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ACES e RUSH: Protocolos de Ecografia de Reanimação

A avaliação abdominal e cardíaca com ecografia em choque (ACES, pela sigla em inglês) e a ecografia rápida para choque e hipotensão (RUSH, pela sigla em inglês) são exames de ecografia realizados à cabeceira do doente, indicados em casos de hipotensão não traumática, sem causa conhecida ou choque. Perante uma hipotensão, são essenciais um diagnóstico precoce e um tratamento dirigido para obter resultados favoráveis, levando a uma diminuição da mortalidade. Os protocolos ACES e RUSH examinam as cavidades torácica e abdominal por ecografia para avaliar rapidamente as causas reversíveis de choque e otimizar a realização de um diagnóstico preciso. Estes protocolos combinam muitos dos mesmos elementos centrais da ecografia, diferindo principalmente na sequência do exame.

Última atualização: Apr 19, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Contexto

  • A história clínico e o exame objetivo carecem frequentemente da sensibilidade e especificidade necessárias para diagnosticar com precisão a patologia aguda.
  • A ecografia tem sido precocemente integrada nos esforços de reanimação pelos seguintes:
    • Rapidez
    • Facilidade de utilização
    • Custo
    • Disponibilidade
    • Boa sensibilidade e especificidade
  • Foram recentemente desenvolvidos vários protocolos de ecografia para a abordagem de doentes críticos, incluindo o ACES e o RUSH.
  • A ecografia à cabeceira do doente permite a avaliação rápida de causas reversíveis de choque e melhora a precisão do diagnóstico perante uma hipotensão sem causa conhecida.

Noções básicas de ecografia

  • Imagiologia:
    • A ecografia é uma técnica de imagem baseada em ultrassons (ondas sonoras inaudíveis de alta frequência).
    • Utilizam-se em imagiologia médica as ondas sonoras com frequência de 2 a 18 MHz.
    • O equipamento utiliza um transdutor que atua como emissor e recetor de ondas sonoras, e um computador central processa os sinais elétricos para gerar a imagem.
  • Terminologia:
    • Hiperecogénico (e.g., superfície do osso, cálculos do trato urinário, lesões contendo gordura): uma estrutura que produz eco de alta amplitude (tons de cinzento mais claros e branco)
    • Hipoecogénico (e.g., abcessos sem gás, tumores sólidos sem calcificações ou gordura): uma estrutura que produz eco de baixa amplitude (tons de cinzento mais escuros)
    • Anecogénico (e.g., quistos simples): uma estrutura que não produz qualquer eco (completamente preto)
    • Isoecogénico: estrutura que produz um eco com amplitude muito semelhante à do seu ambiente, muito difícil de distinguir
  • Sondas:
    • Sonda curvilínea ou convexa:
      • “Sonda abdominal”
      • 2–5 MHz (baixa frequência)
      • Alta penetração
      • Grande área de contacto
      • Desfavorável para movimento
      • Utilizada para a maioria dos órgãos internos, aorta, abdómen, pulmão, pleura, ginecologia
    • Sonda de matriz faseada:
      • “Sonda cardíaca”
      • 1–5 MHz (baixa frequência)
      • Alta penetração
      • Pequena área de contacto
      • Ótima para movimento
      • Utilização: cardíaca, pleural
    • Sonda linear:
      • “Sonda vascular”
      • Sonda de 6–13 MHz (alta frequência)
      • Baixa penetração
      • Grande área de contacto
      • Utilização: vascular, pleural, nervo ótico, acesso venoso

Avaliação Abdominal e Cardíaca com Ecografia em Choque (ACES, pela sigla em inglês)

Definição

A avaliação abdominal e cardíaca com ecografia em choque é um exame realizado à cabeceira do doente, utilizado em casos de hipotensão sem causa conhecida, não traumática realizada no Serviço de Urgência.

Princípios

  • O protocolo consiste em 6 janelas incluindo vistas cardíaca, peritoneal, pleural, veia cava inferior (VCI) e aórtica.
  • O objetivo é reduzir o tempo necessário para estabelecer um diagnóstico e fornecer um tratamento dirigido precoce.
  • Indicações:
    • Hipotensão/choque não traumáticos
      • Hipovolémico
      • Obstrutivo
      • Cardiogénico
      • Distributivo
    • Contraindicações:
      • Sem contraindicações absolutas
      • Não deve atrasar as atitudes de reanimação

