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Antraz

O antraz é uma infeção causada pela bactéria Bacillus anthracis, que geralmente tem como alvo a pele, os pulmões ou os intestinos. O antraz é uma doença zoonótica sendo geralmente transmitida aos seres humanos a partir de animais ou através de produtos de origem animal. Os esporos do Bacillus podem persistir no solo por muito tempo, tendo também sido utilizados como arma biológica. Os sintomas dependem do sistema orgânico afetado. Na pele leva à formação de pequenas bolhas com edema periférico, que geralmente se transformam numa úlcera indolor com uma região central negra. A exposição por via inalatória causa uma pneumonia fulminante grave. A exposição intestinal leva a úlceras nas mucosas, diarreia sanguinolenta, dor abdominal, náuseas e vómitos. O diagnóstico é estabelecido através das culturas, exame dos tecidos e de reação em cadeia da polimerase (PCR). O tratamento engloba antibióticos, antitoxinas e, frequentemente, internamento hospitalar ou em cuidados intensivos. A mortalidade por doença sistémica permanece elevada.

Última atualização: May 31, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

O antraz é uma doença infeciosa causada pelo Bacillus anthracis (B. anthracis) e que pode ter manifestações cutâneas, respiratórias e gastrointestinais.

Epidemiologia

  • Doença zoonótica
  • Hospedeiros comuns: gado selvagem ou doméstico, como ovelhas, gado bovino, cavalos e cabras.
  • Endémica nas regiões agrícolas do mundo, embora seja rara nos Estados Unidos
  • O CDC (Centers for Disease Control) reporta < 5 casos/ano nos Estados Unidos.
  • Os homens apresentam maior risco que as mulheres pelo facto de terem ocupações de maior risco.
  • Os surtos podem ser sazonais: geralmente numa área enzoótica com chuva após um período de seca

Etiologia

  • O agente etiológico é o B. anthracis:
    • Bacilos gram-positivos
    • Forma esporos que podem persistir no solo em estado dormente durante muito tempo
  • Os animais são infetados pela inalação ou ingestão dos esporos → as bactérias multiplicam-se no seu corpo e estes excretam mais esporos
  • Os esporos podem entrar no corpo humano de 3 formas:
    • Inalação (antraz por inalação)
    • Ingestão (antraz gastrointestinal)
    • Contacto direto com a pele (antraz cutâneo)
  • Os seres humanos infetam-se geralmente através do contacto com animais ou com os seus produtos.
  • Foram relatados acidentes em laboratório com casos documentados de infeção.
  • A guerra biológica utiliza esporos de antraz com um refinamento especializado para os tornar mais finos e facilmente aerossolizados, para que sejam facilmente inalados.
Ciclo do antraz

O ciclo do antraz:
Os esporos de Bacillus anthracis (antraz) infetam humanos ou mamíferos por diferentes processos: ingestão, inalação ou por via cutânea através de picadas de um inseto infetado. Os esporos de antraz têm origem na vegetação em resíduos excretados de gado, expostos ao oxigénio.

Imagem de Lecturio.

Fisiopatologia e Apresentação Clínica

Patogénese

  • Depende da produção de 2 exotoxinas potentes:
    • Toxina de edema (ET, pela sigla em inglês):
      • Aumenta os níveis de monofosfato de adenosina cíclico (cAMP)
      • Causa o edema e a escara negra do antraz cutâneo
      • Induz hemorragia multiorgânica
    • Toxina letal (LT, pela sigla em inglês):
      • Protease (cliva a proteína cinase ativada por mitógeno (MAP))
      • Causa necrose tecidual
  • O antigénio protetor (PA, pela sigla em inglês) liga-se a ambas as toxinas e permite que a ET e a LT entrem nas células.
  • A cápsula do B. anthracis permite à bactéria evitar a fagocitose.
  • As toxinas inibem os neutrófilos, as células dendríticas e o recrutamento de macrófagos.
  • As células endoteliais também podem ser afetadas (extravazamento vascular).

Apresentação clínica

Antraz cutâneo:

  • 95% dos casos de antraz
  • Entra no corpo através de um corte ou de outra ferida na pele
  • Período de incubação: 5-7 dias
  • Forma mais leve de antraz: Com tratamento adequado, raramente é fatal.
  • Sinais e sintomas:
    • Pápula elevada e pruriginosa que se assemelha a uma picada de inseto, que rapidamente se transforma numa ferida indolor com uma escara preta.
    • Adenopatias, linfangite e edema circundante
    • Podem ocorrer sintomas sistémicos: febre, mal-estar, cefaleias

Antraz gastrointestinal:

