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A Criança Febril

A febre é definida como uma temperatura corporal acima do normal. Na medicina atual, a febre é definida como uma temperatura > 38°C. É um sintoma comum na população pediátrica que pode surgir isolado ou acompanhado de outros achados que permitem definir os diagnósticos diferenciais. Geralmente, a febre é a resposta do organismo a processos infeciosos; no entanto, também pode estar presente noutros processos patológicos. Em recém-nascidos e lactentes muito pequenos, a apresentação clínica carece de especificidade, de modo que são realizados exames complementares de diagnóstico para excluir infeção bacteriana grave (IBG) e iniciar o tratamento conforme a idade e a evolução clínica.

Última atualização: Jul 13, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição de febre

  • ≤ 56 dias de idade, qualquer temperatura ≥ 38°C
  • > 56 dias de idade, qualquer temperatura ≥ 38,5°C
  • Crianças com imunossupressão subjacente:
    • Uma medição ≥ 38,5°C
    • Três medições ≥ 38,0°C num período de 24 horas, com 1 hora de intervalo

Etiologia

  • Infeciosa:
    • Vírica
    • Bacteriana
  • Não infeciosa:
    • Neoplasias malignas
    • Doença reumática
    • Reações a fármacos

Abordagem sistemática na determinação da causa de febre

  • História clínica e exame físico completo, à procura de focos infeciosos
  • Abordagem: análises laboratoriais e imagem diagnóstica, conforme os sinais e sintomas apresentados

Admissão em internamento

  • Sinais de instabilidade clínica:
    • Diminuição do nível de consciência
    • Sinais de hipovolemia/choque
    • Sinais de dificuldade respiratória
  • Lactentes de alto risco:
    • Imunossupressão
    • Doença crónica
  • Lactente com necessidade de cuidados ao nível de internamento:
    • Necessidade de repetição de vários exames físicos pela instabilidade da condição subjacente
    • A escolha do tratamento empírico requer medicação ou hidratação EV.
    • Necessidade de oxigénio suplementar

Pequenos Lactentes

Descrição Geral

  • 29 – 60 dias de idade
  • Prevalência de infeção bacteriana grave (IBG): 6%–10% (frequentemente por infeções do trato urinário (ITUs))

Diagnóstico e abordagem

  • Estudo analítico:
    • Análise da urina
    • Urocultura
    • Hemograma
    • Hemocultura
    • +/– Proteína C reativa (PCR)
    • +/– Procalcitonina
    • Deve ser realizada punção lombar (PL) se:
      • Recém-nascido prematuro (< 37 semanas de gestação)
      • Internamento prolongado em Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN)
      • História de patologias médicas crónicas
      • Antibioterapia nas 72 horas prévias
      • Aparência doente ou inconsolável
      • Infeções visíveis à inspeção
      • Leucócitos < 5000 ou > 15.000
      • Relação bandas-neutrófilos (bandas/bandas + neutrófilos) > 0,2
      • Radiografia de tórax com infiltrado, se realizada
    • Teste da reação em cadeia da polimerase (PCR, pela sigla em inglês) para vírus herpes simples (VHS) indicado em todas as crianças com:
      • Pleocitose ou hemácias no líquido cefalorraquidiano (LCR)
      • Aparência doente
      • Alteração do estado neurológico, incluindo convulsão
      • Erupção cutânea vesicular, com bolhas
      • Evidência laboratorial de hepatite
      • História de infeção materna primária por VHS durante o parto
  • Se a criança apresentar bom aspeto e ausência de alterações no estudo analítico, poderá ter alta com avaliação em 12 a 24 horas.
  • Alteração no estudo analítico:
    • Internar
    • PL, se cumprir critérios
    • Administração de antibioterapia empírica:
      • Ampicilina e gentamicina
    • Se a análise de urina for positiva e o LCR não apresentar alterações, a criança pode ter alta com antibioterapia oral.
Tabela: Critérios para a abordagem da criança febril (28 dias–56 dias de idade)
Rochester, NY Philadelphia, PA Boston, MA
Ecografia, urocultura, hemograma, hemocultura Sim Sim Sim
Punção lombar Se testes alterados Sim Sim
Ceftriaxone Se testes alterados Se testes alterados Sim