Protocolo

  1. Visão cardíaca:
    • Visão subxifóide transversal das 4 cavidades
    • Avalia a função cardíaca e derrame/tamponamento pericárdico
  2. VCI:
    • Visão subxifóide longitudinal
    • Medição de diâmetro e índice de colapso
  3. Visualização da aorta abdominal:
    • Deslizando ligeiramente para a esquerda da linha média do diafragma até a sua bifurcação
    • Procurar por aneurisma da aorta abdominal (AAA).
  4. Vista da bolsa de Morison (recesso hepatorrenal) e da base do pulmão ipsilateral:
    • Procurar por líquido livre na cavidade peritoneal.
    • Procurar por líquido pleural.
  5. Vista do recesso esplenorrenal e da base do pulmão:
    • Procurar por líquido livre na cavidade peritoneal.
    • Procurar por líquido pleural.
  6. Vista pélvica:
    • Observar volume da bexiga
    • Procurar por líquido livre na região pélvica.
Avaliação abdominal e cardíaca com ultrassonografia em choque protocolo-01

Avaliação abdominal e cardíaca com protocolo de ecografia em choque (ACES, pela singla em inglês):
1: 1 ou mais vistas cardíacas
2: Vista da veia cava inferior
3: Observação da aorta abdominal
Vistas do flanco 4: direito e 5: esquerdo para líquido pleural e peritoneal
6: Vista pélvica para dimensão da bexiga e líquido livre

Imagem por Lecturio.
Tabela: Protocolo ACES: Possíveis achados em choque
Tipo de choque Cardíaco VCI Aorta Líquido/sangue peritoneal Líquido/sangue pleural
Séptico VE hiperdinâmico ou hipodinâmico na sépsis tardia VCI estreita/colapsada Normal Sépsis cirúrgica/ginecológica Pneumonia, empiema
Cardiogénico VE hipodinâmico/↓ FE Normal Normal Normal Normal
Hipovolémico VE hiperdinâmico VCI estreita/colapsada AAA Rotura esplénica espontânea, perfuração de víscera, hemorragia ginecológica Normal
Obstrutivo (cardíaco) Derrame pericárdico, tamponamento cardíaco VCI variável Normal Normal Normal
Obstrutivo (pulmonar) VD dilatado, ↑ rácio VE para VD VCI dilatada Normal Normal Normal
AAA: aneurisma de aorta abdominal
VCI: veia cava inferior
VE: ventrículo esquerdo
VD: ventrículo direito
FE: fração de ejeção

Ecografia Rápida para Choque e Hipotensão (RUSH, pela sigla em inglês)

Definição

A ecografia rápida para choque e hipotensão é um protocolo de exame realizado à cabeceira do doente, que consiste na avaliação do coração e dos grandes vasos, dividido em 3 etapas: “bomba”, “tanque” e “tubos”.

Princípio

  • O líquido livre na cavidade peritoneal deposita-se em áreas dependentes no peritoneu quando o paciente está em decúbito dorsal, o que pode ser detetado por imagens de ecografia.
  • Um protocolo de ecografia de choque facilmente aprendido e executado rapidamente
  • O objetivo é identificar rapidamente as causas do choque e iniciar um tratamento dirigido precoce.
  • Indicações:
    • Hipotensão/choque não traumático
      • Hipovolémico
      • Obstrutivo
      • Cardiogénico
      • Distributivo
    • Contraindicações:
      • Sem contraindicações absolutas
      • Não deve atrasar as atitudes de reanimação

Protocolo

  1. Bomba (vista cardíaca):
    • Pergunta: A bomba funciona?
    • Pericárdio (derrame pericárdico/tamponamento)
    • Ventrículo esquerdo (dimensão e capacidade de contratilidade)
    • Dimensão relativa do ventrículo esquerdo para o ventrículo direito
  2. Tanque (estado do volume):
    • Pergunta: O tanque está cheio, a extravasar ou comprometido?
    • Plenitude do tanque: avaliação das veias cava inferior e jugular quanto à dimensão e colapso com inspiração
    • Extravasamento do tanque (perda de sangue, extravasamento de líquido ou outras coleções patológicas de líquido): vistas dos recessos hepatorrenal, esplenorrenal e bexiga para avaliar líquido intraperitoneal e derrame pleural
    • Comprometimento do tanque: avaliações de ambos os hemitóraces para pneumotórax
    • Sobrecarga do tanque: avaliações de ambos os hemitóraces para edema pulmonar
  3. Tubos (artérias e veias):
    • Pergunta: Os tubos estão obstruídos ou bloqueados?
    • Avaliação sistemática das principais artérias e veias e exclusão de anomalias:
      • Tubos com roturas: AAA, dissecção da aorta
      • Tubos entupidos: trombose venosa profunda (TVP)
Colocação da sonda para o exame rush-01

Colocação da sonda para o exame de ecografia rápida para choque e hipotensão (RUSH, pela sigla em inglês)