  • Por ingerir carne mal cozinhada de um animal infetado ou beber água contaminada
  • Período de incubação: 1-6 dias
  • Causa úlceras necróticas no trato gastrointestinal, desde a boca até ao cólon ascendente
  • Sinais e sintomas:
    • Náuseas
    • Vómitos
    • Dor abdominal
    • Cefaleias
    • Anorexia
    • Febre
    • Diarreia grave e sanguinolenta nos estadios mais tardios da doença
    • Forma orofaríngea:
      • Odinofagia
      • Dificuldade na deglutição (disfagia)
      • Tumefações cervicais (adenopatias)

Antraz por inalação (“Doença de Woolsorter”):

  • Por inalação de esporos de antraz
  • O período de incubação relatado varia entre 1 a 60 dias.
  • Doença bifásica:
    • Fase prodrómica (sintomas semelhantes aos da gripe):
      • Odinofagia
      • Febre baixa
      • Fadiga e mialgias
      • Hemoptises, náuseas e dispneia podem estar presentes.
    • Fase fulminante:
      • Insuficiência respiratória rapidamente progressiva
      • Bacteriémia/choque
      • Meningite (em até 50%)
      • Quase universalmente fatal

Antraz por injeção:

  • Via de transmissão de infeção por antraz mais recentemente identificada.
  • Infeção contraída pela injeção de drogas ilegais
  • Sinais e sintomas:
    • Rubor na área da injeção (tipicamente sem escara negra)
    • Edema significativo
    • Febre
    • Abcesso no local da injeção

Diagnóstico

História clínica

  • Exposição a produtos de origem animal
  • Exposição laboratorial
  • Exposição potencial a bioterrorismo
  • Utilização de drogas injetáveis
  • Sintomas cutâneos, gastrointestinais ou respiratórios típicos

Exame objetivo

  • Lesões cutâneas com edema significativo e escaras negras
  • Febre

Estudos laboratoriais

  • O diagnóstico é feito pelo doseamento dos níveis de anticorpos ou toxinas no sangue, ou pela análise direta de amostras biológicas.
  • As amostras devem ser colhidas antes do doente iniciar o tratamento.
  • Podem ser realizadas culturas, coloração de Gram, reação em cadeia da polimerase (PCR) e coloração imuno-histoquímica.
  • Amostras para análise:
    • Antraz cutâneo:
      • Fluido das bolhas
      • Biópsia por “punch” da espessura total da pele
      • Sangue
      • Líquido cefalorraquidiano (LCR)
    • Antraz por inalação:
      • Líquido pleural
      • Secreções respiratórias
      • Sangue
      • LCR
    • Antraz gastrointestinal:
      • Secreções orais e retais
      • Líquido ascítico
      • Biópsia de gânglio linfático esplénico ou mesentérico
      • Sangue
      • LCR
  • Estudos adicionais, de suporte ao diagnóstico:
    • Hemograma completo: anemia, leucocitose
    • Eletrólitos
    • Nitrogénio ureico no sangue (BUN, pela sigla em inglês)/creatinina
    • Enzimas hepáticas
    • Estudos da coagulação
Antraz por inalação

Antraz pulmonar: Radiografia de tórax que mostra alargamento mediastínico.

Imagem: “Inhalational anthrax” de JoJan. Licença: Domínio Público

Imagiologia

  • Radiografia ou tomografia computadorizada (TC) do tórax no antraz por inalação:
    • Alargamento mediastínico
    • Pneumonia intersticial peri-hilar
    • Derrame pleural
  • TC abdominal no antraz gastrointestinal:
    • Ascite
    • Inflamação e edema mesentérico
    • Edema da parede intestinal
Coloração de gram do bacillus anthracis

Coloração de Gram do B. anthracis

Imagem: “Photomicrograph of a Gram stain of the bacterium Bacillus anthracis” do CDC. Licença: Domínio Público

Tratamento

Abordagem inicial

  • As hemoculturas e outras culturas apropriadas devem ser obtidas antes do início do tratamento.
  • Todos os casos de antraz sistémico devem ser hospitalizados (cutâneo com sintomas sistémicos e todas as outras formas).
  • Deve ser realizada monitorização hemodinâmica apertada pelo risco de deterioração rápida.
  • Tratamento de suporte na sépsis (fluidoterapia, transfusão de sangue, vasopressores, ventilação mecânica)
  • A punção lombar deve ser realizada para descartar meningite, a menos que esteja contraindicada.

