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Avaliação ABCDE

A avaliação da via aérea, respiração, circulação, disfunção neurológica e exposição (ABCDE) é a principal abordagem terapêutica utilizada no tratamento de pacientes críticos. Os ABCDEs são os primeiros passos essenciais a serem executados em muitas situações, incluindo pacientes que não respondem, paragens cardíacas e pacientes críticos por doença médica ou trauma. Para o paciente traumatizado, o ABCDE está incluído na avaliação primária (ou inicial) e no tratamento das lesões.

Última atualização: Jul 6, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Avaliação Primária

A avaliação primária é a abordagem inicial usada para identificar e tratar lesões com risco de vida num paciente traumatizado.

Os componentes da avaliação primária são:

  • Airway (via aérea)
  • Breathing (respiração)
  • Circulation (circulação)
  • Disability (disfunção neurológica)
  • Exposure (exposição)

Via Aérea

Objetivos

  • Estabelecer a permeabilidade da via aérea.
  • Avaliar a capacidade do paciente de proteger a via aérea.
  • Abordar a via aérea.
  • Imobilização da coluna vertebral: uso de prancha e colar cervical rígido

Causas de comprometimento da via aérea

  • Lesão traumática
  • Língua do paciente
  • Corpo estranho
  • Vómito, sangue e secreções
  • Edema localizado por infeção ou anafilaxia

Avaliação da via aérea

  • Se o paciente conseguir falar normalmente → vias aérea intacta
  • Sinais de via aérea desprotegida:
    • Movimentos paradoxais do tórax e do abdómen
    • Cianose
    • Sons respiratórios anormais:
      • Roncos
      • Estridor
      • Sibilância expiratória
      • Ruído borbulhante
    • Presença de hematoma em expansão
    • Presença de enfisema subcutâneo
    • Escala de coma de Glasgow (GCS) < 9

Abordagem terapêutica da via aérea

  • Ventilação adequada com oxigénio a 100%, utilizando bolsa e máscara
  • Oximetria de pulso para monitorizar os níveis de oxigénio
  • A aspiração da via aérea (com um cateter de aspiração) permite a remoção de secreções, com o objetivo de limpar a via áerea.
  • Manobras especiais:
    • Elevação do queixo, tração da mandíbula
    • A manutenção temporária da via aérea pode ser realizada por via oral (tubo orofaríngeo) ou nasal (tubo nasofaríngeo).
  • Se falência das manobras implementadas, estabelecer uma via aérea definitiva:
    • Intubação endotraqueal (orotraqueal)
      • Inserção de um tubo na traqueia pela boca (ou, menos frequentemente, pelo nariz)
      • Procedimento de 1ª linha
    • Cricotirotomia
      • Incisão na membrana entre a cartilagem tiroideia e a cartilagem cricoideia
      • Usada se falência de intubação endotraqueal em lesões traumáticas graves, ou na presença de edema severo da via aérea (anafilaxia!)
      • Mais fácil de realizar do que a traqueostomia
      • Procedimento temporário
    • Traqueostomia
      • Incisão na traqueia com inserção de tubo traqueal
      • Preferida em pacientes pediátricos (idade < 8 anos), pois a cricóide é muito menor

Respiração

Após assegurada a via aérea, o próximo passo compreende a avaliação da respiração.

Objetivos

  • Detetar sinais de dificuldade respiratória.
  • Manter níveis de oxigenação e ventilação adequados.
  • Nesta etapa, se forem detetados problemas respiratórios, pode ser necessária a sua correção através da execução de procedimentos (i.e., toracostomia).

Avaliação da respiração

  • Ouvir os sons respiratórios.
  • Contar a frequência respiratória:
    • 12–20/min é normal.
    • Se a frequência respiratória for ↓ ou ↑, a ventilação assistida deve ser considerada
  • 40% dos pacientes com paragem cardíaca podem ter respiração agónica (série de estertores).