Crianças dos 3 Meses aos 3 Anos de Idade

Nota: Esta abordagem é adequada para crianças que não são imunocomprometidas. Existem normas específicas para a abordagem da febre pediátrica em crianças com:

  • Processos oncológicos
  • Drepanocitose
  • Dispositivos médicos permanentes (e.g., cateteres centrais, shunts ventrículo-peritoneais, cateteres urinários)

As infeções víricas são a causa mais comum de febre nesta faixa etária.

O grau e o foco dos exames empíricos nesta faixa etária dependem do(a):

  • História da doença atual
  • Exame objetivo
  • Aparência clínica da criança

Crianças com bom aspeto e exames normais podem ter alta sem análises laboratoriais ou antibióticos empíricos. Os exames de rotina não são necessários numa criança previamente saudável e imunizada.

  • O hemograma e a hemocultura não estão recomendados por rotina.
  • Para a bronquiolite e febre, não estão indicadas análises de urina nem hemocultura.

A análise de secreções nasais numa etiologia vírica, como o vírus sincicial respiratório (VSR) ou influenza A ou B, pode ser útil numa criança com sintomas respiratórios.

Para crianças com aparência doente, deve ser realizado um rastreio completo de sépsis e internamento.

Microrganismos Infeciosos do Recém-Nascido

Streptococcus do Grupo B (SGB)

  • Diplococo gram-positivo
  • Coloniza frequentemente os tratos gastrointestinal (GI) e geniturinário: via de transmissão da mãe colonizada para o recém-nascido
  • A infeção neonatal pode ser classificada pela idade de início:
    • Início precoce: normalmente do nascimento até às 24 horas de vida, mas pode ocorrer até ao 6.º dia de vida
    • Início tardio: 7 – 89 dias de vida
    • Início muito tardio: > 3 meses
  • Apresentação clínica:
    • Início precoce:
      • Sépsis (80% dos casos): febre ou hipotermia, hipotonia, aumento da agitação
      • Pneumonia (10% dos casos): febre ou hipotermia, dispneia, dificuldade respiratória, sons respiratórios irregulares, dessaturações persistentes
      • Meningite (10% dos casos): febre ou hipotermia, tónus aumentado ou diminuído, aumento da agitação, recusa alimentar
    • Início tardio:
      • Bacteremia (60% dos casos): febre, irritabilidade, letargia, taquipneia e apneia
      • Meningite (30% dos casos): instabilidade térmica, irritabilidade, letargia, recusa alimentar ou vómitos, abaulamento da fontanela, rigidez da nuca, achados neurológicos focais e convulsões
      • Infeção óssea e articular (5% dos casos): a febre pode estar ausente; pode ser incapaz de suportar peso; pode ser completamente ativo ou apresentar amplitude de movimento passiva completa da articulação afetada
      • Infeção de tecidos moles (5% dos casos): febre, dor, eritema, secreção purulenta
    • Início muito tardio:
      • Bacteremia sem foco: febre, mal-estar, diminuição do tónus
      • Podem estar presentes outras infeções focais, mas estas são raras
  • Diagnóstico:
    • Com base no aspeto clínico e na presença de fatores de risco
    • Análises laboratoriais:
      • Hemograma
      • Hemocultura
      • Punção lombar, se existirem sinais de sépsis ou meningite ou se criança < 28 dias de idade
      • Radiografia de tórax, se existirem sintomas respiratórios
      • Urocultura
  • Tratamento: antibioterapia
    • Tratamento empírico em todos os lactentes com suspeita de sépsis, geralmente com ampicilina e gentamicina inicialmente (+ cefotaxima se existir suspeita de meningite); mais tarde, dirigir antibioterapia de acordo com a sensibilidade bacteriana
    • Tratamento de suporte
    • Suporte respiratório, se necessário

