Ataxia de Friedreich

A ataxia de Friedreich é uma doença autossómica recessiva caracterizada por degeneração espinocerebelar progressiva. Apresenta-se na 1ª a 2ª décadas de vida com ataxia progressiva da marcha, fraqueza, tremor, disartria, disfagia, cardiomiopatia hipertrófica e/ou diabetes. Os doentes acabam por ficar acamados. O diagnóstico é confirmado por testes genéticos que mostram expansão repetida de trinucleotídeos no gene FXN. O tratamento é de suporte e a maioria dos doentes morre de doença cardíaca na 4ª ou 5ª década de vida.

Última atualização: Jan 24, 2025

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definições

  • Ataxia: movimentos anormais e descoordenados
  • Ataxias hereditárias: grupo heterogéneo de condições hereditárias com ataxia como sintoma cardinal, geralmente secundária a lesão ou disfunção do cerebelo
  • Ataxia de Friedreich (FA, pela sigla em inglês): doença autossómica recessiva caracterizada por degeneração espinocerebelar

Genética e Fisiopatologia

  • Uma mutação no gene FXN do cromossomo 9 resulta numa expansão repetida de trinucleotídeos guanina-adenina-adenina (GAA).
    • Normalmente, a sequência GAA dentro do gene FXN é repetida 7-34 vezes.
    • Na FA, a sequência é repetida aproximadamente 70-1.300 vezes.
  • Esta expansão de repetição tripla causa a supressão do gene e reduz a produção de uma proteína chamada frataxina para 5%–35% do normal.
    • A frataxina é uma proteína mitocondrial e uma parte fundamental da produção de trifosfato de adenosina (ATP, pela sigla em inglês).
    • A deficiência de frataxina leva ao dano celular através de diferentes mecanismos.
    • As células mais frequentemente danificadas pela deficiência de frataxina incluem neurónios, células miocárdicas e células beta pancreáticas.
    • A principal patogénese neuronal é a morte de neurónios de distal para proximal, conhecida como o fenómeno “dying back”.
    • Os locais primários de envolvimento neural incluem nervos periféricos, as colunas dorsais, o trato corticoespinhal e os tratos espinocerebelares laterais e ventrais.

Epidemiologia

  • Ataxia autossómica recessiva mais comum (50% dos casos)
  • Incidência nos Estados Unidos: 1 em 40.000
  • Mais comum em caucasianos
  • Início dos sintomas geralmente < 20 anos

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Apresentação Clínica

Características neurológicas

  • Tríade (altamente sugestiva): ataxia + arreflexia + reflexos plantares extensores
  • Ataxia da marcha:
    • Geralmente o sintoma de apresentação na adolescência
    • Afeta ambos os membros inferiores
    • Piora progressivamente para marcha lenta e desajeitada após o desenvolvimento prévio de caminhada normal
    • Uma combinação de 2 tipos de marcha:
      • Cerebelar: mudança de posição constante e marcha de base ampla para manter o equilíbrio
      • Défice sensitivo: exacerba a marcha de base larga, marcha com arrastamento dos pés
  • Outros sintomas incluem:
    • Fraqueza motora
    • Perda de vibração e sensação de posição; perda eventual do toque leve, dor e temperatura
    • Perda dos reflexos osteo-tendionosos
    • Reflexos plantares extensores
    • Ataxia do tronco e braços
    • Tremor facial e dos músculos dos braços
    • Dependência de cadeira de rodas na 1ª e 2ª década de vida
    • Disartria e disfagia

Características não neurológicas

  • Cifoescoliose (até 80%)
  • Cardiomiopatia hipertrófica (> 50%): sinais de hipertrofia ventricular, como sopro de ejeção sistólico
  • Diabetes mellitus (aproximadamente 10%)
  • Pés cavos (“pé oco”) e/ou pés equinovaros (“clubfoot”)
  • Perda visual e auditiva
  • Défice cognitivo ligeiro
Curvatura lateral da coluna vertebral e ombros redondos na ataxia de friedreich

Exemplo de cifoescoliose grave, um achado comum na ataxia de Friedreich

Imagem : “Lateral curvature of the spine and round shoulders ” por Lovett, Robert W.  Licença: Public Domain

Diagnóstico

Testes genéticos

  • Confirma o diagnóstico
  • Indicações:
    • Diagnóstico pré-natal para pais com uma criança afetada
    • Qualquer doente com suspeita de ter a doença