Sinais de dificuldade respiratória

  • Inspeção:
    • Cianose central
    • Distensão venosa jugular
    • Esforço respiratório ↑
      • Uso de músculos acessórios
      • Respiração abdominal
  • Percussão: hiperressonância (pneumotórax) ou macicez (hemotórax)
  • Palpação: desvio traqueal, enfisema subcutâneo, volet costal
  • Auscultação: entrada de ar ↓ à auscultação
  • Saturação de oxigénio < 88%
  • CO₂ expirado ↓ (capnografia)

Abordagem terapêutica da respiração

  • Depende da causa.
  • Na presença de dificuldade respiratória, retornar ao passo A (airway (via aérea)) de forma da estabelecer uma via aérea definitiva.
  • Procedimentos utilizados na abordagem de condições respiratórias que apresentem risco de vida:
    • A toracostomia com dreno (é realizada uma pequena incisão na parede torácica e inserido um dreno torácico) é necessária nos casos de:
      • Pneumotórax hipertensivo e pneumotórax aberto
      • Volet costal
      • Hemotórax maciço
    • A pericardiocentese (uma agulha e um pequeno cateter são inseridos no espaço pericárdico para drenar o excesso de líquido) é necessária no tamponamento cardíaco.
Insertion of a chest tube - thoracostomy

Toracostomia:
Faz-se uma primeira incisão cutânea superiormente à costela para evitar o feixe neurovascular que se situa inferiormente à costela. O cirurgião tuneliza através do tecido subcutâneo e do músculo e entra na cavidade pleural. Confirma-se a entrada na cavidade pleural e coloca-se o dreno torácico.

Image by Lecturio.

Circulação

Abordada após a via aérea e a respiração terem sido consideradas normais e adequadas.

Objetivos

  • Determinar a eficácia do débito cardíaco.
  • Garantir uma perfusão tecidual adequada.
  • Tratamento de hemorragia externa

Causas de circulação insuficiente

  • Choque (incluindo hipovolemia, choque séptico ou anafilático)
  • Lesão traumática de artérias (síndrome compartimental, lacerações arteriais, lesão por esmagamento)
  • Arritmia cardíaca
  • Insuficiência cardíaca
  • Embolia pulmonar

Avaliação da circulação

  • Pacientes que não respiram (apneicos):
    • RCP (reanimação cardiopulmonar) (função de circulação artificial)
    • Proteger a medula espinhal com colar cervical
  • Pacientes que respiram:
    • Avaliação da pressão arterial: indicação da eficácia do débito cardíaco, considerada ↓ se pressão arterial sistólica < 90 mm Hg
    • Medição da frequência cardíaca através da palpação das seguintes artérias:
      • Se o pulso carotídeo é palpável → pressão sistólica provavelmente ≥ 60 mm Hg
      • Se o pulso femoral é palpável → pressão sistólica provavelmente ≥ 70 mm Hg
      • Se o pulso radial é palpável → pressão sistólica provavelmente ≥ 80 mm Hg
      • Se o pulso dorsal do pé é palpável → pressão sistólica provavelmente ≥ 90 mm Hg
    • Verificar a pele (pele fria e marmoreada é uma indicação de hipovolémia).
    • Verificar o tempo de preenchimento capilar (anormal se superior a 2 segundos).
    • Verificar o débito urinário (< 0,5 ml/kg/h é considerado baixo).

Abordagem terapêutica da circulação

  • Aplicação direta de pressão para controlar qualquer hemorragia externa
  • Colocação de 2 acessos EV de grande calibre em todos os pacientes; se não for possível, as alternativas incluem:
    • Acesso central na veia femoral, jugular ou subclávia
    • Acesso intraósseo
    • Cateter percutâneo e acesso por flebotomia da veia safena do membro inferior (menos comum)
  • Considerar o protocolo de transfusão de sangue em massa.

Disfunção Neurológica e Exposição

Avaliação da disfunção neurológica

O objetivo é determinar e abordar a presença de lesão neurológica.

  • Examinar pupilas → a dilatação da pupila sugere a presença ipsilateral de tumor ou coleção de sangue cerebrais, causando compressão no 3º nervo craniano
  • Avaliação motora e sensitiva
  • Avaliar o nível de consciência e o estado mental através da GCS:
    • O paciente pontua para a melhor resposta em cada área.
    • As pontuações em cada área são somadas, perfazendo uma pontuação total de 3 a 15.
    • Quanto maior o número → melhor o prognóstico
    • Uma pontuação ≤ 9 indica coma e necessidade de intubação endotraqueal.
  • Lesões neurológicas com risco de vida incluem:
    • Lesão craniana penetrante
    • Hemorragia intracraniana:
      • Hematomas subdurais
      • Hematomas epidurais
      • Hemorragia subaracnóidea traumática
      • Hemorragia cerebral ou intraventricular
    • Lesão axonal difusa
    • Lesão medular alta
Tabela: Escala de Coma de Glasgow
Característica Resposta Pontuação
Abertura ocular Abre espontaneamente 4
Abre ao comando verbal 3
Abre ao estímulo doloroso 2
Sem abertura ocular 1
Resposta verbal Orientado e adequado 5
Desorientado, mas familiarizado 4
Palavras sem sentido 3
Gemido 2
Silencioso 1
Resposta motora Segue comandos 6
Localiza o estímulo doloroso 5
Retirada à dor 4
Postura em flexão 3
Postura em extensão 2
Flácido 1

Exposição

O objetivo desta etapa é avaliar e abordar os aspetos negativos do meio envolvente:

  • Despir completamente o paciente e realizar um exame objetivo completo.
  • Manter o paciente num ambiente aquecido (a hipotermia pode desencadear coagulopatias).