Imagem por Lecturio.
Tabela: Protocolo RUSH: Possíveis achados em choque
Tipo de choque Bomba Tanque Tubos
Cardiogénico VE hipodinâmico, ↓ FE, coração dilatado VCI dilatada, veias jugulares distendidas, lung rockets (“foguetes de pulmão”), líquido pleural, líquido peritoneal Normal
Hipovolémico VE hiperdinâmico, cavidade de pequena dimensão VCI estreita, veias jugulares planas, líquido peritoneal, líquido pleural Normal
Obstrutivo VE hiperdinâmico, derrame pericárdico, tamponamento cardíaco, tensão do VD, trombo cardíaco VCI dilatada, veias jugulares distendidas, deslizamento pulmonar ausente (pneumotórax) TVP
Distributivo VE hiperdinâmico na sépsis precoce, VE hipodinâmico na sépsis tardia VCI normal/pequena (sépsis precoce), líquido peritoneal (sépsis), líquido pleural (sépsis) Normal
AAA: aneurisma de aorta abdominal
VCI: veia cava inferior
VE: ventrículo esquerdo
VD: ventrículo direito
FE: fração de ejeção
TVP: trombose venosa profunda

Relevância Clínica

  • Ecografia: uma técnica de imagem baseada em ultrassons (ondas sonoras inaudíveis de alta frequência). Utilizam-se em imagiologia médica as ondas sonoras com frequência de 2 a 18 MHz. O equipamento utiliza um transdutor que atua como emissor e recetor de ondas sonoras, e um computador central processa os sinais elétricos para gerar a imagem. As vantagens gerais deste método de imagem são o baixo custo, a disponibilidade e a segurança.
  • Hemopericárdio (tamponamento): a acumulação de líquido em excesso no espaço pericárdico que rodeia o coração, que aumenta a pressão, restringe o enchimento cardíaco e resulta numa diminuição do débito cardíaco. Os sintomas incluem dispneia, hipotensão, sons cardíacos hipofonéticos, distensão venosa jugular e pulso paradoxal. O diagnóstico é confirmado por ecocardiograma. O tratamento consiste na pericardiocentese emergente ou na pericardiotomia.
  • Hemotórax: coleção de sangue na cavidade pleural que ocorre mais frequentemente devido a danos nas artérias intercostais. Os indivíduos afetados apresentam dispneia, dor torácica, hipotensão, taquicardia, diminuição do murmúrio vesicular e macicez à percussão torácica. O diagnóstico é realizado por radiografia de tórax. O tratamento é realizado através da insersão de um dreno torácico por toracostomia, cirurgia toracoscópica videoassistida (VATS) ou toracotomia.
  • Pneumotórax: uma condição potencialmente fatal em que o ar se acumula no espaço pleural, levando ao colapso do pulmão. Os pacientes apresentam dor torácica, dispneia e diminuição dos sons respiratórios. O diagnóstico é feito por imagem, embora o pneumotórax hipertensivo seja um diagnóstico clínico. O tratamento é realizado com na dimensão e estabilidade do paciente, e pode incluir descompressão por agulha e inserção de um dreno torácico (toracostomia).
  • Derrame pleural: acumulação de líquido entre as camadas da pleura parietal e visceral. As causas comuns de derrame pleural incluem infeção, neoplasias malignas, doenças autoimunes ou sobrecarga de volume. As manifestações clínicas incluem dor torácica, tosse e dispneia. O tratamento depende da condição subjacente e se o derrame causa dificuldade respiratória.

Referências

  1. Alpert E. A. (2019). The ABCDs of ResUS – Resuscitation Ultrasound. Cureus, 11(5), e4616.
  2. Atkinson, P. R., McAuley, D. J., Kendall, R. J., Abeyakoon, O., Reid, C. G., Connolly, J., & Lewis, D. (2009). Abdominal and Cardiac Evaluation with Sonography in Shock (ACES): an approach by emergency physicians for the use of ultrasound in patients with undifferentiated hypotension. Emergency medicine journal: EMJ, 26(2), 87–91. 
  3. Nicks B. A., & Gaillard J. P. (2020). Approach to nontraumatic shock. Tintinalli J. E., & Ma O, & Yealy D. M., & Meckler G. D., & Stapczynski J, & Cline D. M., & Thomas S. H. (Eds.), Tintinalli’s Emergency Medicine: A Comprehensive Study Guide, 9e. McGraw-Hill.
  4. Cardiac ultrasound. Baston C. M., & Moore C, & Krebs E. A., & Dean A. J., & Panebianco N (Eds.), (2018). Pocket Guide to POCUS: Point-of-Care Tips for Point-of-Care Ultrasound. McGraw-Hill.
  5. Fritz D. A. (2017). Emergency bedside ultrasound. Stone C, & Humphries R. L. (Eds.), CURRENT Diagnosis & Treatment: Emergency Medicine, 8e. McGraw-Hill. 
  6. Perera, P., Mailhot, T., Riley, D., & Mandavia, D. (2010). The RUSH exam: Rapid Ultrasound in SHock in the evaluation of the critically lll. Emergency medicine clinics of North America, 28(1), 29–vii.

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