Antibióticos

  • Devem ser iniciados com urgência
  • Meningite: Ciprofloxacina + meropenem + linezolida
  • Antraz sistémico sem meningite:
    • Ciprofloxacina + clindamicina
    • Ciprofloxacina + linezolida
  • Antraz cutâneo sem sinais sistémicos e sem envolvimento de cabeça ou pescoço: terapêutica única com fluoroquinolonas, doxiciclina ou clindamicina

Antitoxinas

  • Devem ser iniciadas com urgência no antraz sistémico
  • Anticorpos monoclonais: raxibacumab, obiltoxaximab
  • Imunoglobulina de antraz

Outras medidas

  • Glucocorticoides
  • Drenagem dos derrames pleurais e pericárdicos no antraz por inalação
  • Drenagem da ascite no antraz gastrointestinal

Prognóstico

  • A mortalidade por meningite é de quase 100%.
  • A letalidade do antraz cutâneo é < 2% com antibioterapia adequada.
  • A mortalidade do antraz por inalação ou gastrointestinal permanece > 40% mesmo com tratamento apropriado.

Prevenção

  • Vacinação dos animais
  • Descarte adequado dos animais infetados
  • A vacina de antraz adsorvida (AVA, pela sigla em inglês) é a única vacina aprovada para humanos.
  • Fornece imunização ativa para os grupos de risco:
    • Militares em risco
    • Manuseadores de peles e de lãs
    • Veterinários que lidam com animais potencialmente infetados
    • Trabalhadores de laboratório com exposição a B. anthracis
    • Áreas endémicas

Diagnóstico Diferencial

Antraz cutâneo:

  • Picada de inseto ou aranha: pode apresentar-se como uma área de eritema e edema localizados, frequentemente com escara. Por vezes associada a febre/calafrios. O diagnóstico é geralmente feito com base na história clínica e no exame objetivo. O tratamento é habitualmente de suporte, por vezes envolvendo antibióticos e desbridamento cirúrgico.
  • Celulite ou abcesso em utilizadores de drogas injetáveis: infeção da derme profunda e dos tecidos moles com eritema, edema, drenagem purulenta (abcesso) e, por vezes, sinais sistémicos. Frequente em utilizadores de drogas injetáveis. Os organismos causadores são confirmados por cultura.

Antraz por inalação:

  • Pneumonia: infeção do parênquima pulmonar geralmente causada por bactérias ou vírus. A pneumonia é adquirida na comunidade em 80% dos casos. O diagnóstico é baseado na apresentação clínica de febre, tosse produtiva, dispneia, crepitações e consolidação na radiografia de tórax. A pneumonia atípica pode apresentar-se com sintomas mais leves, bem como imagem menos exuberante. O tratamento é com antibioterapia empírica.
  • Tuberculose (TB): doença causada por bactérias do complexo Mycobacterium tuberculosis. As bactérias geralmente atacam os pulmões, podendo também danificar outras partes do corpo. A tuberculose é transmitida por via aérea e pode ser uma infeção latente durante décadas, representando um desafio diagnóstico, terapêutico e de prevenção. O tratamento faz-se com vários antibióticos durante um longo período de tempo.
  • Derrame pleural: acumulação de líquido nos pulmões, entre as camadas das membranas pleurais parietal e visceral. O derrame pleural pode ser causado por uma infeção vírica, pneumonia ou insuficiência cardíaca. As manifestações clínicas incluem dor torácica, tosse seca, dispneia e ortopneia. O tratamento depende da doença subjacente e da gravidade dos sintomas.

Antraz gastrointestinal:

  • Isquemia intestinal: comprometimento vascular do intestino delgado causado mais frequentemente por eventos tromboembólicos arteriais ou venosos. Apresenta-se com dor abdominal intensa, por vezes náuseas e vómitos, e diarreia sanguinolenta nos estadios tardios. O diagnóstico é estabelecido com uma angioTC. O tratamento envolve hipocoagulação e cirurgia.
  • Gastroenterite: inflamação aguda da mucosa gastrointestinal geralmente causada por infeção vírica. Apresenta-se com dor abdominal, náuseas/vómitos e diarreia. O diagnóstico é clínico e o tratamento é de suporte.

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Referências

  1. Akbayram S, Dogan M, Akgün C, et al. (2010). Clinical findings in children with cutaneous anthrax in eastern Turkey. Pediatr Dermatol 27(6):600-6.
  2. Beatty ME, Ashford DA, Griffin PM, Tauxe RV, Sobel J. (2003). Gastrointestinal anthrax: review of the literature. Arch Intern Med 163 (20):2527-31. 
  3. Doganay M, Metan G, Alp E. (2010). A review of cutaneous anthrax and its outcome. J Infect Public Health 3 (3):98-105. 
  4. Wilson K. (2020). Clinical manifestations and diagnosis of anthrax. Retrieved 21 January 2021, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-anthrax
  5. Wilson K. (2020). Microbiology, pathogenesis, and epidemiology of anthrax. Retrieved 21 January, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/microbiology-pathogenesis-and-epidemiology-of-anthrax
  6. Wilson K. (2019). Treatment of anthrax. Retrieved 3 February 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-anthrax

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