
  • O dronabinol tem uma ligação extensa às proteínas plasmáticas (pode afetar outros medicamentos com ligação a proteínas).
  • O THC é um substrato da CYP2C9 e da CYP3A4.
  • O canabidiol (CBD, pela sigla em inglês) é um substrato da CYP2C19 e da CYP3A4.
  • O consumo de canábis acelera a metabolização de fármacos metabolizadas pelo CYP1A2 (por exemplo, olanzapina).

Excreção

  • Os canabinoides são excretados nas fezes e urina.
  • Os canabinoides são excretados após hidroxilação e carboxilação.
  • A maioria dos canabinoides é excretada 5 dias após o consumo.

Interações farmacológicas

Outras interações medicamentosas adicionais dos canabinoides incluem:

  • Varfarina: aumento do risco de hemorragia
  • Clobazam: aumento do risco de toxicidade pelas benzodiazepinas
  • Medicamentos depressores: sedação excessiva, depressão

Classificação

  • Existem 3 formas de canabinoides:
    • Fitocanabinoides: derivados naturais
      • THC
      • CBD
    • Endocanabinoides: endógenos
    • Canabinoides sintéticos: artificiais
  • Medicamentos canabinoides aprovados pela FDA:
    • Produtos sintéticos de THC em cápsulas e soluções orais:
      • Dronabinol
      • Nabilona
    • Extrato de CBD (solução oral): canabidiol
  • Considerações legais:
    • A marijuana e os canabinoides são classificados como substâncias da Lista 1 controladas pela United States FDA e pela United States Drug Enforcement Administration (DEA, pela sigla em inglês).
    • A regularização da utilização de marijuana para fins recreativos e medicinais varia entre as leis estaduais e federais.
    • Muitos estados legalizaram ou descriminalizaram a marijuana.
Tabela: Formulações e indicações da prescrição de canabinoides
Fármaco Notas sobre as formulações Indicações
Dronabinol:
  • Cápsula oral Marinol®
  • Solução oral Syndros®
  • O Marinol® contém óleo de sésamo (solvente) → impede a extração e purificação de tetrahidrocanabinol (THC, pela sigla em inglês) para fins recreativos
  • O Syndros® contém 50% de etanol.
  • Caquexia em indivíduos com SIDA
  • Náuseas e vómitos induzidos por quimioterapia (NVIQ) refratários
  • A American Society of Clinical Oncology (ASCO) recomenda o dronabinol ou a nabilona em preferência à marijuana medicinal.
Nabilone: cápsula oral Cesamet® /
  • NVIQ refratários
  • A ASCO recomenda o dronabinol ou a nabilona em preferência à marijuana medicinal.
Canabidiol: solução oral Epidiolex®
  • Existe a possibilidade de converter quimicamente o canabidiol (CBD, pela sigla em inglês) em THC
  • A solução Epidiolex® contém óleo de sésamo (solvente) → impede a extração e purificação do CBD em THC
Convulsões refratárias em crianças com ≥ 2 anos devido a:
  • Síndrome de Dravet
  • Síndrome de Lennox-Gastaut

Modos de ingestão

  • Comprimidos e cápsulas
  • Óleos de haxixe
  • Chiclete
  • Dabbing
  • Canetas
  • Cristais de ácido tetrahidrocanabinólico (THCA, pela sigla em inglês)
  • Bongo
  • Vapores
  • Óleos de cana
  • Tigelas/bubblers
  • Sprays
  • Refrigerante com THC
  • Charro/charuto
  • Bebidas
  • Xaropes
  • Tinturas
  • Cremes
  • Banhos de imersão
  • Comestíveis
  • Adesivos
  • Decarb
  • “Sols”/manteigas

Indicações

  • Nos Estados Unidos, a utilização de marijuana medicinal está autorizada sobretudo no tratamento de:
    • Ansiedade
    • Espasticidade causada pela esclerose lateral amiotrófica (doença de Lou Gehrig) e esclerose múltipla
    • Dor crónica/dor associada a neoplasias
    • Caquexia ou síndromes catabólicos (por exemplo, VIH/SIDA, neoplasia)
    • Doença inflamatória intestinal
    • Insónia
    • Náuseas
    • Doença de Parkinson
    • Perturbação de stress pós-traumático
    • Crises epiléticas
    • Paliação da dor na doença terminal
  • Indicações específicas de vários fármacos canabinoides:
    • Nabiximol: dor associada à esclerose múltipla e neoplasias
    • Dronabinol (Marinol):
      • Anorexia
      • Apneia do sono
      • Anorexia causada pelo VIH/SIDA
      • Náuseas e vómitos induzidos por quimioterapia
    • Epidiolex ®: síndromes epiléticos (síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gastaut)

Efeitos Adversos e Contraindicações

Efeitos adversos

THC (Dronabinol e Nabilona):

  • SNC:
    • ↑ Apetite
    • Tonturas
    • Cefaleia
    • Euforia
    • Incapacidade de concentração
    • Sonolência
    • Aumento da sensibilidade à dor
    • Ataxia
    • Despersonalização
  • Gastrointestinais:
    • Náuseas
    • Vómitos
    • Dor abdominal