Imagiologia

  • Ressonância magnética (RM) (imagem de escolha):
    • Atrofia da medula espinhal cervical com evidência mínima de atrofia cerebelar
    • A atrofia cerebelar é um achado tardio.
  • Eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma para procurar sinais de cardiomiopatia hipertrófica
  • Glicose sérica para testar diabetes mellitus
  • Estudos de condução nervosa podem mostrar uma ligeira redução na velocidade.
Ataxia de friedreich por ressonância magnética

RM de um doente com ataxia de Friedreich: observar a diminuição de espessura da medula espinhal cervical

Imagem : “Figure 6” por Rajith Nilantha de Silva et al.  Licença: CC BY 4.0

Tratamento

  • Sem tratamento definitivo
  • Intervenção multidisciplinar (por exemplo, neurologia, medicina física, cardiologia, ortopedia, endocrinologia)
  • A implementação precoce de terapia ocupacional e fisioterapia ajuda a preservar a função.
  • Omaveloxolona:
    • Aprovada em 2023
    • Utilizada para abrandar a progressão da doença
  • Prognóstico:
    • A idade média de morte é de 37 anos.
    • Números mais altos de repetições GAA estão associados ao início mais precoce da doença e a uma maior probabilidade de cardiomiopatia e diabetes.
    • A cardiomiopatia é a causa mais frequente de morte.
    • As mulheres têm um prognóstico significativamente melhor.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial para FA inclui as seguintes condições:

  • Ataxia-telangiectasia hereditária (AT, pel sigla em inglês): ataxia cerebelar degenerativa com malformações vasculares oculocutâneas (telangiectasias) e máculas “café-com-leite”. Geneticamente herdada e transmitida num padrão autossómico recessivo. Os doentes apresentam marcha invulgar de base estreita, ao contrário da FA, onde a marcha é de base ampla. Há uma incidência elevada de cancro em doentes com AT (principalmente leucemia e linfoma). Não há tratamentos curativos e o prognóstico é desfavorável. A idade média de morte para doentes com AT é de 25 anos.
  • Doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT, pela sigla em inglês): espectro de condições geneticamente herdadas que afetam os nervos periféricos. Os sintomas clínicos comuns incluem neuropatia periférica progressiva, fraqueza distal e atrofia muscular. Os testes genéticos e eletromiografia são importantes ferramentas de diagnóstico para detetar esta condição. O tratamento é de suporte. Embora seja comum ficar dependente de uma cadeira de rodas, a maioria dos doentes mantém a capacidade de deambulação e a esperança média de vida não é reduzida.
  • Ataxia com deficiência de vitamina E: embora frequentemente observada em doentes com défices alimentares, existe uma forma genética desta condição causada por mutações no gene da proteína de transferência de alfa-tocoferol. Esta mutação é herdada num padrão autossómico recessivo, muito semelhante à FA. Assim como a AF, pode apresentar neuropatia e perda da marcha normal. Além disso, a condição apresenta achados cutâneos, como retinite pigmentosa. O tratamento nestes doentes com altas doses de vitamina E é curativo.

Referências

  1. Warner, W. C., & Sawyer, J. R. (2017). Scoliosis and kyphosis. In F. M. Azar MD, J. H. Beaty MD & S. T. Canale MD (Eds.), Campbell’s operative orthopaedics (pp. 18972120.e26). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323374620000446
  2. Palau Martínez, F. (2016). Enfermedades monogénicas raras. In C. Rozman Borstnar, & F. Cardellach López (Eds.), Farreras Rozman. medicina interna (pp. 11701182). .00148-4 https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9788490229965001484
  3. Rosenberg, R. N. (2018). Ataxic disorders. In J. L. Jameson, A. S. Fauci, D. L. Kasper, S. L. Hauser, D. L. Longo & J. Loscalzo (Eds.), Harrison’s principles of internal medicine, 20e (). New York, NY: McGraw-Hill Education. accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?aid=1164415673
  4. Garg, M., Kulkarni, S. D., Shah, K. N., & Hegde, A. U. (2017). Diabetes Mellitus as the Presenting Feature of Friedreich’s Ataxia. Journal of neurosciences in rural practice, 8(Suppl 1), S117–S119.
  5. Genetics Home Reference. (2021) Friedreich Ataxia. Retrieved January 24, 2025, from https://ghr.nlm.nih.gov/condition/friedreich-ataxia#diagnosis
  6. Opal, P., & Zoghbi, H. Y. (2025). Friedreich ataxia. UpToDate. Retrieved January 24, 2025, from https://www.uptodate.com/contents/friedreich-ataxia

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