Infeções TORCH

TORCH é um acrónimo para os microrganismos causadores de um grupo de infeções congénitas particularmente graves:

  • Toxoplasmosis (Toxoplasmose)
  • Others (Outros)
  • Rubella virus (Vírus da rubéola)
  • Cytomegalovirus (Citomegalovírus)
  • Herpes simplex virus (Vírus herpes simples)

Toxoplasmose

  • Causada pelo protozoário Toxoplasma gondii:
    • Parasita ubíquo que infeta animais e humanos
    • Encontrado em gatos e transmitido através do contacto com fezes ou arranhadela de gato
    • Em indivíduos imunocompetentes, a infeção é assintomática.
  • Transmissão por via transplacentária da mãe infetada para o feto em desenvolvimento
  • Apresentação clínica:
    • Coriorretinite
    • Hidrocefalia
    • Calcificações intracranianas
    • Achados anormais no LCR
    • Icterícia
    • Trombocitopenia
    • Anemia
    • Febre
    • Microcefalia
  • Diagnóstico:
    • Quem testar:
      • Filhos de mães com evidência de infeção primária por T. gondii durante a gravidez
      • Filhos de mães imunocomprometidas que também apresentam evidência serológica de infeção por T. gondii
      • Lactentes com apresentação clínica compatível com infeção por T. gondii
      • Lactentes com exame de rastreio positivo para IgM Toxoplasma
    • Exames complementares de diagnóstico:
      • Punção lombar: geralmente o LCR apresenta proteínas elevadas; este pode ser enviado para teste de PCR.
      • A neuroimagem (pré-natal e pós-natal) pode revelar calcificações intracranianas, ventriculomegalia ou hidrocefalia.
      • Serologias para IgG Toxoplasma, IgM e IgA específicas para Toxoplasma
  • Tratamento:
    • Quem tratar:
      • Lactentes com diagnóstico pré-natal
      • Lactentes sintomáticos
    • Farmacoterapia com antiparasitários:
      • Pirimetamina
      • Sulfadiazina
      • Ácido fólico

Outros (sífilis, varicela-zoster, parvovírus B19)

A sífilis é causada pela bactéria Treponema pallidum.

  • Transmitida por contacto com mãe infetada durante a gravidez ou o parto
  • Apresentação clínica:
    • Secreção nasal hemorrágica (chamado “snuffles”)
    • Hepatoesplenomegalia/icterícia/↑ enzimas hepáticas
    • Anemia hemolítica/trombocitopenia
    • Erupção nas palmas das mãos e plantas dos pés
    • Cegueira por coriorretinite
  • Diagnóstico:
    • Teste primário: reagina plasmática rápida (RPR) e VDRL
    • Teste confirmatório: teste de imobilização de T. pallidum (TPI, pela sigla em inglês), teste de anticorpos treponémicos fluorescentes com absorção (FTA-ABS, pela sigla em inglês) e teste de aglutinação de partículas de T. pallidum (TPPA, pela sigla em inglês)
  • Tratamento: penicilina G

A varicela é causada pelo vírus varicela-zoster.

  • Apresentação clínica:
    • Cicatrizes cutâneas
    • Atrofia das extremidades
    • Bexiga neurogénica/hidronefrose
    • Manifestações do SNC: microcefalia/atrofia cortical/convulsões/atraso mental
    • Doença ocular: microftalmia/catarata/coriorretinite
  • Diagnóstico:
    • O diagnóstico clínico é realizado através do aspeto das lesões cutâneas
    • Teste direction fluorescent antibody (DFA, pela sigla em inglês) ou PCR do fluido das bolhas ou do LCR
    • Serologias para imunoglobulinas
  • Tratamento: aciclovir

A infeção por parvovírus B19 durante o 2.º trimestre pode estar associada a hidrópsia fetal ou perda fetal.