Canabidiol ( Epidiolex® ):

  • SNC:
    • ↓ Apetite
    • Fadiga
    • Letargia, sedação
  • Gastrointestinais:
    • Diarreia
    • Vómitos
  • Hepático/metabólico: ↑ enzimas hepáticas

Síndrome da hiperemese por canabinoides (CHS, pela sigla em inglês)

  • Síndrome com vómitos cíclicos causados pelo uso de canábis
  • Os sintomas incluem náuseas, vómitos e dor abdominal que ocorrem de forma cíclica no contexto de uma utilização rotineira de canábis/marijuana.
  • Ocorre em indivíduos que com uma utilização semanal de canábis há, pelo menos, 1 ano
  • A fisiopatologia é incerta
  • Os doentes tomam banhos quentes compulsivamente para aliviar os sintomas:
    • Especula-se que a substância P esteja envolvida na fisiopatologia.
    • Um creme tópico de capsaicina esgota a substância P com a aplicação repetida na pele, o que demonstrou aliviar os sintomas.
  • Tratamento das náuseas e vómitos:
    • As benzodiazepinas (lorazepam) ou o haloperidol parecem ser mais eficazes que os antieméticos convencionais (por exemplo, ondansetrom, metoclopramida).
    • Não se deve utilizar opioides.
  • A cessação da utilização de canábis é necessária para resolver completamente a síndrome (pode demorar semanas).
Fases da síndrome de hiperêmese canabinoide

Fases da síndrome da hiperemese por canabinoides (CHS, pela sigla em inglês)

Imagem por Lecturio.

Contraindicações e interações medicamentosas

Tabela: Contra-indicações e interações medicamentosas dos canabinoides
Fármacos Precauções Contraindicações Interações farmacológicas
Dronabinol
  • Cardiovascular:
    • Síncope
    • Taquicardia
  • SNC:
    • Alteração da perceção
    • Exacerbação da mania
    • Exacerbação da esquizofrenia
    • Paranoia
    • Pode desmascarar uma psicose
  • Gastrointestinais:
    • Síndrome da hiperemese por canabinoides (CHS, pela sigla em inglês)
    • Náusea e vómitos graves
  • Gravidez e lactação: uma vez que os canabinoides atravessam a placenta, estes não estão recomendados em mulheres grávidas, a amamentar ou a planear uma gravidez
  • Gerais:
    • Perturbação do uso de álcool
    • Hipersensibilidade ao álcool
    • Perturbação de abuso de substâncias
  • Cápsulas de Dronabinol: alergia ao óleo de sementes de sésamo
  • Dronabinol solução oral: tratamento atual ou recente (há menos de 14 dias) com produtos que contém dissulfiram ou metronidazol
  • O dronabinol pode ocupar os locais de ligação de outros medicamentos que também tenham uma ligação extensa às proteínas → ↑ efeitos adversos (por exemplo, ciclosporina, varfarina)
  • Depressores do SNC:
    • Álcool
    • Anticolinérgicos
    • Efavirenz
    • Hipnóticos
    • Opioides
    • Sedativos (por exemplo, benzodiazepinas, barbitúricos)
  • Inibidores da CYP2C9 (pode ser necessário ↓ dose de THC)
  • Indutores da CYP2C9 (pode ser necessário ↑ dose de THC)
  • Inibidores da CYP3A4 (pode ser necessário ↓ dose de THC)
  • Indutores da CYP3A4 (pode ser necessário ↑ dose de THC)
Nabilona /
  • Perturbação do uso de álcool
  • Perturbação de abuso de substâncias
Depressores do SNC
Canabidiol (CBD) (Epidiolex®)
  • SNC: sedação, sonolência (diminuem com a utilização contínua)
  • ↑ Risco de hepatotoxicidade com:
    • Ácido valpróico
    • Clobazam
    • Fármacos hepatotóxicos
Alergia ao óleo de sementes de sésamo
  • Depressores do SNC
  • Inibidores da CYP3A4 (podem ↑ níveis de CBD)
  • Indutores da CYP3A4 (podem ↓ níveis de CBD)
  • Inibidores da CYP2C19 (pode ser necessário ↓ dose de CBD)
  • Indutores da CYP2C19 (pode ser necessário ↑ dose de CBD)

Referências

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  3. Lapoint, J.M. (2019). Cannabinoids. In Nelson, L.S., et al. (Eds.), Goldfrank’s Toxicologic Emergencies, 11e. New York, NY: McGraw-Hill.
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  13. McCracken, J.L., et al. (2017). Diagnosis and Management of Asthma in Adults: A Review. JAMA. 318(3), 279–290. https://doi.org/10.1001/jama.2017.8372 
  14. Mehta, G.R., et al. (2016). Chronic obstructive pulmonary disease: A guide for the primary care physician. Dis Mon. 62(6), 164–187. https://doi.org/10.1016/j.disamonth.2016.03.002

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