Avaliação Secundária

O objetivo da avaliação secundária é examinar rápida e minuciosamente o paciente, da cabeça aos pés, para identificar todas as lesões potencialmente significativas.

  • Realizada após a conclusão da avaliação primária e da estabilização inicial
  • Examinar o paciente da cabeça aos pés, incluindo todos os orifícios (orelhas, nariz, boca, vagina, reto).
  • Solicitar exames imagiológicos se necessário.
  • Retornar frequentemente à avaliação primária para reavaliação!

Relevância Clínica

As seguintes condições podem causar disfunção cardiovascular aguda e severa num paciente:

  • Paragem cardíaca: perda da função cardíaca num indivíduo com ou sem doença cardíaca conhecida. Os 4 ritmos cardíacos conhecidos por causar uma paragem cardíaca sem pulso são a fibrilhação ventricular, a taquicardia ventricular rápida, a atividade elétrica sem pulso e a assistolia. O tratamento é com suporte avançado de vida cardiovascular (SAVC), que inclui RCP e administração de epinefrina.
  • Volet costal: condição que ocorre quando 3 ou mais costelas contíguas são fraturadas em 2 ou mais regiões diferentes. Apresenta dor torácica, taquipneia, hipoxemia e movimento paradoxal da parede torácica. A toracostomia com dreno é muitas vezes necessária, pela presença associada de pneumotórax. O tratamento inclui suplementação de oxigénio, controlo da dor e ventilação com pressão positiva, na presença de insuficiência respiratória.
  • Hemotórax: coleção de sangue na cavidade pleural. Ocorre, geralmente, após traumatismo torácico, levando à laceração pulmonar ou à lesão das artérias intercostais. Os sintomas incluem dispneia e toracalgia. Os sinais incluem hipotensão, taquicardia, diminuição do ar inspirado, desvio traqueal e macicez à percussão. O tratamento é por inserção de dreno torácico.
  • Contusão pulmonar: lesão pulmonar traumática do parênquima pulmonar. Os pacientes apresentam taquipneia, taquicardia e hipoxemia. A tomografia computadorizada mostra infiltrados alveolares irregulares não limitados pelas margens anatómicas (opacificação não lobar). O tratamento envolve administração de oxigénio, controlo da dor, fisioterapia torácica e ventilação mecânica em casos graves.
  • Pneumotórax: coleção anormal de ar no espaço pleural. Os achados ao exame objetivo incluem diminuição do murmúrio vesicular, hiperressonância à percussão, desvio traqueal, desvio do mediastino (para o lado contralateral ao pneumotórax hipertensivo), diminuição do frêmito vocal tátil e distenção das veias jugulares. A radiografia, a ecografia e a tomografia computadorizada do tórax permitem identificar o pneumotórax. O tratamento inclui descompressão emergente com agulha e toracotomia.
  • Tamponamento cardíaco: acumulação de líquido no espaço pericárdico, resultando na redução do enchimento ventricular e consequente colapso hemodinâmico. O tamponamento cardíaco é uma forma grave de derrame pericárdico. Em contexto de trauma, o derrame é sangue. Os achados ao exame objetivo incluem a tríade de Beck (hipotensão, distensão venosa jugular e sons cardíacos hipofonéticos). O tratamento é a pericardiocentese emergente.

Referências

  1. Advanced trauma life support (ATLS®): the ninth edition. J Trauma Acute Care Surg. 2013 May;74(5):1363-6. doi: 10.1097/TA. 0b013e31828b82f5.
  2. Sivilotti, M. Initial management of the critically ill adult with an unknown overdose. (2019). UpToDate. Retrieved November 22, 2020 from: https://www.uptodate.com/contents/initial-management-of-the-critically-ill-adult-with-an-unknown-overdose
  3. Thim, T., Krarup, N. H., Grove, E. L., Rohde, C. V., & Løfgren, B. (2012). Initial assessment and treatment with the Airway, Breathing, Circulation, Disability, Exposure (ABCDE) approach. International journal of general medicine5, 117–121. https://doi.org/10.2147/IJGM.S28478

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