  • Apresentação clínica:
    • Hidrópsia fetal
    • Anemia
    • A maioria das infeções intrauterinas não resulta em defeitos do desenvolvimento fetal.
  • Diagnóstico: testes serológicos para IgG e IgM contra parvovírus B19
  • Tratamento: cuidados de suporte
Congenital syphilis infant
Um recém-nascido com rinite, indicativo de sífilis congénita.
Imagem: “2246” por CDC/ Dr. Norman Cole. Licença: Domínio público

Rubéola

  • Causada pelo vírus da rubéola
  • Transmitido por via transplacentária
  • Apresentação clínica:
    • Geralmente assintomática ao nascimento.
    • A síndrome da rubéola congénita está associada a 4 anomalias comuns:
      • Surdez (60%–70% dos fetos)
      • Anomalias do SNC (10%–25%)
      • Defeitos oculares, como cataratas (10%–30%)
      • Malformações cardíacas (10%–20%)
    • Restrição de crescimento
    • Hepatoesplenomegalia
    • A hematopoiese extramedular resulta numa aparência de “muffin de mirtilo” em muitos lactentes infetados.
  • Diagnóstico:
    • PCR para o ARN da rubéola (esfregaço da orofaringe, LCR)
    • Serologias (anticorpos IgM/IgG)
    • Cultura vírica (nasofaringe, sangue)
  • Tratamento: aciclovir em infeções maternas por varicela
Congenital rubella infant
Criança com síndrome de rubéola congénita demonstrando um rash “blueberry muffin”.
Imagem: “ 713” por CDC/ Dr. Andre J. Lebrun. Licença: Domínio público

Citomegalovírus (CMV)

  • Ocorre precocemente durante o período neonatal ou mais tardiamente durante a infância
  • A apresentação inicial geralmente inclui:
    • Restrição de crescimento intrauterino
    • Microcefalia
    • Letargia
    • Neuropatia ótica
    • Calcificações intracranianas
    • Atraso motor
    • Hepatoesplenomegalia
  • A taxa de mortalidade é alta e pode chegar aos 12% nos primeiros 6 meses de vida.
  • O atraso mental e a perda auditiva podem ocorrer durante a infância e geralmente são progressivos.
  • Tratamento com ganciclovir
Congenital cytomegalovirus infant
Criança com infeção congénita por citomegalovírus com microcefalia e espasticidade dos membros inferiores.
Imagem: “fig5.4.2” por CDC Public Health Image Library. Licença: Domínio público

Vírus herpes simples (VHS)

  • Passagem direta da mãe para o bebé
  • Apresentação clínica:
    • Ocorre entre o 7º e o 28º dias de vida
    • Irritável
    • Erupção vesicular
    • Convulsão
    • Hipotermia
  • Abordagem e diagnóstico:
    • PCR do VHS de análise sanguínea
    • Cultura de VHS: olhos, nariz, boca, reto
    • PCR do VHS do LCR
    • Perfil hepático
  • Abordagem:
    • Obter hemoculturas.
    • Doença pele-olho-boca: aciclovir
    • Meningite ou VHS disseminado: aciclovir

Referências

  1. Nield, L. S., Kamat, D. (2020). Fever. Chapter 201 of R. M. Kliegman R. M., et al. (Eds.), Nelson Textbook of Pediatrics, Elsevier, pp. 138–1388.e1. https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323529501002017
  2. Brower, L., Shah, S. S. (2020). Fever without a focus in the neonate and young infant. Chapter 202 of R. M. Kliegman R. M., et al. (Eds.), Nelson Textbook of Pediatrics (pp. 138–1392.e1). https://www.clinicalkey.es/#!/content/3-s2.0-B9780323529501002029
  3. Arora, R., Mahajan, P. (2013). Evaluation of a child with fever without source. Pediatric Clinics of North America. 60, 1049–1062. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24093895/
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  9. Johnson, K. (2020). Overview of TORCH infections. UpToDate. Retrieved March 28, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-torch-infections
  10. Marino, T. (2017). Viral infections and pregnancy. Emedicine. Retrieved March 29, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/235213-overview#a4

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